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— Seu cabelo — entoou o xerinfe, voltando a sentar — é como, como um rebanho de cabras a subir a encosta do Monte Gebra.

— Escute aqui…

— Seus seios são como, como… — o xerinfe balançou um pouco para o lado e deu uma olhadela pesarosa na garrafa vazia — são como os melões adornados de jóias do jardim encantado do alvorecer.

Conina arregalou os olhos.

— São? — alarmou-se.

— Não — respondeu o xerinfe. — Duvido. Conheço melões adornados de jóias. Como cavalos brancos à beira do rio são suas coxas, que…

— Hã, com licença… — interveio Nijel, pigarreando propositadamente.

Creosoto voltou-se para ele.

— Hummm? — perguntou.

— Onde eu nasci — resmungou Nijel —, não se fala assim com mulher.

Conina suspirou quando ele avançou para a sua frente, protegendo-a. Era verdade, refletiu a garota.

— Aliás… — prosseguiu ele, erguendo o queixo o máximo possível, o que, ainda assim, só fazia com que se assemelhasse a uma covinha —, estou…

— Aberto ao debate — cortou Rincewind, dando um passo à frente. — Hã, precisamos sair daqui. O senhor não saberia o caminho?

— É que tem milhares de cômodos — respondeu o xerinfe. — E não saio há anos — deu um soluço. — Décadas. Uma eternidade. Aliás, nunca saí — os olhos se vidraram, no ato da criação poética.

— O animal do Tempo tem um breve caminho para andar e, veja, o animal fica de pé.

— Se bobear, são múnus — murmurou Rincewind.

Creosoto voltou-se para ele.

— Abrim cuida de tudo. Uma trabalheira danada.

— No momento, não está fazendo um bom serviço — advertiu Rincewind.

— A gente meio que gostaria de ir embora — resumiu Conina, ainda remoendo a frase sobre as cabras.

— E eu tenho o meu múnus — disse Nijel, olhando para Rincewind.

Creosoto deu-lhe tapinhas no braço.

— Muito bem — animou-se. — Todo mundo deveria ter um bicho de estimação.

— O senhor sabe se existe algum estábulo, ou coisa assim? — indagou Rincewind.

— Centenas — afirmou Creosoto. — Tenho os maiores… os cavalos mais velozes do mundo — ele franziu a testa. — Pelo menos é o que me dizem.

— Mas o senhor sabe onde ficam?

— Não sei — admitiu o xerinfe.

Um jato de magia aleatória transformou o muro próximo num merengue de arsênio.

— Acho que estaríamos mais seguros na cova das serpentes — considerou Rincewind, virando-se.

Creosoto deu outra olhada triste na garrafa de vinho vazia.

— Sei onde tem um tapete mágico — anunciou.

— Não — protestou Rincewind, erguendo as mãos. — De jeito nenhum. Nem pense…

— Era do meu avô…

— Um tapete mágico de verdade? — admirou-se Nijel.

— Escute aqui — apressou-se em dizer Rincewind. — Tenho vertigem só de ouvir falar nisso.

— Ah, de verdade — confirmou o xerinfe, soluçando. — Um desenho lindo. — Ele olhou mais uma vez para a garrafa e suspirou:

— Era de um azul belíssimo.

— E sabe onde está? — perguntou Conina devagar, como quem avança em direção ao animal selvagem que, a qualquer momento, pode se assustar.

— No depósito de tesouros. Lá eu sei chegar. Sou muito rico, entendem? Pelo menos, é o que me dizem. — Ele baixou a voz e tentou piscar um olho para Conina, conseguindo apenas piscar os dois. — A gente bem poderia sentar no tapete — sugeriu, começando a suar. — E você talvez pudesse me contar uma história…

Rincewind tentou gritar por entre os dentes cerrados. Já estava entrando em pânico.

— Não vou subir em tapete mágico nenhum! — sussurrou. — Tenho medo de chão!

— É de altura — corrigiu Conina. — E deixe de ser bobo.

— Sei do que estou falando! E o chão que mata!

A guerra de Al Khali era uma nuvem negra em cujo interior se podiam ouvir formas estranhas e ver ruídos esquisitos. Disparos perdidos atingiam toda a cidade. No local onde caíam, as coisas ficavam… diferentes.

Boa parte do pântano, por exemplo, virou uma floresta impenetrável de cogumelos amarelos gigantescos. Ninguém sabia que efeito aquilo havia surtido nos habitantes, embora eles possivelmente não tivessem notado.

O templo de Offler, o Deus Crocodilo, divindade padroeira da cidade, era agora um negócio tenebroso de açúcar, construído em cinco dimensões. Mas este não era o problema. O problema era que ele estava sendo devorado por uma colônia de formigas gigantes.

Por outro lado, não havia sobrado muita gente para testemunhar essa manifestação contra o descontrole das mudanças municipais, porque a maioria das pessoas estava fugindo. Elas avançavam em cortejo pelos campos férteis. Algumas haviam recorrido aos barcos, mas esse método de fuga chegou ao fim quando a maior parte da área portuária se transformou num brejo onde, sem nenhum motivo aparente, um casal de pequenos elefantes cor-de-rosa construiu seu ninho.

Distante do pânico das estradas, a Bagagem seguia vagarosamente por uma das valas dos canaviais. Pouco adiante, um mar de jacarés, ratos e tartarugas saía da água e subia em desatino para a margem, impulsionado por algum instinto animal vago mas objetivo.

A tampa da Bagagem estava semi-aberta, em expressão de cega determinação. Ela não queria muita coisa no mundo além da extinção completa de todas as outras formas de vida. Mas o que mais precisava, agora, era de seu dono.

Foi fácil ver que o lugar era um depósito de tesouros, por se encontrar inacreditavelmente vazio. Portas pendiam abertas. Alcovas, outrora trancadas, mostravam-se devassadas. Havia muitas arcas quebradas, e isso fez Rincewind sentir uma ponta de culpa. Por cerca de dois segundos, ele imaginou onde a Bagagem teria se metido.

Houve um silêncio solene, como sempre acontece quando quantias vultosas de dinheiro acabam de desaparecer. Seguindo as instruções do capítulo onze, Nijel vasculhou algumas arcas em busca de gavetas secretas.

Conina agachou-se e pegou uma pequena moeda de cobre.

— Que horror! — exclamou Rincewind, afinal. — Um depósito de tesouros, sem tesouros!

O xerinfe sorriu.

— Não se preocupem — disse.

— Mas roubaram todo o seu dinheiro! — surpreendeu-se Conina.

— Devem ter sido os empregados — imaginou Creosoto. — Muito desleal da parte deles.

Rincewind dirigiu-lhe um olhar espantado.

— Você não está preocupado?

— Não muito. Nunca usei o dinheiro, mesmo. E sempre imaginei como seria ser pobre.

— Agora vai ter uma grande oportunidade de descobrir.

— Vou precisar de aulas?

— O aprendizado se dá naturalmente — respondeu Rincewind.

— A pessoa vai assimilando aos poucos.

Houve uma explosão distante, e parte do teto virou gelatina.

— Hã… com licença — interveio Nijel. — Aquele tapete…

— E — lembrou Conina. — O tapete.

Creosoto dirigiu-lhes um olhar benévolo, ligeiramente embriagado.

— Ah, sim. O tapete. Empurre o nariz da estátua atrás de você, ó curvilínea jóia rara da alvorada desértica.

Enrubescendo, Conina realizou o ato um tanto sacrílego na grande estátua verde de Offler, o Deus Crocodilo.

Não aconteceu nada. Compartimentos secretos não se abriram.

— Hum. Tente a mão esquerda.

Ela arriscou torcê-la. Creosoto cocou a cabeça. — Talvez seja a direita…

— Se eu fosse você, começaria a me esforçar para lembrar — avisou Conina, quando isso também não funcionou. — Não existem mais muitas partes que eu queira puxar.

— O que é aquilo? — perguntou Rincewind.