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Ela atingiu o parapeito e saltou para fora.

Mas, em vez de cair, manteve-se no ar, girou e voltou em disparada, deixando um rastro de centelhas octarinas e fazendo barulho de serra circular.

Rincewind puxou o garoto, aturdido, para trás de si, jogou longe a meia destruída e tirou o chapéu, agitando-se freneticamente enquanto a vara avançava em sua direção. Ela acertou a lateral da cabeça do mago, num golpe que quase lhe endireitou os dentes e derrubou-o como a uma árvore fina e desconjuntada.

O bastão se virou outra vez, reluzindo incandescente, e lançou-se para a investida final.

Horrorizado, Rincewind apoiou-se nos cotovelos e observou-o cortar o ar frio, que, por alguma razão, pareceu se encher de flocos de neve. E ficou tingido de roxo, borrado de azul. O tempo desacelerou e parou, afinal, como vitrola sem energia.

Rincewind divisou o vulto alto, vestido de preto, que havia surgido a poucos metros de distância.

Evidentemente, era Morte.

Ele voltou as cavidades oculares para Rincewind e, numa voz que parecia o colapso de abismos submarinos, disse:

— BOA TARDE.

Deu meia-volta — como se, por enquanto, houvesse concluído todo o serviço que precisava ser feito —, olhou durante algum tempo para o horizonte, e começou a bater um pé no chão. Parecia um saco de chocalhos.

— Hã… — soltou Rincewind.

Morte pareceu se lembrar dele.

— SIM? — indagou, com educação.

— Sempre me perguntei como seria — disse Rincewind.

Morte tirou uma ampulheta das misteriosas dobras do manto negro e espiou.

— É MESMO? — murmurou, distraído.

— Acho que não posso reclamar — considerou Rincewind. — Tive uma boa vida. Mais ou menos boa. — Ele hesitou. — Nem tão boa assim. Acho que a maioria das pessoas a acharia terrível. — Ele pensou mais no assunto. — Eu acho — acrescentou, um pouco para si mesmo.

— DO QUE ESTÁ FALANDO?

Rincewind ficou confuso.

— Você não aparece quando um mago está para morrer?

— CLARO. E, POR CAUSA DISSO, MEU DIA ESTÁ CHEIO.

— Como consegue estar em tantos lugares ao mesmo tempo?

— BOA ORGANIZAÇÃO.

O tempo voltou. A vara, que se encontrava suspensa no ar, a alguns metros de Rincewind, começou a zunir novamente.

E ouviu-se um tinido metálico quando Coin agarrou-a com uma das mãos.

O bastão soltou um ruído como de mil unhas raspando em vidro. Depois se agitou, debatendo-se no braço que o mantinha preso, e produziu uma chama verde em toda a sua extensão.

Pois bem. No fim, você me decepciona.

Coin soltou um gemido, mas não se deixou abalar quando o metal ficou vermelho, depois branco.

Ele estendeu o braço, e a força que emanava da vara lhe atravessou o corpo, tirando faíscas de seu cabelo e lhe erguendo o manto em formas estranhas e desagradáveis. O menino soltou um grito, girou o bastão e acertou-o no parapeito, deixando uma linha fumegante na pedra.

E jogou a vara longe. Ela bateu no chão e rolou até parar, obrigando os magos a saírem do caminho.

Coin se deixou cair de joelhos, tremendo.

— Eu não gosto de matar — disse. — Isso não pode estar certo.

— Nunca mude de opinião — recomendou Rincewind.

— O que acontece com quem morre? — perguntou Coin.

Rincewind olhou para Morte.

— Acho que essa é para você — sugeriu.

— ELE NÃO ME VÊ, NEM ME ESCUTA — observou Morte. — NÃO, ATÉ QUE QUEIRA.

Ouviu-se um pequeno tinido. A vara estava rolando de volta para Coin, que a fitou apavorado. Pegue-me.

— Você não tem de fazer isso — objetou Rincewind, outra vez.

Não pode resistir a mim. Não pode derrotar a si mesmo — disse a vara.

Devagar, Coin estendeu o braço e pegou o bastão.

Rincewind olhou a meia. Era um resto de lã queimada, com a breve carreira de arma de guerra tendo-a levado para além da possibilidade de qualquer remendo.

Agora o mate.

Rincewind segurou a respiração. Os outros magos seguraram a respiração. Até Morte, que não tinha nada para segurar além da foice, segurou-a com força.

— Não — recusou-se Coin.

Você sabe o que acontece com os meninos que não se comportam. Rincewind viu o rosto do fonticeiro empalidecer. A voz da vara mudou. Agora era doce. Sem mim, quem lhe diria o que fazer?

— É verdade — respondeu Coin, devagar.

Veja o que você conquistou.

Coin correu os olhos pelos rostos assustados.

— Estou vendo — disse.

Ensinei a você tudo que sei.

— Acho que não sabe o suficiente — rebateu Coin.

Ingrato! Quem lhe deu o seu destino?

— Você — respondeu o menino, erguendo a cabeça. — Estou percebendo que cometi um engano — acrescentou, em voz baixa.

Ótimo…

— Não atirei você longe o bastante!

Num único movimento, Coin levantou-se e girou a vara sobre a cabeça. Depois, ficou imóvel como uma estátua, a mão perdida numa bola de luz que era da cor de cobre fundido. A bola ficou verde, passou por vários tons de azul, insinuou-se pelo violeta e, então, se assentou numa octarina pura.

Rincewind protegeu os olhos contra o brilho reluzente e viu a mão de Coin, ainda incólume, ainda segurando firmemente o bastão, com gotas de metal derretido cintilando entre os dedos.

Ele recuou, e tropeçou em Hakardly. O velho mago estava parado como uma estátua, a boca aberta.

— O que vai acontecer? — perguntou Rincewind.

— Ele não vai vencer nunca — respondeu Hakardly. — A vara é dele. Tão forte quanto ele. O menino tem poder, mas ela sabe canalizá-lo.

— Quer dizer que vão anular um ao outro?

— Na melhor das hipóteses.

A luta se ocultava no brilho infernal. O chão começou a tremer.

— Estão levando tudo que é mágico — explicou Hakardly. — É melhor deixarmos a torre.

— Por quê?

— Ela deve sumir em breve.

De fato, as lajes brancas, ao redor da bola reluzente, pareciam se soltar e desaparecer dentro do clarão. Rincewind hesitou.

— Não vamos ajudá-lo? — perguntou.

Hakardly olhou para ele e, em seguida, para a esfera iridescente. Abriu e fechou a boca uma ou duas vezes.

— Sinto muito — disse, afinal.

— Mas ele vai precisar de ajuda. Você viu como é aquele negócio…

— Sinto muito.

— Ele ajudou vocês — Rincewind virou-se para os outros magos, que começavam a correr. — Todos vocês. Ele deu a vocês o que queriam, não deu?

— Talvez nunca o perdoemos por isso — observou Hakardly.

Rincewind soltou um gemido.

— O que vai sobrar no fim de tudo? — perguntou. — O que vai sobrar no fim de tudo?

Hakardly baixou os olhos.

— Sinto muito — repetiu.

A luz octarina havia se tornado mais brilhante e começava a ficar preta nas pontas. Mas não se trata do preto que é apenas o contrário de luz. Trata-se do negrume granulado que reluz além da claridade e não existe em nenhuma realidade que se preze. Também zumbia.

Rincewind executou a pequena dança da incerteza, à medida que seus pés, suas pernas, seus instintos e seu senso de autopreservação, incrivelmente bem desenvolvido, sobrecarregavam os neurônios a ponto de, apenas no instante em que todo o sistema nervoso estava prestes a fundir, a consciência finalmente vencer.