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Perrin sorriu. Canto de campainha-azul. Um pássaro das Terras da Fronteira. Ninguém trilhava aquele caminho sem ser visto. Ele esfregou o nariz, sem olhar para a árvore de onde o primeiro “pássaro” chamara.

O caminho se estreitava enquanto o grupo avançava em meio a folhas-de-couro raquíticas e alguns poucos carvalhos retorcidos. O terreno plano ao lado do córrego reduziu-se a ponto de só permitir a passagem de um homem a cavalo por vez, e o próprio córrego já comportava apenas a travessia de um homem alto.

Perrin ouviu Leya falando sozinha atrás de si. Quando olhou por cima do ombro, viu-a lançando olhares preocupados para as escarpas dos dois lados da montanha. Árvores esparsas elevavam-se perigosamente acima deles. Parecia impossível não caírem. Os shienaranos avançavam com facilidade, enfim começando a relaxar.

De súbito, uma depressão oval abriu-se entre as montanhas diante deles, com as laterais íngremes, mas não tanto quanto a passagem estreita. O córrego nascia de uma pequena fonte no lado oposto. O olhar aguçado de Perrin avistou um homem com um rabo de cavalo shienarano no alto dos galhos de um carvalho à esquerda. Se tivesse imitado o canto de uma gralha-de-asa-vermelha, em vez de um campainha-azul, não estaria sozinho, e a entrada do grupo não teria sido tão fácil. Alguns poucos homens poderiam proteger aquela passagem contra um exército. Se um exército viesse, alguns poucos teriam que ser suficientes.

Por entre as árvores que circundavam o vale espalhavam-se cabanas não visíveis à primeira vista, de forma que o grupo reunido em torno das fogueiras na base da depressão oval parecia estar desprotegido. Havia menos pessoas à vista do que cabanas. E outras poucas escondidas, Perrin sabia. A maioria virou-se ao ouvir o som de cavalos, e algumas acenaram. O vale cheirava a homens e cavalos, a comida cozida e madeira queimada. Um grande estandarte branco pendia frouxamente de um poste alto próximo a eles. Um vulto com no mínimo a metade da altura a mais que todos os outros, sentado em um tronco, lia, absorto, um livro que parecia pequeno nas mãos gigantescas. Ele não desviou a atenção da leitura, nem mesmo quando a única pessoa que não tinha um rabo de cavalo gritou.

— Você a encontrou, foi? Pensei que passaria a noite fora dessa vez. — Era uma voz feminina, mas a mulher usava calças e casaco masculinos e tinha o cabelo bem curto.

Uma rajada de vento remoinhou para dentro do vale, agitando mantos e balançando o estandarte. Por um instante, a criatura representada pareceu cavalgar o vento. Uma serpente de quatro patas com escamas douradas e escarlates, a juba dourada como a de um leão e cinco garras douradas nas pontas de cada uma das patas. Um estandarte lendário. Um estandarte que a maioria dos homens não reconheceria se visse, mas cujo nome era temido.

Perrin acenou com uma das mãos, conduzindo todos para o interior do vale.

— Bem-vinda ao acampamento do Dragão Renascido, Leya.

2

Saidin

Com o rosto sem expressão, a mulher Tuatha’an olhou para o estandarte, que parou de balançar, depois voltou a atenção às pessoas em volta da fogueira. Em especial à criatura que lia, o sujeito que tinha uma vez e meia a altura de Perrin e o dobro da largura.

— Tem um Ogier aqui. Eu nunca pensei… — Ela sacudiu a cabeça. — Onde está Moiraine Sedai? — Falava como se o estandarte do Dragão nem estivesse ali.

Perrin apontou para a cabana tosca na subida da encosta, no extremo oposto do vale. Com as paredes e o teto inclinado feitos de troncos brutos, era a maior delas, embora não fosse muito grande. Talvez apenas grande o bastante para ser chamada de choupana, em vez de cabana.

— É ali que ela fica. Ela e Lan, seu Guardião. Depois que você beber algo para se esquentar…

— Não. Preciso falar com Moiraine.

Ele não se surpreendeu. Todas as mulheres que chegavam insistiam em falar com Moiraine imediatamente, e a sós. As informações que a Aes Sedai escolhia compartilhar com o restante do grupo nem sempre pareciam tão importantes, mas as mulheres eram como um caçador que persegue o último coelho do mundo para a família faminta. A velha pedinte, quase congelada, recusara cobertores e um prato de cozido quente e fora se arrastando até a cabana de Moiraine, de pés descalços na neve que ainda caía.

Leya deslizou para fora da sela e entregou as rédeas a Perrin.

— Pode alimentá-la? — A mulher afagou o nariz da égua malhada. — Piesa não está acostumada a me conduzir por terrenos tão severos.

— A comida ainda está escassa — respondeu Perrin —, mas daremos a ela o que pudermos.

Leya assentiu e saiu correndo encosta acima sem dizer outra palavra, suspendendo as saias verde vivo, com o manto vermelho de bordados azuis esvoaçando atrás de si.

Perrin desceu da sela e trocou algumas palavras com os homens que chegaram para levar os cavalos. Entregou o arco ao que levou Galope. Não, além de um corvo, não tinham visto nada que não montanhas e a mulher Tuatha’an. Sim, haviam matado o corvo. Não, ela não contara nada do que estava ocorrendo fora das montanhas. Não, ele não fazia ideia se iriam embora logo.

Ou algum dia, acrescentou para si mesmo. Moiraine os fizera ficar ali o inverno inteiro. Os shienaranos não achavam que era ela quem mandava, não ali, mas Perrin sabia que Aes Sedai de um jeito ou de outro sempre acabavam conseguindo o que queriam. Ainda mais Moiraine.

Depois de acomodar os cavalos no estábulo tosco feito de troncos, os cavaleiros foram se aquecer. Perrin jogou o manto nas costas e aproximou as mãos do fogo, agradecido. O grande caldeirão, que, pelo estilo, devia ter sido feito em Baerlon, emanava aromas que lhe davam água na boca havia algum tempo. Parecia que alguém tivera sorte na caça de hoje. Raízes grumosas giravam em outra fogueira próxima, exalando um cheiro suave de nabo assado. Ele franziu o nariz e concentrou-se no cozido. Cada vez mais, acima de tudo, queria carne.

A mulher vestida de homem olhava para Leya, já quase desaparecendo para dentro da cabana de Moiraine.

— O que está vendo, Min? — perguntou Perrin.

Ela aproximou-se dele, os olhos escuros aflitos. Ele não entendia por que a moça insistia em usar calças em vez de saias. Talvez fosse porque a conhecia, mas não entendia como alguém poderia olhar para ela e ver um jovem de boa aparência em vez de uma bela mulher.

— A latoeira vai morrer — respondeu, baixinho, observando os outros perto das fogueiras. Ninguém estava perto o suficiente para ouvir.

Ele ficou paralisado, pensando no rosto amável de Leya. Ah, Luz! Latoeiros não fazem mal a ninguém! Sentiu frio, apesar do calor do fogo. Que me queime, preferia não ter perguntado. Mesmo as poucas Aes Sedai que sabiam das visões não compreendiam o que Min fazia. Era comum que ela visse imagens e auras ao redor das pessoas, e em algumas vezes sabia até interpretar seu significado.

Masuto veio mexer o cozido com uma grande colher de pau. O shienarano olhou para eles, depois pôs o dedo ao lado do nariz comprido, deu um largo sorriso e saiu.

— Sangue e cinzas! — murmurou Min. — Ele deve ter deduzido que somos namorados trocando cochichos ao pé do fogo.

— Tem certeza? — perguntou Perrin. Ela ergueu as sobrancelhas para ele, que acrescentou depressa: — Sobre Leya.

— É esse o nome dela? Preferia não saber. Sempre torna as coisas piores, saber e não ser capaz de… Perrin, eu vi o rosto dela pairando por cima do ombro, banhado em sangue, os olhos vidrados. Nada pode ser mais claro que isso. — Ela estremeceu e esfregou as mãos com força. — Luz, queria ver mais coisas felizes. Parece que não acontecem mais.

Ele abriu a boca para sugerir que avisassem a Leya, mas fechou-a em seguida. Jamais houvera dúvidas a respeito do que Min via e sabia, para o bem ou para o mal. Se ela tinha certeza, acontecia.