— Mas você se apresentou voluntariamente para lutar pelo seu país, você foi um herói de guerra — disse Kay. — Que foi que aconteceu para fazer você mudar?
Michael respondeu:
— Isso realmente não nos vai levar a lugar algum. Mas talvez eu seja apenas um dos verdadeiros conservadores antiquados como aqueles que nascem e vivem em sua cidadezinha. Eu cuido de mim, particularmente. Os governos realmente não fazem muito pelo seu povo, isso é o que se diz geralmente, mas não é o que acontece na realidade. Tudo o que posso dizer é que tenho de ajudar meu pai, tenho de estar do lado dele. E você precisa decidir se quer ficar do meu lado. — Sorriu para ela e acrescentou: — Acho que casar foi má idéia.
Kay deu uma pancadinha na cama.
— Nada sei a respeito de casamento, mas passei dois anos sem homem e não vou largar você assim tão facilmente. Venha cá.
Quando estavam na cama juntos, com as luzes apagadas, ela perguntou baixinho:
— Você acredita que passei sem homem desde que você partiu?
— Eu acredito em você — respondeu Michael.
— Acredita mesmo? — murmurou ela com urna voz bastante meiga.
— Acredito sim — respondeu ele. Michael a sentiu tornar-se mais rija. — E eu não estive com outra mulher.
Era verdade. Kay era a primeira mulher com quem ele se deitava desde morte de Apollonia.
CAPÍTULO 26
O MAGNÍFICO APARTAMENTO dava para as terras que simulavam um país de fadas da parte dos fundos do hotel; palmeiras transplantadas iluminadas por trepadeiras de luzes cor de laranja, duas enormes piscinas tremeluzindo uma cor azul-escura à luz das estrelas do deserto. No horizonte, viam-se as montanhas de areia e pedra que rodeavam Las Vegas aninhada no seu vale, de néon. Johnny Fontane deixou cair o pesado reposteiro cinza, luxuosamente bordado, e voltou para o quarto.
Um grupo especial de quatro pessoas, um chefe de banca, um carteador, um carteador-substituto e uma garçonete com sua escassa roupa de cabaré estavam aprontando as coisas para uma função particular. Nino Valenti estava deitado no sofá, na sala de estar do apartamento, com um copo de uísque na mão. Ele observava o pessoal do cassino instalando a mesa de jogo com meia dúzia de cadeiras acolchoadas em torno de sua borda externa em forma de ferradura.
— Isso é grande, isso é grande! — exclamou numa voz engrolada de quem ainda não estava muito bêbado. — Johnny, venha cá e jogue comigo contra esses salafrários. Estou com sorte. Vamos dar uma surra neles.
Johnny estava sentado numa banqueta em frente ao divf.
— Você sabe que eu não jogo — respondeu ele. — Como se sente, Nino?
Nino Valenti arreganhou os dentes para ele.
— Magnificamente. Estou esperando algumas mulheres à meia-noite para cear, depois voltarei para a mesa de jogo. Você sabe que eu ganhei quase cinqüenta mil dólares e o pessoal do cassino me chateou durante uma semana?
— Sei — respondeu Johnny Fontane. — Para quem você quer deixá-los quando bater a bota?
Nino esvaziou o copo de uísque
— Johnny, onde foi que você arranjou essa máscara de bom moço? Você é um bobalhão, Johnny. Meu Deus, os turistas desta cidade se divertem muito mais do que você.
— É verdade — retrucou Johnny. — Você quer que o ajude a ir ate a mesa de jogo?
Nino ergueu-se com esforço e conseguiu sentar-se no sofá, plantando os pés firmemente no tapete.
— Posso fazer sozinho — respondeu ele.
Deixou o copo cair no chão, levantou-se e caminhou quase com firmeza até o lugar em que a mesa de jogo tinha sido instalada. O carteador estava pronto. O chefe da banca estava atrás do carteador olhando. O carteador-substituto estava sentado numa cadeira distante da mesa. A garçonete estava sentada em outra cadeira, de forma que podia ver qualquer gesto de Nino Valenti Nino bateu no pano verde com os nós dos dedos.
— Fichas — pediu ele.
O chefe da banca puxou um bloco do bolso e encheu uma folha de papel, pondo-o em frente de Nino com uma pequena caneta-tinteiro.
— Aqui estão, Sr. Valenti — disse ele. — Os cinco mil dólares habituais para começar.
Nino rabiscou a sua assinatura na parte inferior da folha de papel e o chefe da banca enfiou-a no bolso. Fez um sinal com a cabeça para o carteador.
O homem, com dedos incrivelmente ágeis, tirou pilhas de fichas de cem dólares douradas e pretas dos escaninhos situados na sua frente Em menos de cinco segundos, Nino tinha cinco pilhas iguais de fichas de cem dólares na sua rente, cada pilha com dez fichas.
Havia seis quadrados um pouco maiores do que os formatos das cartas desenhadas em branco no pano verde, cada quadrado correspondendo ao lugar de cada jogador. Agora Nino estava pondo apostas em três desses quadrados, fichas simples, e assim jogando por três parceiros a cem dólares cada aposta. Ele se recusou a pedir carta porque o carteador tinha um seis virado, uma carta branca, e o carteador estourou. Nino arrastou as fichas e voltou-se para Johnny Fontane dizendo:
— E assim que se começa a noite, hem, Johnny?
Johnny sorriu. Era raro que um jogador como Nino tivesse de assinar um vale enquanto estivesse jogando. Uma palavra era geralmente o bastante para os grandes jogadores. Talvez eles receassem que Nino não se lembrasse de sua retirada porque estava bebendo. Não sabiam que Nino se lembrava de tudo.
Nino continuou ganhando e depois da terceira rodada levantou o dedo para a garçonete. Ela foi até o bar no fim da sala e trouxe-lhe o habitual copo de uísque. Nino apanhou a bebida, mudou-a para a outra mão para que pudesse passar o braço em volta da garçonete.
— Sente-se comigo, meu bem, jogue algumas rodadas; traga-me sorte.
A garçonete era uma garota muito bonita, mas Johnny podia ver que ela era uma profissional completamente fria, não uma personalidade real, embora trabalhasse nisso. Ela não ria entusiasticamente para Nino, mas estava bastante interessada numa daquelas fichas douradas e pretas. Que diabo, pensou Johnny, porque não devia ela conseguir uma? Ele apenas lamentava que Nino não obtivesse uma coisa melhor com seu dinheiro.
Nino deixou a garçonete jogar algumas rodadas por ele e depois deu-lhe uma das fichas e uma pancadinha no traseiro para mandá-la embora da mesa. Johnny fez sinal para que ela lhe levasse uma bebida. Ela a levou, mas levou como se tivesse representando o momento mais dramático no filme mais dramático jamais realizado. Lançou todo o seu encanto sobre o grande Johnny Fontane. Fez os seus olhos cintilarem de convite ao amor, seu andar era o mais sensual já visto, sua boca estava ligeiramente aberta como se ela estivesse pronta para morder o objeto mais próximo de sua óbvia paixão. Ela parecia uma fêmea de animal no auge do cio, mas era um ato premeditado. Johnny Fontane pensou, oh, Cristo, uma delas. Era o convite mais comum das mulheres que queriam levá-lo para a cama. Só funcionava quando ele se achava muito bêbedo, o que não era o caso agora. Deu à garçonete um daqueles seus famosos risos inexpressivos e disse:
— Obrigado, meu bem.
A garota olhou para ele, separou os lábios num sorriso de agradecimento, com os olhos faiscantes, o corpo tenso com o tronco inclinando-se ligeira mente para trás de suas longas e afinadas pernas em suas meias de malha. Uma tensão enorme parecia estar tomando conta de seu corpo, os seios pareciam tomar-se cada vez mais cheios e inchar explosivamente contra a sua blusa fina escassamente recortada. Então, o seu corpo todo deu um tremor que quase deixou escapar um zunido sexual. A impressão era de uma mulher que estava tendo um orgasmo simplesmente porque Johnny Fontane sorrira para ela e dissera: “Obrigado, meu bem.” Foi muito bem feito, da maneira melhor que Johnny já vira em toda a sua vida. Mas agora ele sabia que era simulação. E era quase certo que as mulheres que faziam isso eram prostitutas ordinárias.