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A Escuridão… a Escuridão…

E agora, pensou Sheerin, preocupado, chegou a minha vez de dar um passeio no Túnel do Mistério. Claro que podia simplesmente se recusar a entrar no Túnel. Não havia nada no contrato de consultoria que assinara com o município de Jonglor que o obrigasse a pôr em risco sua sanidade mental. Poderia preparar um relatório perfeitamente aceitável sem necessidade de arriscar o pescoço.

Algo, porém, dentro dele, se rebelava contra esta manifestação de prudência. O orgulho profissional, entre outras coisas, o empurrava na direção do Túnel. Estava ali para estudar o fenômeno de histeria coletiva e ajudar as autoridades a descobrirem formas não só de curar as vítimas, mas de evitar que a tragédia se repetisse.

Como podia pretender explicar o que acontecera com as vítimas do Túnel sem fazer um estudo acurado das causas de suas perturbações? Ele tinha que ir. Recuar agora seria uma negligência criminosa. Também não queria que ninguém, nem mesmo aqueles estranhos ali em Jonglor, tivesse razões para acusá-lo de covardia. Lembrou-se das palavras cruéis dos colegas de infância: “O Bola é covarde! O Bola é covarde!” Tudo porque se recusara a trepar em uma árvore que estava obviamente acima da capacidade do seu corpo pesado e sem nenhuma agilidade.

Entretanto, o Bola não era nada covarde. Sheerin tinha certeza disto. Estava satisfeito consigo mesmo. Era um homem sensato, equilibrado. Apenas não queria que outras pessoas tirassem conclusões errôneas a respeito dele simplesmente por causa de sua aparência pouco heroica.

Além do mais, menos de uma pessoa em cada dez das que haviam entrado no Túnel do Mistério sofrera qualquer tipo de perturbação emocional. As pessoas afetadas deviam ser vulneráveis de alguma forma. E já que era uma pessoa equilibrada, Sheerin disse para si mesmo, não tinha nada a temer. Nada…

A… Temer… Repetiu essas palavras até se sentir mais calmo.

Mesmo assim, Sheerin não estava exatamente exultante quando desceu para esperar o carro do hospital.

Kelaritan estava no carro, juntamente com Cubello e uma mulher muito atraente chamada Varitta 312, que lhe foi apresentada como uma das pessoas que haviam projetado o Túnel. Sheerin cumprimentou a todos com vigorosos apertos de mão e um largo sorriso que esperava parecer convincente.

— Lindo dia para um passeio ao parque de diversões — disse, procurando parecer jovial.

Kelaritan olhou para ele, desconfiado.

— Ainda bem que pensa assim. Dormiu bem, Dr. Sheerin?

— Muito bem, obrigado. Pelo menos, tão bem quanto seria de se esperar, depois de ver aqueles infelizes ontem.

— Então o senhor não está otimista quanto à recuperação deles? — quis saber Cubello.

— Gostaria de estar — disse Sheerin, enigmático.

O carro descia a rua em marcha regular.

— Vamos levar uns vinte minutos para chegar ao local da Exposição do Centenário — explicou Kelaritan. — A Exposição em si deve estar repleta, como acontece todo dia, mas mandamos isolar uma boa parte do parque de diversões para não sermos perturbados. Como sabe, o Túnel do Mistério foi fechado quando o problema se agravou.

— Quer dizer depois que ocorreram as mortes?

— É claro que depois disto não podíamos manter o brinquedo funcionando — disse Cubello. — Mesmo antes, porém, já estávamos pensando em fechá-lo. Acontece que ainda não sabíamos se as pessoas que pareciam ter sido afetadas pelo passeio no Túnel estavam de fato sofrendo algum tipo de dano ou eram simplesmente vítimas de sugestão.

— É claro — disse Sheerin, secamente. — O Conselho da Cidade não fecharia um brinquedo tão lucrativo a não ser por uma razão realmente muito forte, como o fato de estar matando as pessoas de medo.

De repente, a atmosfera no interior do carro ficou gelada. Depois de algum tempo, Kelaritan quebrou o silêncio:

— O Túnel não era apenas um brinquedo lucrativo, mas uma atração que nenhum dos frequentadores da Exposição queria perder, Dr. Sheerin. Nos primeiros dias, as filas eram quilométricas.

— Mesmo depois que se tomou público que algumas pessoas que passavam pelo Túnel, como Harrim e a família, saíam de lá com perturbações mentais?

— Especialmente depois, doutor — disse Cubello.

— O quê?

— Desculpe-me se parece que estou tentando lhe explicar uma coisa que e da sua especialidade — disse o advogado, em tom melífluo -, mas eu gostaria de lembrar ao senhor que as pessoas gostam de ser assustadas, quando sabem que é de brincadeira. Uma criança nasce com três medos instintivos: de ruídos súbitos, de cair e da ausência de luz. É por isso que é considerado engraçado pular em cima de alguém e gritar “Bu!” É por isso que é divertido andar de montanha-russa. E é por isso que o Túnel do Mistério foi um sucesso. As pessoas saíam da Escuridão de pernas bambas, ofegantes, meio mortas de medo, mas tinham vontade de repetir… O fato de que umas poucas pessoas saíam do brinquedo em estado de choque serviu apenas para torná-lo ainda mais popular.

— Porque a maioria das pessoas achava que elas seriam fortes o bastante para agüentar sem problemas o que havia causado mal àqueles pobres infelizes, não é isso?

— Exatamente, doutor.

— E quando as pessoas começaram a sair, não apenas perturbadas, mas literalmente mortas de susto? Mesmo que os administradores da Exposição hesitassem em fechar o brinquedo, seria natural que os fregueses em potencial começassem a escassear, uma vez que a notícia das mortes se espalhasse.

— Pelo contrário — declarou Cubello, com um sorriso triunfante. — O mesmo mecanismo psicológico continuou em ação, só que ainda mais forte. Afinal de contas, se as pessoas de coração fraco queriam andar no brinquedo, era por sua conta e risco. O Conselho da Cidade discutiu o assunto longamente e decidiu colocar um médico na entrada e submeter todos os frequentadores a um exame médico antes de entrarem no Túnel. Depois disso, as filas aumentaram mais ainda.

— Nesse caso, por que o Túnel não continua aberto até hoje? — perguntou Sheerin. — Pelo que me contou, era de se esperar que os negócios estivessem indo de vento em popa, com as filas se estendendo de Jonglor até Khunabar. Um fluxo constante de fregueses entrando por um lado e um fluxo constante de cadáveres sendo retirado do outro.

— Dr. Sheerin!

— Falando sério: por que o Túnel foi fechado, já que nem as mortes assustaram a população?

— Havia o problema das indenizações — explicou Cubello.

— Ah! É claro!

— Na verdade, as mortes não foram muitas: três, penso eu, ou talvez cinco. As famílias dos falecidos receberam uma certa quantia em dinheiro, e os casos foram encerrados. O que se tornou um problema para nós não foram as mortes, mas os casos de distúrbios traumáticos. Começou a ficar evidente que alguns teriam que ser hospitalizados por períodos prolongados, o que representaria uma despesa permanente para o município.

— Compreendo — concordou Sheerin, de cara feia. Se eles simplesmente caem duros, é uma despesa fixa. Basta comprar os parentes e está tudo resolvido. Mas se ficam penando anos e anos em um hospital ou manicômio públicos, o custo pode se tornar proibitivo.

— Eu não diria isso com estas palavras — afirmou Cubello -, mas o senhor tem razão. Foi esse tipo de cálculo que o Conselho da Cidade se viu forçado a fazer.

— O Dr. Sheerin parece um pouco amargo esta manhã — disse Kelaritan para o advogado. — Talvez esteja com medo de entrar no Túnel.

— Não estou, não! — protestou Sheerin.

— Na verdade, não precisa inspecionar pessoalmente…

— Preciso, sim — declarou Sheerin, com firmeza.

Todos ficaram em silêncio no interior do carro. Sheerin olhou para a paisagem que desfilava do lado de fora, para as árvores estranhas, de casca escamosa, para os arbustos com flores de cores vivas e metálicas, para as casas altas e estreitas, com telhados pontudos. Poucas vezes estivera tão ao norte do equador. Havia alguma coisa de muito desagradável naquela província… e também naquele grupo de pessoas cínicas e fingidas. Seria um alívio quando pudesse voltar para Saro. Antes, porém… o Túnel do Mistério…