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— Por causa da Escuridão — disse Harrim. — É disso que tenho medo. De que se sair na rua, estarei de novo na Escuridão. É isso. A Escuridão, de novo.

— Houve uma inversão completa dos sintomas nas últimas semanas — observou Kelaritan, em voz baixa. — No princípio, era exatamente o contrário. Ele se recusava a ficar em recintos cobertos, a menos que estivesse sedado, Um caso típico de claustrofobia. Depois de algum tempo, esta mudança para claustrofilia. Achamos que é um sinal de que a cura está próxima.

— Talvez — disse Sheerin. — Mas se não se importa…

Dirigindo-se a Harrim, perguntou:

— Você foi um dos primeiros a andar no Túnel do Mistério, não foi?

— Foi logo no primeiro dia — respondeu Harrim, com um traço de orgulho na voz. — Houve uma loteria na cidade. Cem pessoas ganharam entradas para o brinquedo. Devem ter vendido milhões de bilhetes, e o meu foi o quinto a ser sorteado. Eu, minha mulher, meu filho, minhas duas filhas, nós todos andamos no Túnel. Logo no primeiro dia.

— Se importa de me contar como foi?

— Bem… — começou Harrim. — Foi… eu nunca tinha estado no escuro, você entende. Nem mesmo em um quarto escuro. Nunca. Jamais havia pensado no assunto. Quando eu era criança, tinha sempre uma lâmpada acesa no meu quarto. Quando me casei e tive minha própria casa, era natural que também tivesse uma. Minha mulher pensa como eu. A escuridão não é natural. Não é algo fadado a existir.

— Mesmo assim, você entrou no sorteio.

— Ora, isso era diferente. Era diversão, você entende? Uma coisa especial. Um programa de feriado. A grande exposição era para comemorar os quinhentos anos da fundação da cidade, certo? Todo mundo estava comprando bilhetes. Achei que devia ser um brinquedo diferente, um brinquedo muito bom, para ter essa propaganda toda, certo? Foi por isso que comprei o bilhete. Quando fui sorteado, todos os meus colegas ficaram com inveja. Alguns chegaram a me oferecer dinheiro pelo bilhete. “Não senhor”, disse para eles, “este bilhete é para mim e minha família…”

— Então você estava animado para entrar no Túnel?

— Claro que estava.

— Que aconteceu durante o passeio? Como se sentiu?

— Bem… — começou Harrim. — Passou a língua nos lábios e seus olhos assumiram um ar distante. — Havia aqueles carrinhos, você sabe, com tábuas no interior para a gente sentar, abertos em cima. Havia vaga para seis pessoas em cada carrinho, mas no nosso caso, fomos apenas nós cinco, porque estávamos juntos, e quase dava para encher um carro sem colocar um estranho conosco. Aí uma música começou a tocar, e o carrinho entrou no Túnel. Andava bem devagar, não se parecia nada com um carro andando na estrada, apenas engatinhava. De repente, estávamos dentro do Túnel. Aí… aí…

Sheerin esperou.

— Continue — disse, depois de uns minutos, vendo que Harrim não dava sinal de prosseguir. — Conte o que aconteceu. Estou muito interessado em saber como foi.

— Aí ficou tudo escuro — disse Harrim, com voz rouca. A lembrança fazia suas mãos tremerem. — Caiu em cima da gente com se fosse um peso enorme, entende? Ficou tudo preto. — O estivador começou a tremer convulsivamente. Ouvi as risadas do meu filho Trinit. Ele é um menino inteligente. Aposto que achou que a Escuridão era uma coisa suja. De modo que ria, ria, e eu lhe disse para parar. Uma das minhas filhas ficou com medo, e eu disse a ela que estava tudo bem, que não havia nenhum perigo, que a luz ia voltar em quinze minutos e ela devia pensar naquilo como um brinquedo e não como uma coisa assustadora. Mais aí… aí…

Calou-se novamente. Desta vez, Sheerin não disse nada.

— Aí eu comecei a me sentir mal. Era tudo Escuridão … Escuridão… não pode imaginar como é… não pode imaginar … como é preta… como é preta… a Escuridão… a Escuridão … Harrim começou a soluçar, de repente. — A Escuridão… meu Deus, a Escuridão…

— Calma, homem. Já passou. Olhe pela janela! Hoje temos quatro sóis no céu, Harrim. Calma!

— Deixe comigo — disse Kelaritan. Ele havia se aproximado da cama no momento em que os soluços começaram. Estava com uma agulha de injeção. Espetou-a no braço musculoso de Harrim, e o estivador se acalmou de imediato. Recostou-se no travesseiro, com um sorriso estúpido no rosto.

— Agora temos que ir — disse Kelaritan.

— Mas eu mal comecei a…

— Não vai conseguir que ele diga mais nada coerente. É melhor irmos almoçar.

— Está bem — concordou Sheerin, de má vontade. Para sua surpresa, não estava com fome. Ele mal podia recordar de um dia que tivesse se sentido assim.

— E ele é um dos que estão em melhor estado?

— É verdade.

— Então, como estão os outros?

— Alguns ficaram totalmente catatônicos. Outros precisam ser mantidos a maior parte do tempo sob efeito de sedativos. Na primeira fase, como eu disse, eles têm medo de lugares fechados. Quando saíram do Túnel, não havia nada de errado com eles, exceto o fato de sofrerem de uma forma particularmente grave de claustrofobia. Recusavam-se a entrar em recintos fechados: palácios, mansões, casas, apartamentos, barracos e tendas.

Sheerin estava profundamente chocado. Sua tese de doutorado fora a respeito de doenças causadas pela escuridão. Era por isto que estava ali. Entretanto, nunca tinha ouvido falar de nada parecido.

— Eles se recusavam a entrar em recintos fechados? Onde dormiam?

— Ao ar livre.

— Alguém tentou forçá-los?

— Oh, sim, claro que sim. Acontece que ficavam violentamente histéricos. Alguns chegaram a tentar o suicídio, batendo com a cabeça nas paredes, coisas assim. Era impossível mantê-los em um recinto fechado, a não ser com uma camisa de força ou uma dose maciça de sedativo.

Sheerin olhou para o corpulento estivador, que agora dormia placidamente, e sacudiu a cabeça.

— Pobres-diabos.

— Essa é a primeira fase. Harrim agora está na segunda. A fase claustrofilica. Acostumou-se a ficar aqui, e a síndrome se inverteu por completo. Ele sabe que está seguro no hospitaclass="underline" as luzes ficam acesas o tempo todo. Mas embora possa ver os sóis pela janela, tem medo de sair. Acha que lá fora está escuro.

— Isto é absurdo! — protestou Sheerin . — Nunca está escuro lá fora!

No momento em que disse isto, sentiu-se um tolo. Kelaritan, porém, não pareceu notar.

— Todos nós sabemos disso, Dr. Sheerin. Qualquer pessoa em seu juízo perfeito sabe disso. O problema com as pessoas que sofreram o trauma do Túnel do Mistério é que elas não estão mais em seu juízo perfeito.

— Compreendo — disse Sheerin, um pouco envergonhado.

— Mais tarde, terá oportunidade de conversar com outros pacientes — disse Kelaritan. — Talvez eles lhe permitam enxergar o problema de outro ângulo. Amanhã, vamos levá-lo para conhecer o Túnel. Naturalmente, tivemos que fechá-lo depois que as dificuldades começaram, mas as autoridades estão ansiosas para reabri-lo. O investimento, pelo que ouvi dizer, foi muito grande. Mas agora acho que está na hora de almoçarmos, não é, doutor?

— Está bem, vamos almoçar — concordou Sheerin novamente, ainda com menos entusiasmo do que da primeira vez.

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