— Como uma garrafa de vinho — ilustrou Creosoto — que…
— … nos bebesse — completou Rincewind. — Então, para começar, largue a tampa e o anel e, pelo amor dos deuses, não esfregue em nada.
— Meu avô montou a fortuna da família com isso aqui — segredou Creosoto, pensativo. — O tio mal prendeu-o numa gruta. Ele teve de se virar com o que encontrou. Não tinha nada no mundo, além de um tapete mágico, uma lâmpada mágica, um anel mágico e uma gruta cheia de pedras preciosas.
— Subiu na vida por esforço próprio, foi? — resmungou Rincewind.
Conina abriu o tapete no chão. Ele apresentava um complexo desenho de dragões dourados, num fundo azul. Eram dragões extremamente complicados, com asas, orelhas e barbas compridas, e pareciam estar congelados, surpreendidos na transição de um estado a outro, sugerindo que a tela possuía mais dimensões do que as três de praxe. Mas o pior era que, se nos demorássemos olhando, a tela se convertia no desenho de dragões azuis, num fundo dourado, e sobrevinha a terrível sensação de que, se tentássemos ver ambos os tipos de dragão de uma só vez, nosso cérebro sairia pelas orelhas.
Com alguma dificuldade, Rincewind desviou o olhar quando outra explosão distante estremeceu o prédio.
— Como funciona? — perguntou.
Creosoto deu de ombros.
— Nunca usei — respondeu. — Acho que basta dizer “sobe”, “desce”, e assim por diante.
— Que tal “atravesse a parede”? — propôs Rincewind.
Todos os três olharam a parede alta, escura e, sobretudo, sólida.
— A gente podia experimentar sentar nele e dizer “levanta” — sugeriu Nijel. — Antes de bater no teto, a gente fala “pára”. — Ele pensou um pouco e acrescentou: — Se for essa a palavra.
— Ou “abaixa” — lembrou Rincewind. — Ou “cai”, “afunda”, “desmorona”, “tomba”. Ou “mergulha”.
— “Para o chão” — propôs Conina, sombria.
— É claro que, com toda essa magia flutuando ao redor, você bem poderia tentar usar um pouco — observou Nijel.
— Ah… — disse Rincewind. — Bem…
— Está escrito “maggo” no seu chapéu — lembrou Creosoto.
— Qualquer um pode escrever o que quiser no próprio chapéu — gracejou Conina. — Não acredite em tudo o que lê.
— Esperem um minuto — irritou-se Rincewind.
Eles esperaram um minuto.
Esperaram mais dezessete segundos.
— E muito mais difícil do que vocês imaginam — desculpou-se o mago.
— O que foi que eu falei? — perguntou Conina. — Vamos lá, temos de cavar a argamassa à unha.
Rincewind acenou para que ela se calasse, tirou o chapéu, soprou o pó da estrela, pôs o chapéu novamente, ajustou a aba, arregaçou as mangas, dobrou os dedos e entrou em pânico. Na falta de coisa melhor a fazer, encostou na parede. Ela vibrava. Não que estivesse sendo balançada. Parecia que a trepidação vinha de dentro da pedra.
Era muito parecido com o tremor que ele havia sentido na Universidade, pouco antes da chegada da fonticeria. A pedra, sem dúvida, estava muito insatisfeita com alguma coisa.
Ele avançou rente à parede e colou o ouvido à pedra seguinte, que era uma pedra menor, cortada para se encaixar num ângulo tal da parede, não uma pedra grande e notável, mas pequenina, apenas fazendo seu quinhão para o bem maior da parede como um todo. Ela também estava tremendo.
— Psiu! — pediu Conina.
— Não estou ouvindo nada — disse Nijel, em voz alta.
Nijel era uma dessas pessoas que, se dizemos “não olhe agora”, imediatamente viram a cabeça, como coruja em mesa giratória. São essas mesmas pessoas que, quando apontamos, digamos, para uma flor diferente ao seu lado, viram-se distraídas e pisam nela. Se estão perdidas no deserto, podemos achá-las colocando, em qualquer ponto do vasto mar de areia, algum objeto pequeno e frágil, como a antiga caneca valiosa que há gerações faz parte de nossa família, e voltar correndo ao escutá-la sendo esmigalhada. Enfim.
— A questão é essa! O que aconteceu com a guerra?
Uma pequena cascata de argamassa caiu do teto no chapéu de Rincewind.
— Alguma coisa vem agindo sobre as pedras — cochichou. — Elas querem se libertar.
— Estamos bem debaixo de uma porção delas — observou Creosoto.
Ouviu-se um rangido no alto, e um raio de luz do dia entrou no lugar. Para surpresa de Rincewind, não se fez acompanhar de morte súbita por esmagamento. Houve outro estrondo, e o buraco aumentou. As pedras estavam caindo, e estavam caindo para cima.
— Acho que agora vale a pena arriscar o tapete — disse.
A parede ao lado sacudiu-se como um cachorro e despedaçou-se, com as lascas açoitando Rincewind, ao voar pelos ares.
Os quatro sentaram-se no tapete azul e dourado, sob uma tempestade de pedras voadoras.
— Temos de sair daqui — percebeu Nijel, mantendo sua reputação de grande observador.
— Esperem aí — pediu Rincewind. — Eu vou dar a ordem…
— Você, não — protestou Conina, ajoelhando-se ao seu lado. — Eu vou dar a ordem. Não confio em você.
— Mas…
— Cale a boca — cortou Conina.
Ela bateu no tapete.
— Tapete… levante! — ordenou.
Houve uma pausa.
— Suba.
— Talvez ele não entenda essa língua — sugeriu Nijel.
— Ascenda. Levite. Voe.
— Ou, talvez, só seja sensível a determinada voz…
— Cale a boca.
— Não me parece um bom comando para fazê-lo voar — considerou Nijel. — Tente eleve-se.
— Ou plane — propôs Creosoto.
Várias toneladas de laje despencaram a poucos centímetros da cabeça dele.
— Se fosse obedecer a essas ordens, já teria obedecido — irritou-se Conina.
O ar ficava cada vez mais carregado de poeira, à medida que as pedras voadoras se agitavam. Ela deu um murro no tapete.
— Decole, esteira maldita! Arrgh!
Um pedaço de cornija atingiu-lhe o ombro. Nervosa, ela passou a mão pela ferida e virou-se para Rincewind, que estava sentado com o queixo apoiado nos joelhos e o chapéu caído sobre os olhos.
— Por que não funciona? — perguntou.
— Você não está dizendo as palavras certas — respondeu o mago.
— Ele não entende nossa língua?
— A língua não tem nada a ver com isso. Você se esqueceu de uma coisa fundamental.
— Sim?
— Sim, o quê? — provocou o mago.
— Olhe aqui, não é hora para orgulho ferido!
— Você pode ficar tentando, não me incomodo.
— Ponha esse negócio para voar!
Rincewind puxou o chapéu sobre as orelhas.
— Por favor — pediu Conina.
O chapéu ergueu-se um pouco mais.
— Vamos todos morrer aqui dentro — argumentou Nijel.
— É verdade, por favor — suplicou Creosoto.
O chapéu subiu ainda mais.
— Têm certeza? — indagou Rincewind.
— Temos!
O mago pigarreou.
— Desça — ordenou.
O tapete levantou-se do chão e pairou a alguns centímetros da nuvem de poeira.
— Como foi que… — começou Conina, mas Nijel a cortou.
— Os magos possuem conhecimentos ocultos, deve ser isso — disse. — Talvez o chapéu tenha um múnus para fazer o contrário do que é pedido. Podemos subir mais?
— Podemos, mas não vamos — disse Rincewind.
O tapete avançou vagarosamente e, como sempre acontece nessas horas, uma pedra caiu exatamente no local em que ele estivera um minuto antes.
Pouco depois estavam todos ao ar livre, e a tempestade de pedras ficava para trás.