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— Qual é o problema, rapaz? — perguntou.

— Essa criança entrou aqui à força porque diz que quer conhecer um mago poderoso — adiantou Lingote. Ele detestava crianças, o que talvez fosse o motivo de elas o acharem tão fascinante. Até o momento, havia conseguido evitar qualquer pensamento a respeito da porta.

— Não há nada de errado nisso — considerou Billias. — Qualquer rapaz que se preze quer ser mago. Eu queria ser mago, quando era jovem. Não é mesmo, rapaz?

— Você é pujante? — indagou o menino.

— Hã?

— Perguntei se é pujante. Poderoso.

— Poderoso? — iluminou-se Billias. Ele se levantou, tocou a faixa de oitavo nível e piscou para Lingote. — Ah, muito poderoso. Tão poderoso quanto um mago pode ser.

— Ótimo. Eu o desafio. Mostre sua mágica mais perfeita. E, quando vencê-lo, serei o arqui-reitor.

— Ora, seu petulante… — começou Lingote, mas o protesto se perdeu no estrondo de gargalhadas dos outros magos.

Billias bateu as mãos nos joelhos, ou o mais perto deles que conseguiu alcançar.

— Um duelo? — perguntou. — Ótimo!

— Como você bem sabe, é proibido duelar — objetou Lingote.-De qualquer maneira, é ridículo! Eu não sei quem abriu a porta para ele, mas não vou ficar aqui vendo você desperdiçar nosso tempo…

— Ora, ora — cortou Billias. — Qual é o seu nome, rapaz?

— Coin.

— Coin, senhor — grunhiu Lingote.

— Pois bem, Coin — disse Billias. — Você quer ver o que posso fazer de melhor, é isso?

— Sim.

— Sim, senhor — resmungou Lingote.

Coin dirigiu-lhe o olhar firmemente. Um olhar antigo como o tempo, o tipo de olhar que se aquece em rochas de ilhas vulcânicas e não se cansa nunca. Lingote sentiu a boca secar.

Billias ergueu as mãos, em pedido de silêncio. Então, com um gesto teatral, arregaçou a manga do braço esquerdo e abriu a mão.

Todos observavam com atenção. Os magos de oitavo nível encontravam-se acima da magia. Em geral, passavam a maior parte do tempo em contemplação — normalmente do cardápio seguinte — e, é claro, evitando as atenções de magos ambiciosos do sétimo nível. Valia a pena ver aquilo.

Billias sorriu para o garoto, que retribuiu com um olhar centrado em algum ponto vários centímetros além de sua nuca.

Desconcertado, Billias dobrou os dedos. Aquele não era exatamente o jogo que ele tinha em mente. Sentiu, então, uma vontade irresistível de impressionar. Depois, veio a irritação consigo próprio, proveniente da estupidez de estar nervoso.

— Vou mostrar a você — disse, tomando fôlego — o Maravilhoso Jardim de Maligree.

Ouviu-se um grande murmúrio. Em toda a história da Universidade, somente quatro magos haviam conseguido executar o jardim completo. A maioria dos magos conseguia criar as árvores e flores, e alguns tinham formado os pássaros. Não era o feitiço mais poderoso — não movia montanhas —, mas, para alcançar os detalhes sutis produzidos nas complexas sílabas de Maligree, era preciso muito talento.

— Observe — acrescentou Billias. — Não tenho nada nas mangas.

Os lábios começaram a se mexer. As mãos agitaram-se no ar. Uma poça de centelhas douradas surgiu na palma de sua mão, girou, formou uma esfera indistinta, começou a definir os detalhes…

Dizia a lenda que Maligree, um dos últimos verdadeiros fonticeiros, criou o jardim como um pequeno universo particular, atemporal, onde podia se trancar, fumar ou meditar sossegado, enquanto fugia às ansiedades do mundo. O que, por si só, já era um enigma, porque nenhum mago conseguia entender como uma criatura tão poderosa quanto um fonticeiro poderia ter ansiedade.

Fosse qual fosse o motivo, Maligree se fechou cada vez mais no seu mundo, até que, um dia, trancou definitivamente a porta de entrada.

O jardim era uma bola brilhante nas mãos de Billias. Os magos mais próximos esticaram o pescoço sobre o ombro dele e puderam admirar a esfera de 60 centímetros, que exibia uma delicada paisagem cheia de flores. Havia um lago em plano médio, perfeito em cada ondulação, e montanhas roxas por trás de uma floresta fascinante. Passarinhos do tamanho de abelhas voavam de uma árvore para outra, e dois veados menores que camundongos ergueram os olhos do pasto e fitaram Coin.

Que opinou:

— É bem legal. Passe para mim.

Ele tirou o globo impalpável das mãos do mago e suspendeu-o.

— Por que não é maior? — perguntou.

Billias enxugou a testa com o lenço de borda rendada.

— Bem — respondeu, sem forças, tão perplexo com o tom de Coin que não teve como se sentir afrontado. — Há muito tempo, a eficácia do feitiço é…

Por um instante, Coin manteve a cabeça inclinada, como se ouvisse algo. Então, sussurrou algumas sílabas e alisou a superfície da esfera.

Ela cresceu. Em um momento, era um brinquedo nas mãos do garoto. No momento seguinte…

… os magos estavam no gramado frio, num campo sombreado que se estendia até o lago. Uma brisa suave soprava das montanhas. Tinha cheiro de tomilho e capim. O céu era de um azul intenso, tendendo para o roxo no zênite.

No pasto, sob as árvores, os veados olhavam os recém-chegados com desconfiança.

Horrorizado, Lingote baixou as vistas. Um pavão lhe bicava o cadarço…-começou Billias, e parou.

Coin ainda segurava a esfera, uma esfera de ar. Dentro dela, distorcido como se olhado através de lentes de 180 graus, ou de fundo de garrafa, estava o salão principal da Universidade Invisível.

O menino correu os olhos pelas árvores, fitou, pensativo, as distantes montanhas cobertas de neve e balançou a cabeça para os homens abismados.

— Nada mau — considerou. — Eu gostaria de voltar aqui.

Ele mexeu as mãos num gesto complicado que, de algum modo inexplicável, parecia virá-las pelo avesso.

De repente, os magos estavam de volta ao salão, e o menino segurava o jardim encolhido com a palma da mão aberta. No silêncio opressivo, devolveu a esfera a Billias e disse:

— Foi interessante. Agora é minha vez de executar um pouco de magia.

Ele ergueu as mãos, encarou Billias e fez com que o mago desaparecesse.

Houve certa confusão, como é costume nessas situações. No centro da balbúrdia estava Coin, completamente tranqüilo, em meio a uma nuvem crescente de fumaça.

Ignorando o tumulto, Lingote se abaixou devagar e, com extremo cuidado, pegou uma pena de pavão no chão. Passou-a nos lábios, pensativo, enquanto olhava, do vão da porta, para o menino, depois para a cadeira vaga do arqui-reitor. A boca, então, estreitou-se, e ele começou a sorrir.

Uma hora mais tarde, quando os raios começavam a fulgurar no céu da cidade, e Rincewind passava a cantar baixinho e esquecer tudo sobre baratas, e um colchão solitário vagueava pelas ruas, Lingote fechou a porta do gabinete do arqui-reitor e virou-se para os colegas magos.

Havia seis deles, e estavam todos muito preocupados. Tão preocupados, percebeu Lingote, que vinham dando ouvidos a ele, um mero mago de quinto grau.

— Ele foi para a cama — informou. — Com um copo de leite quente.

— Leite? — surpreendeu-se um dos magos, com verdadeiro horror expresso na voz.

— E novo demais para bebidas alcoólicas — explicou o tesoureiro.

— Ah, sim. Que tolice, a minha!

O mago de olhos encovados à frente perguntou:

— Vocês viram o que ele fez com a porta?

— Eu sei o que ele fez com o Billias!

— O quê?

— Nem quero saber!

— Irmãos, irmãos — chamou Lingote, de maneira apaziguadora.