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— Siferra! — gritou Balik. — Está chegando! Vá para o abrigo!

— Já vou! Já vou!

Ela não queria ir para o abrigo. O que queria era correr de uma zona da escavação para outra, cuidando de tudo ao mesmo tempo, fincando melhor no chão as estacas das tendas, verificando se as preciosas placas fotográficas estavam seguras, cobrindo com o corpo a fachada do recém-escavado Palácio Octogonal para proteger os maravilhosos mosaicos que haviam descoberto no mês anterior. Mas Balik estava certo. Siferra tinha feito tudo que era possível, naquela manhã caótica, para salvar as ruínas. Agora, só lhe restava encolher-se atrás do maior morro que havia nas vizinhanças e rezar para que os defendesse da fúria da tempestade.

Siferra saiu correndo. As pernas musculosas a conduziam com facilidade sobre a areia ressequida. A arqueóloga tinha menos de quarenta anos, uma mulher alta, forte, no apogeu de sua forma física. Até aquele dia, não havia sentido nada a não ser otimismo em relação a qualquer aspecto de sua existência. De repente, porém, estava tudo ameaçado: sua carreira, sua saúde, até mesmo sua vida.

Os outros estavam amontoados na base do morro, atrás de uma barreira improvisada com lonas e estacas de madeira.

— Com licença — disse Siferra, abrindo caminho entre eles.

— Moça — gemeu Thuvvik. — Moça, faça a tempestade ir embora!

Como se ela fosse algum tipo de deusa com poderes mágicos. Siferra começou a rir. O capataz fez um gesto estranho para ela. Provavelmente um sinal religioso.

Os outros operários, que viviam todos na pequena aldeia a leste das ruínas, fizeram o mesmo sinal e começaram a murmurar alguma coisa para Siferra. Orações? Para ela? Sentiu um arrepio. Aqueles homens, como os pais e avós, tinham passado a vida cavando em Beklimot, a serviço dos arqueólogos, descobrindo pacientemente as antigas construções e peneirando a areia à procura de minúsculos artefatos, com certeza, já haviam passado por outras tempestades de areia. Será que sempre ficavam tão assustados?

Ou esta tempestade seria pior do que as outras?

— Aí vem ela — disse Balik. — Aí vem ela — repetiu, cobrindo o rosto com as mãos.

A tempestade se abateu sobre eles com toda a sua fúria. Siferra permaneceu de pé a princípio, olhando por uma abertura na lona para a monumental muralha ciclópica da cidade do outro lado da estrada, como se, simplesmente por manter o olhar fixo nas ruínas, pudesse protegê-las da destruição. Momentos depois, porém, isto se tomou impossível. Rajadas de vento incrivelmente quente penetraram no abrigo improvisado. A arqueóloga teve a impressão de que o cabelo e até as sobrancelhas estavam em chamas. Virou-se de costas, levantando uma das mãos para proteger o rosto.

Neste momento, a areia chegou, e tudo ficou invisível. Era como uma chuva, só que mais forte do que a chuva comum. O barulho era insuportável. Não o rugir do trovão, mas o som de milhões de partículas de areia se chocando contra o solo esturricado. Além daquele ruído principal, havia outros: um sibilar constante, um rangido intermitente e um tamborilar delicado. E um uivo de arrepiar. Siferra imaginou toneladas de areia se precipitando do céu, soterrando as muralhas, soterrando os templos, soterrando as construções baixas da zona residencial, soterrando o acampamento. E soterrando toda a equipe de arqueólogos.

Ela se virou de frente para a encosta do morro e esperou pelo fim. Um pouco para sua própria surpresa e humilhação, começou a chorar histericamente, soluços fundos, que vinham das entranhas do seu corpo. Não queria morrer. Claro que não: quem queria? Mas nunca havia percebido, até aquele momento, que podia haver alguma coisa pior do que a morte.

Beklimot, o mais famoso sítio arqueológico do mundo, a mais antiga cidade de que se tinha notícia, o berço da civilização, iria ser destruída — graças, exclusivamente, à sua negligência, Gerações de grandes arqueólogos de Kalgash haviam trabalhado ali no século e meio que se seguira à descoberta de Beklimot. Primeiro, Galdo 221, o maior de todos, e depois Marpin, Stirmupad, SheIbik, Numoin, uma lista de peso… e agora Siferra, que por imprudência deixara o lugar descoberto quando uma tempestade de areia se aproximava.

Beklimot passara muito tempo sob a areia. As ruínas tinham dormido pacificamente durante milhares de anos, preservadas como eram no dia em que os habitantes finalmente se renderam à aridez do clima e abandonaram o local. Todos os arqueólogos que trabalharam ali desde o tempo de Galdo tinham tido o cuidado de expor apenas uma pequena parte da cidade e de levantar cercas e barreiras para proteger da ameaça, pouco provável, mas de extremo perigo, de uma tempestade de areia. Todos, até chegar a vez de Siferra.

Naturalmente, ela também levantara as cercas e barreiras de praxe. Não, porém, na frente das novas escavações, não no setor mais importante, onde concentrara suas investigações. Algumas das construções mais antigas e importantes de Beklimot ficavam ali. E a arqueóloga, impaciente para começar a exploração, levada pelo impulso irresistível de ir cada vez mais longe, deixara de tomar as precauções mais elementares. Não pensara assim na ocasião, é claro. Mas agora, com o ruído demoníaco da tempestade nos ouvidos e o céu negro de destruição…

Talvez seja melhor eu não sobreviver, pensou Siferra. Assim não terei que ler o que na certa dirão a meu respeito em todos os livros de arqueologia a serem publicados nos próximos cinquenta anos. “As famosas ruínas de Beklimot, que forneceram informações inestimáveis a respeito dos primórdios da civilização em Kalgash até serem destruídas em consequência das ações irresponsáveis de uma jovem e ambiciosa arqueóloga, Siferra 89, da Universidade de Saro…”

— Acho que está passando — sussurrou Balik.

— O que é que está passando? — perguntou Siferra.

— A tempestade. Escute! O barulho lá fora diminuiu.

— Devemos estar enterrados debaixo de tanta areia que não dá para ouvirmos mais nada.

— Não, não estamos enterrados, Siferra!

Balik puxou a lona que estava à frente deles e conseguiu levantá-la ligeiramente. Siferra olhou na direção do espaço aberto entre o morro e a muralha da cidade. Não queria acreditar nos próprios olhos.

O que estava vendo era o azul-escuro do céu e o brilho dos sóis. Era apenas a luz branca e fria de Tano e Sitha, mas no momento achou aquela luz a coisa mais bonita que já vira.

A tempestade havia passado. Estava tudo calmo de novo. Onde estava a areia? Por que não estava tudo enterrado na areia?

A cidade ainda estava visíveclass="underline" os grandes blocos da parede de pedra, o brilho dos mosaicos, o telhado pontiagudo do Templo dos Sóis. Até as tendas estavam quase todas de pé, incluindo as mais importantes. Apenas o acampamento dos operários tinha sido afetado, mas os estragos podiam ser consertados em poucas horas.

Surpresa, ainda sem coragem de acreditar, Siferra saiu do abrigo e olhou em torno. Não havia areia solta no chão. O solo duro, de cor escura, cozido pelo sol, que constituía a superfície no local da escavação, ainda estava bem visível. Agora estava um pouco diferente, parecia ter sofrido os efeitos de uma erosão instantânea, mas estava livre de qualquer depósito que a tempestade pudesse trazer.

Balik disse, em tom pensativo:

— Primeiro chegou a areia e depois o vento. O vento pegou toda a areia que foi jogada em cima de nós, pegou-a tão rapidamente quanto havia caído, e carregou-a para o sul. Foi um milagre, Siferra. Não há outro nome para o que aconteceu. Veja… dá para ver onde o solo foi arranhado, onde a camada de areia foi arrastada pelo vento. O equivalente a talvez cinquenta anos de erosão ocorreu em apenas cinco minutos, mas…