Выбрать главу

Ele a acompanhou com os olhos enquanto ela voltava para a sua cadeira e começou a tomar a sua bebida lentamente. Johnny não queria ver essa pequena artimanha novamente. Não estava disposto a isso naquela noite.

Demorou ainda uma hora para que Nino Valenti começasse a fraquejar. Ele primeiro se inclinou, cambaleou para trás e depois tombou da cadeira para mergulhar diretamente no assoalho. Mas o chefe da banca e o carteador-substituto ficaram alerta desde o primeiro movimento e o pegaram antes que ele atingisse o chão. Levantaram-no e conduziram-no através do reposteiro aberto que dava para o quarto de dormir do apartamento.

Johnny continuou a observar a garçonete que ajudava os outros homens a despir Nino e a enfiá-lo por baixo das cobertas. O chefe da banca contava as fichas de Nino e tomava nota no seu bloco de vales. Depois, guardou a mesa com as fichas do carteador. Então Johnny perguntou:

— Há quanto tempo isso vem acontecendo?

O chefe da banca deu de ombros.

— Esta noite foi mais cedo. A primeira vez chamamos o médico da casa e ele receitou algo para o Sr. Valenti e passou-lhe uma espécie de sermão. Depois Nino nos disse que não devíamos chamar o médico quando isso acontecesse, apenas pô-lo na cama e ele estaria bem na manhã seguinte. Assim, foi isso o que fizemos. Ele tem muita sorte, ganhou novamente esta noite, quase três mil dólares.

— Bem — retrucou Johnny Fontane — vamos chamar o médico da casa aqui esta noite, está bem? Chame-o na sala de jogo se for preciso.

Passaram-se quase 15 minutos para que Jules Segal chegasse ao apartamento. Johnny notou com irritação que o camarada não tinha a menor aparência de médico. Nessa noite usava uma camisa de pólo, azul, furadinha, com enfeite branco, e sapatos de camurça brancos, sem meias. Seu aspecto era engraçadíssimo, carregando a tradicional bolsa preta de médico.

— Você devia imaginar um meio de carregar o seu material numa bolsa de golfe de tamanho reduzido — disse Johnny.

Jules riu para Johnny sem compreender e respondeu:

— Ë, essa maleta médica é um verdadeiro trambolho. Assusta todo mundo. De qualquer forma, deviam pelo menos mudar a cor.

Dirigiu se ate onde Nino estava deitado na cama Quando abriu a bolsa, disse para Johnny:

— Obrigado por aquele cheque que você me enviou pelos meus serviços. Foi demais. Eu não merecia tanto.

— Que se dane se você não merecia — respondeu Johnny. — De qualquer modo, esqueça aquilo, já foi há muito tempo. Que é que há com Nino?

Jules estava fazendo um rápido exame da batida do coração, do pulso e da pressão sanguínea. Tirou uma agulha da bolsa e enfiou-a casualmente no braço de Nino e apertou o êmbolo. O rosto adormecido de Nino perdeu a palidez de cera, a cor voltou-lhe às faces, como se o sangue tivesse começado a bombear mais depressa.

— Diagnóstico muito simples — anunciou Jules animado. — Tive oportunidade de examiná-lo e fazer alguns testes, quando ele veio aqui a primeira vez e desmaiou. Fi-lo transferir para o hospital antes de voltar a si. Está com diabetes, estável, brando, adulto, que não é problema quando a pessoa toma cuidado, seguindo a medicação, a dieta e assim por diante. Ele insiste em não tomar conhecimento da doença. Além disso, está firmemente decidido a beber até morrer. O seu fígado está se arruinando e a sua cabeça vai no mesmo caminho. Agora mesmo ele se acha em estado de coma diabético brando. Meu conselho é que se deve interná-lo.

Johnny teve uma sensação de alívio. Não podia ser coisa muito séria, tudo o que Nino precisava fazer era cuidar de si mesmo.

— Você quer dizer num desses lugares em que fazem a pessoa deixar de beber completamente? — perguntou Johnny.

Jules foi até o bar no canto afastado da sala e serviu uma bebida para si mesmo.

— Não — respondeu ele. — Quero dizer recolhido. Você sabe, um hospício.

— Não seja engraçadinho — retrucou Johnny.

— Não estou brincando — afirmou Jules. — Não conheço profundamente esse negócio de psiquiatria, mas sei alguma coisa a respeito, é parte de minha profissão. O seu amigo Nino pode ser posto novamente em muito boa forma, a não ser que o seu fígado tenha piorado muito, o que não podemos saber enquanto não se fizer a sua autópsia. Mas a sua verdadeira doença é na cabeça. Em suma, ele não se importa de morrer, talvez até queira se matar. Enquanto não se curar isso, não há esperança para ele. Por isso é que digo, é preciso recolhê-lo a um hospital de doenças mentais para submetê-lo ao necessário tratamento psiquiátrico.

Bateram na porta, e Johnny foi atender. Era Lucy Mancini. Ela caiu nos braços de Johnny e beijou-o.

— Oh, Johnny, é tão bom ver você por aqui — disse ela.

— Já faz muito tempo que não nos vemos — declarou Johnny Fontane.

Ele notou que Lucy tinha mudado. Estava mais esbelta, suas roupas eram mais finas e ela as usava com mais elegância. O seu penteado assentava-lhe bem, era uma espécie de corte de cabelo de menino. Ela parecia mais jovem e melhor do que ele jamais a vira em toda a vida, e passou-lhe pela mente a idéia de que ela podia fazer-lhe companhia ali em Las Vegas. Seria um prazer ter a seu lado uma verdadeira mulher. Mas antes mesmo de concretizar o convite, Johnny se lembrou de que ela a garota do médico. Assim, isso estava fora de cogitação. Ele sorriu amável para ela e perguntou:

— Que é que faz vindo ao apartamento de Nino de noite, hem?

Lucy bateu-lhe no ombro.

— Ouvi dizer que Nino estava doente e que Jules tinha subido para cá. Eu queria apenas ver se podia ajudar. Nino está bem, não está?

— Certamente — respondeu Johnny. — Ele ficará logo bom.

— Ele está ruim como o diabo — disse Jules, esparramando-se no sofá. Sugiro que todos nós nos sentemos aqui para esperar que Nino volte a si. E então falaremos a ele da necessidade de interná-lo. Lucy, você gosta dele, talvez possa ajudar. Johnny, se você é de fato amigo dele, tem de ajudar também. Do contrário, o fígado do velho Nino estará dentro de pouco tempo em exposição no laboratório médico de alguma universidade.

Johnny sentiu-se ofendido com a atitude irreverente do médico. Quem diabo pensava ele que era? Ele ia começar a dizer isso quando ouviu a voz de Nino vindo da cama:

— Alô, companheiro velho, que tal um trago?

Nino estava sentado na cama. Sorriu para Lucy e disse:

— Alô, meu bem, venha cá abraçar o velho Nino.

Ele estava com os braços bem abertos. Lucy sentou-se na beirada da mina e deu-lhe um abraço. Bastante estranho era que Nino não parecia estar ruim agora, seu aspecto era quase normal.

Nino estalou os dedos.

— Vamos, Johnny, dê-me um trago. A noite ainda é uma criança. Onde diabo está a minha mesa de jogo?

Jules tomou um gole longo de seu próprio copo e falou para Nino:

— Você não pode beber. O seu médico lhe proíbe.

— Foda-se o meu médico! — urrou Nino.

Depois fez uma cara dramática de arrependimento.

— Alô, Julie, é você. Você é meu médico, está certo? Não me referi a você, companheiro velho. Johnny, traga-me uma bebida ou eu me levanto da cama e vou apanhá-la.

Johnny deu de ombros e caminhou na direção do bar.

Jules falou com indiferença.

— Estou dizendo que ele não deve beber.

Johnny sabia por que Jules o irritava. A voz do médico era sempre fria, as palavras nunca se acentuavam por mais terríveis que fossem, a voz era sempre baixa e controlada. Se ele dava um aviso, o aviso era apenas em palavras, a própria voz era neutra, como que descuidada. Foi isso que fez Johnny ficar bastante aborrecido e levar a Nino o copo de uísque. Antes de entregá-lo ao amigo, ele perguntou a Jules: