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— O quê?

— Sinto muito. Não sei por que, mas a idéia de morte certa, em terras desconhecidas, sob a garra de monstros exóticos, não me agrada. Já tentei e não me adaptei. Cada um na sua, é o que dizem, e eu nasci para o tédio.

Enfiou o chapéu na cabeça e levantou-se, vacilante. Havia chegado ao pé da escada que conduzia à rua quando uma voz logo atrás dele se fez ouvir:

— Um mago de verdade teria aceitado.

Ele poderia ter seguido adiante. Poderia ter subido a escada, alcançado a rua, comprado uma pizza no restaurante klatchiano de Beco dos Golpes e ido dormir. A história teria sido totalmente diferente — na verdade, bem mais curta —, e ele teria aproveitado uma boa noite de sono, embora no chão.

O Futuro prendeu a respiração, esperando que Rincewind se fosse.

Ele não se foi por três motivos. O primeiro era o álcool. O segundo era a minúscula chama de orgulho que flameja mesmo no coração do maior dos covardes. E o terceiro era a voz. Era linda. Parecia aveludada.

O assunto “magos e sexo” é complicado. Mas como já foi sugerido, em essência, resume-se ao seguinte: quando se trata de vinho, mulher e música, os magos podem beber e dançar à vontade.

O motivo apresentado aos magos jovens era que a prática da magia era difícil, absorvente e incompatível com atividades complicadas e secretas. Muito mais sensato, advertiam-lhes, seria que parassem de se preocupar com aquele tipo de coisa e realmente dominassem a Cartilha Oculta de Woddeley, por exemplo.

Por estranho que pareça, a justificativa não parecia satisfizê-los, e os magos jovens desconfiavam de que o verdadeiro motivo residia no fato de que as regras eram feitas por magos velhos. Com memória fraca. Os alunos estavam enganados, embora a verdadeira razão tivesse, havia muito tempo, sido esquecida: se os magos pudessem sair por aí procriando, haveria risco de fonticeria.

Evidentemente, Rincewind sabia um pouco das coisas e havia levado seu aprendizado a tal ponto que conseguia passar várias horas seguidas em companhia de uma mulher sem precisar sair para tomar uma chuveirada e se deitar. Mas aquela voz faria até estátua descer do pedestal para correr em volta do campo e executar flexões. Era uma voz que poderia fazer “bom dia” parecer convite para a cama.

A desconhecida tirou o capuz e sacudiu a cabeleira. Os fios eram louros, quase brancos. Como a pele estava bronzeada, o efeito geral era calculado para atingir a libido masculina feito chumbo grosso.

Rincewind hesitou e perdeu uma excelente oportunidade de ficar na sua. Do alto da escada, veio a voz grossa do trolclass="underline"

— Ei, eu dixe que voxê não podia entrar…

Ela deu um salto para a frente e botou a caixa redonda de couro nos braços de Rincewind.

— Rápido, você tem de vir comigo — disse. — Está correndo grande perigo!

— Por quê?

— Porque, se não vier, vou matá-lo.

— Tudo bem, mas, espere um instante, nesse caso… — protestou Rincewind, sem forças.

Três membros da guarda pessoal do Patrício apareceram no alto da escada. O líder abriu um sorriso. O sorriso sugeria que ele pretendia ser o único a se divertir com a piada.

— Ninguém se mexa — ordenou.

Rincewind ouviu o barulho de outros guardas surgindo na porta dos fundos. Os outros fregueses da Tambor se detiveram empunhando armas variadas. Aqueles não eram os vigilantes municipais, sempre precavidos e jovialmente corruptos. Aquilo eram toras ambulantes de puro músculo, que não se deixavam subornar, mesmo porque o Patrício podia pagar mais que qualquer pessoa. Fosse como fosse, eles não pareciam estar à procura de ninguém, além da mulher. O resto da clientela relaxou e preparou-se para assistir ao espetáculo. Eventualmente, talvez decidissem participar, uma vez que era óbvio o lado vencedor.

Rincewind sentiu a pressão aumentar em torno do pulso.

— Você está doida? — sussurrou. — Isso é desafiar o Homem!

Ouviu-se um zunido e, no ombro do sargento, de repente brotou um cabo de faca. A garota deu meia volta e, com precisão cirúrgica, acertou o pezinho entre as pernas do primeiro guarda à porta. Vinte pares de olhos lacrimejaram por compaixão.

Rincewind segurou o chapéu e tentou mergulhar debaixo da mesa mais próxima, mas a mão que o agarrava era de aço. O segundo guarda a se aproximar levou uma facada na coxa. Depois, a garota sacou uma espada comprida feito agulha e ergueu-a ameaçadoramente.

— Mais alguém? — perguntou.

Um dos guardas suspendeu uma balista. O bibliotecário, que estava sentado, debruçado sobre sua bebida, estendeu um braço que parecia dois cabos de vassoura amarrados com elástico e deu-lhe um tapa. O dardo ricocheteou na estrela do chapéu de Rincewind e acertou a parede, ao lado de um respeitado alcoviteiro, sentado a duas mesas dali. O guarda-costas dele lançou outra faca, que quase atingiu um ladrão do outro lado do bar, que ergueu uma cadeira e acertou dois guardas, que espancaram quem estava mais perto deles, bebendo. Depois disso, uma coisa meio que levou a outra, e logo todos lutavam para tentar algo — ou fugir, ou revidar.

Rincewind se viu arrastado para trás do balcão. O proprietário estava ali debaixo, sentado nos sacos de dinheiro, com dois facões cruzados sobre os joelhos, aproveitando um drinque tranqüilo. De vez em quando, o barulho de móveis se quebrando o fazia encolher.

A última coisa que Rincewind viu antes de ser arrastado dali foi o bibliotecário. Apesar de parecer um saco peludo cheio de água, o orangotango tinha o peso e o tino de qualquer homem do bar e estava, agora, sentado nos ombros de um guarda, tentando, com relativo sucesso, desparafusar sua cabeça.

Mais preocupante para Rincewind era o fato de ele estar sendo levado para o andar de cima.

— Minha cara senhorita — disse, em desespero. — O que você pretende?

— Existe uma passagem para o telhado?

— Existe. O que há nessa caixa?

— Psiu!

Ela se deteve numa curva do sujo corredor, vasculhou a pochette e espalhou um punhado de pequenos objetos de metal pelo chão. Cada qual consistia em quatro pregos soldados, de maneira que não importava o modo como as peças caíam: um deles sempre apontava para cima.

A garota analisou o vão de porta mais próximo.

— Você não teria um metro de corda aí? — perguntou, esperançosa.

Ela havia sacado outra faca e estava brincando com ela.

— Acho que não — respondeu Rincewind, com voz sumida.

— Que pena! A minha acabou. Tudo bem, vamos lá.

— Por quê? Eu não fiz nada!

Ela se dirigiu à janela mais próxima, abriu as persianas e parou com uma perna sobre o peitoril.

— Tudo bem — falou. — Fique aí e explique aos guardas.

— Por que estão seguindo você?

— Não sei.

— Ah, qual é! Deve haver um motivo!

— Ah, são vários motivos. Só não sei por qual deles. Você vem?

Rincewind hesitou. A guarda pessoal do Patrício não era conhecida por oferecer um policiamento comunitário solidário, preferindo sair cortando pedaços. Entre as coisas das quais os guardas não gostavam, estavam, bem, basicamente pessoas que se encontravam no mesmo universo. Era provável que fugir deles fosse crime capital.

— Acho que vou com você — disse Rincewind, galante. — Mulher sozinha pode acabar em apuros nessa cidade.

Uma neblina gelada enchia as ruas de Ankh-Morpork. Os letreiros luminosos dos vendedores de rua produziam pequenos halos amarelados na névoa densa. Da esquina, a menina espiou o movimento.

— Nós os despistamos — informou. — Pare de tremer. Você está seguro agora.

— O quê?! Agora que estou sozinho com uma maníaca assassina? — disse Rincewind. — Ótimo.

Ela se acalmou e riu dele.

— Estive observando você — comentou. — Uma hora atrás, estava com medo de que o futuro pudesse ser monótono e desinteressante.