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— Vapt! Uma bola de fogo! Zum! Desaparecia como fumaça! Vapt!… Desculpe.

Com cuidado, o bibliotecário afastou o que restava da cerveja para longe dos braços nervosos de Rincewind.

— Magia de verdade.

Rincewind conteve um arroto.

— Oook.

Rincewind mirou os restos espumantes da última cerveja e, com extremo cuidado para que o topo da cabeça não caísse, agachou-se e serviu um pouco no pires da Bagagem. Ela estava escondida debaixo da mesa, o que era um alívio. Em geral, deixava-o constrangido, aterrorizando os clientes até que lhe dessem batatas fritas.

Confuso, ele tentou lembrar em que buraco havia perdido o fio da meada.

— Onde é que eu estava?

— Oook — respondeu o bibliotecário.

— Ah, é! _ animou-se Rincewind. — Não tinha todo esse negócio de níveis e classes, entende? Havia fonticeiros naquela época. Eles caíam no mundo e descobriam novos feitiços, viviam aventuras…

Ele meteu o dedo numa pequena poça de cerveja e rabiscou um desenho na madeira manchada e arranhada da mesa.

Um dos professores de Rincewind havia dito que “chamar seu conhecimento sobre teoria mágica de péssimo é não deixar nenhuma palavra adequada para qualificar seu domínio da prática”. Aquilo sempre o havia deixado perplexo. Ele se opunha à idéia de que o indivíduo precisava ser bom em magia para ser mago. Ele sabia que era mago, no fundo de sua alma. Ser bom em magia não tinha nada a ver com isso. Era apenas um complemento, não definia ninguém.

— Quando eu era pequeno — lembrou, nostálgico —, vi o retrato de um fonticeiro num livro. Ele estava no alto de uma montanha, acenando os braços, e as ondas subiam, sabe?, como quando venta na Baía Ankh, e tinha relâmpagos em volta…

— Oook?

— Não sei, talvez estivesse usando bota de borracha — rebateu Rincewind, e prosseguiu, sonhador: — Ele tinha uma vara e um chapéu, igual ao meu, e os olhos meio que brilhavam, e saía um monte de purpurina dos dedos, e eu pensei “um dia vou fazer isso”, e…

— Oook?

— Só metade, então.

— Oook.

— Como você paga por isso? Sempre que lhe dão dinheiro, você come.

— Oook.

— Incrível.

Rincewind terminou o desenho na cerveja. Havia um bonequinho numa montanha. Não parecia muito com ele — desenho em cerveja não é uma arte precisa —, mas era para parecer.

— E o que eu queria ser — disse ele. — Bum! Não essa embromação. Esses livros todos, não é assim que deveria ser. O que precisamos é de magia de verdade.

Esse último comentário teria ganhado o prêmio de declaração mais incorreta do dia se Rincewind não tivesse, então, acrescentado:

— E uma pena que não haja mais fonticeiros.

Lingote bateu na mesa com a colher.

Era uma figura imponente, vestindo o manto cerimonial, com o capuz de crudelarminho do Conselho Venerável dos Videntes e a faixa amarela própria aos magos de quinto nível. Ele alcançara esse nível havia três anos e aguardava que um dos 64 magos do sexto nível abrisse uma vaga, morrendo. Mas agora estava de bom humor. Não apenas terminara um excelente jantar, como também tinha em seus aposentos um pequeno frasco de veneno sem sabor que, usado corretamente, seria garantia de promoção nos meses seguintes. A vida parecia boa.

O grande relógio no fim do salão estremeceu ao soarem as 9 horas.

A colher não havia surtido efeito. Lingote pegou uma caneca de estanho e bateu com força na mesa.

— Irmãos! — gritou, e ficou mais satisfeito quando a algazarra chegou ao fim. — Obrigado. Levantem-se, por favor, para o ritual das, hum, chaves.

Ouviu-se um burburinho à medida que os magos se punham de pé, vacilantes.

As portas duplas do salão encontravam-se fechadas à chave e vedadas com três trancas. O novo arqui-reitor precisaria pedir três vezes para entrar, e só então as portas seriam destrancadas, mostrando que havia sido nomeado com o consentimento de todos. Ou qualquer coisa assim. As origens do costume haviam se perdido nas raias do tempo, o que era uma razão tão boa quanto qualquer outra para mantê-lo.

As conversas cessaram. Os homens fitaram as portas.

Ouviu-se uma batida de leve.

— Vá embora! — gritaram os magos, alguns dos quais rindo até cair com a sutileza da piada.

Lingote pegou a grande argola de ferro que continha as chaves da Universidade. Nem todas eram de metal. Nem todas eram visíveis. Algumas pareciam bem estranhas.

— Quem bate? — perguntou.

— Eu.

O estranho na resposta era o seguinte: parecia que a pessoa que respondera estava atrás de quem ouvia. A maioria dos magos se flagrou olhando por cima do ombro.

Nesse instante de silêncio e terror, houve um estalido agudo na fechadura. Fascinados, eles viram os ferrolhos se abrirem por conta própria. As grandes vigas de madeira, transformadas pelo Tempo num negócio duro feito pedra, saíram de seus encaixes. As dobradiças passaram do vermelho para o amarelo, até chegarem ao branco, e então explodiram. Devagar, com terrível inevitabilidade, as portas despencaram no salão.

Havia um vulto em meio à fumaça das dobradiças em chamas.

— Nossa senhora, Virrid — disse um dos magos. — Essa foi muito boa!

Quando o vulto avançou para a luz, todos puderam ver que, afinal de contas, não se tratava de Virrid Wayzyganso.

O indivíduo que ali se encontrava era pelo menos uma cabeça mais baixo que qualquer outro mago e vestia um simples manto branco. Também era várias décadas mais novo. Parecia ter 10 anos, e trazia na mão uma vara consideravelmente maior que seu próprio tamanho.

— Ele não é mago…

— Onde está o capuz?

— Cadê o chapéu?

O desconhecido passou pela fileira de magos espantados, até se encontrar diante da mesa mais alta. Lingote olhou o rosto jovem e magro emoldurado por madeixas louras, mas se prendeu, sobretudo, aos olhos dourados de brilho interno. Achou, porém, que não o fitavam. Os olhos pareciam mirar um ponto quinze centímetros além de sua nuca. Lingote teve a sensação de que iria explodir.

Então, reuniu toda a sua dignidade e se projetou à altura de sua posição.

— O que significa, hum, isso? — perguntou.

Foi péssimo, ele tinha de admitir, mas a intensidade daquele brilho incandescente parecia lhe arrancar todas as palavras da memória.

— Eu cheguei — disse o desconhecido.

— Chegou? Chegou para quê?

— Tomar o meu lugar. Qual é a minha cadeira?

— Você é aluno? — inquiriu Lingote, branco de raiva. — Qual é o seu nome, menino?

O garoto o ignorou e correu os olhos pelos magos ali reunidos.

— Quem é o mago mais poderoso aqui? — indagou. — Quero conhecê-lo.

Lingote balançou a cabeça. Dois seguranças da Universidade, que nos minutos anteriores haviam se aproximado sorrateiramente do recém-chegado, surgiram, cada qual a um lado dele.

— Peguem-no e joguem-no na rua — ordenou Lingote.

Os seguranças — homens enormes, compactos e sisudos — assentiram. Agarraram os braços finos do garoto com mãos que pareciam cachos de banana.

— Seu pai vai ficar sabendo disso — avisou Lingote, com severidade.

— Ele já sabe — rebateu o menino.

Em seguida, olhou para os dois homens e encolheu os ombros.

— O que está acontecendo aqui?

Lingote deu meia volta e se deparou com Skarmer Billias, chefe da Ordem da Estrela Prateada. Enquanto Lingote tendia para magro, Billias era corpulento, mais parecendo um pequeno balão cativo que, por alguma razão, tinha sido forrado com veludo azul e pele de crudelarminho. Tirando a média de ambos, teríamos duas pessoas normais.

Infelizmente, Billias era o tipo de adulto que se orgulhava de ser bom para as crianças. Inclinou-se tanto quanto seu jantar permitia e voltou o rosto vermelho e barbado para o menino.