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— Já está na estrada há muito tempo — avaliou, baixinho. — Perdeu a noção do tempo? Sei como é. Estamos no ano da hiena.

— Ah. Nesse caso, faz… — os lábios de Nijel moveram-se em silêncio — uns três dias. Olhe — apressou-se em acrescentar. — Como é que se pode matar assim, sem nem pensar a respeito?

— Não sei — respondeu Rincewind, num tom de voz que sugeria que ele estava pensando a respeito.

— Quer dizer, até quando o vizir mandou me jogarem na cova das serpentes, parecia ao menos interessado naquilo.

— Que bom. Todo mundo deveria ter interesse em alguma coisa.

— Ele chegou a rir!

— Ah. Senso de humor também.

Rincewind sentiu que podia ver o futuro com a mesma clareza que o homem caindo de um despenhadeiro vê o chão, e pelo mesmo motivo. Então, quando Nijel disse:

— Eles simplesmente apontaram o dedo, sem ao menos…

Rincewind rebateu:

— Cale a boca. Como acha que me sinto? Também sou mago!

— E, então você vai ficar bem — murmurou Nijel.

Não foi um soco forte, porque, mesmo com raiva, Rincewind tinha músculos que pareciam tapioca, mas o golpe acertou a lateral da cabeça de Nijel e derrubou-o, mais pelo peso da surpresa do que pela força intrínseca.

— E, sou mago — sussurrou Rincewind. — Um mago que não é bom em magia! Consegui sobreviver até aqui procurando não ser importante o bastante para morrer! E, quando todos os magos são temidos e odiados, quanto tempo acha que vou durar?

— Que besteira!

Rincewind não teria ficado mais surpreso se Nijel tivesse batido nele.

— O quê?

— Bocó! É só parar de usar esse manto ridículo e se livrar desse chapéu idiota, e ninguém vai saber que você é mago!

Rincewind abriu e fechou a boca algumas vezes, dando a impressão bem real de um peixe dourado que viesse tentando entender o conceito de sapateado.

— Parar de usar o manto? — perguntou ele.

— Claro. Essas lantejoulas espalhafatosas são uma tremenda bandeira — justificou Nijel, levantando-se com dificuldade.

— E me livrar do chapéu?

— Você tem de admitir que sair por aí com “Maggo” escrito no chapéu é um pouco demais.

Rincewind abriu um sorriso preocupado.

— Desculpe — pediu. — Não estou entendendo…

— Livre-se deles. E fácil. Largue em qualquer lugar e você poderá ser… bem, o que for. Alguma coisa que não seja mago.

Houve uma pausa, interrompida apenas pelos ruídos distantes de briga.

— Hã… — soltou Rincewind, e sacudiu a cabeça. — Eu me perdi…

— Minha nossa, é muito simples de entender!

— Acho que não pesquei o sentido… — segredou Rincewind, com o rosto banhado em suor.

— Você pode simplesmente deixar de ser mago.

Os lábios de Rincewind mexeram-se em silêncio, enquanto ele repetia cada palavra isoladamente, e depois em conjunto.

— O quê? — perguntou, e então disse: — Ah!

— Entendeu? Quer tentar mais uma vez?

Rincewind sacudiu a cabeça, em desalento.

— Acho que você não entende. Mago não é o que se faz, é o que se é. Se eu não fosse mago, não seria nada.

Ele tirou o chapéu e brincou com a estrela frouxa na ponta, fazendo com que mais algumas lantejoulas se desprendessem.

— Quer dizer, tem “mago” escrito no meu chapéu — continuou. — É muito importante…

Parou e olhou o objeto.

— Chapéu — repetiu vagamente, dando-se conta de uma lembrança insistente que tentava pular a janela de sua memória.

— E um bom chapéu — observou Nijel, sentindo que se esperava algo dele.

— Chapéu — repetiu Rincewind mais uma vez, e então acrescentou: — O chapéu!'Temos de achar o chapéu!

— Está aí! — apontou Nijel.

— Não esse, o outro. E Conina!

Deu uns passos perdidos na rua e voltou.

— Onde acha que estão? — perguntou.

— Quem?

— Tem um chapéu mágico que preciso encontrar. E uma garota.

— Por quê?

— E difícil explicar. Mas, a certa altura, envolve gritos.

Nijel não tinha muito queixo, mas projetou-o para a frente.

— Uma garota precisa ser salva? — perguntou, sombrio.

Rincewind hesitou.

— É provável que alguém precise ser salvo — disse. — Talvez ela. Ou, pelo menos, alguém próximo a ela.

— Por que não disse logo? E por isso que venho esperando. Heroísmo é isso. Vamos!

Ouviu-se outro estrondo e o som de pessoas gritando.

— Aonde? — perguntou Rincewind.

— A qualquer lugar!

Em geral, os heróis têm a capacidade de correr alucinadamente por palácios que mal conhecem, salvar todo mundo e escapar bem a tempo de o edifício explodir ou afundar no pântano. Nijel e Rincewind visitaram a cozinha, salas variadas, o estábulo (duas vezes) e o que pareceu a Rincewind serem quilômetros de corredor. De vez em quando, grupos de guardas vestidos de preto passavam correndo, sem lhes dar atenção.

— Isso é ridículo — objetou Nijel. — Por que não perguntamos a alguém? Você está bem?

Arfante, Rincewind encostou-se numa pilastra enfeitada com esculturas constrangedoras.

— Você poderia torturar um guarda para arrancar as informações dele — sugeriu, arquejando.

Nijel encarou-o.

— Espere aqui — disse, e saiu andando até se deparar com um empregado que saqueava um armário.

— Com licença — pediu. — Onde fica o harém?

— Terceira porta à esquerda — respondeu o homem, sem olhar para trás.

— Certo.

Voltou e contou a Rincewind.

— Tudo bem, mas você o torturou?

— Não.

— Então, não foi muito bárbaro da sua parte.

— Estou chegando lá-garantiu Nijel. — Pelo menos não falei “obrigado”.

Trinta segundos depois, eles abriam uma pesada cortina de contas e entravam no harém do xerinfe de Al Khali.

Havia lindas aves canoras em gaiolas filigranadas de ouro. Havia chafarizes. Havia vasos de orquídeas raras, por entre as quais beija-flores deslizavam como pequenas pedras preciosas. Havia cerca de vinte moças vestidas com roupa suficiente para, digamos, meia dúzia, amontoadas em silêncio.

Rincewind não soube apreciar nada disso. Não que a visão de vários metros de coxas e quadris de todas as cores, variando do branco rosado ao negro retinto, não levantasse a maré no golfo de sua libido, mas ela foi engolida pela cheia consideravelmente maior do pânico à chegada de quatro guardas com cimitarras nas mãos e brilho assassino nos olhos.

Sem hesitar, Rincewind recuou.

— Amigo, são todos seus — disse.

— Certo!

Nijel sacou a espada e ergueu-a a frente, com os braços trêmulos pelo esforço. Houve alguns segundos de silêncio absoluto, enquanto todos aguardavam para ver o que aconteceria em seguida. Nijel soltou, então, o grito de guerra do qual, para o resto da vida, Rincewind se lembraria.

— Hã… — disse o rapaz. — Desculpe…

— Parece uma pena — comentou um mago baixote.

Os outros não responderam. Era uma pena, e não havia ninguém ali que não ouvisse as lamúrias violentas da culpa lhe cortando a espinha. Mas, como sempre acontece, por uma estranha alquimia da alma, a culpa nos deixa arrogantes e indiferentes.

— Cale a boca — ordenou o líder temporário. Chamava-se Benado Aversal, mas, nessa noite, há qualquer coisa no ar que sugere não valer a pena gravar o nome. O ar se encontra pesado, escuro e cheio de fantasmas.

A Universidade Invisível não está vazia, apenas não tem ninguém ali.

Evidentemente, os seis magos enviados para queimar a biblioteca não têm medo de fantasma, porque se acham tão carregados de magia que quase zumbem ao caminhar. Vestem mantos mais esplêndidos do que os usados por qualquer arqui-reitor, os chapéus são mais pontudos do que qualquer outro até então, e o motivo de se encontrarem tão próximos uns dos outros é pura coincidência.