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— Isto não vai matá-lo, não é verdade?

— Não,  não vai matá-lo .— respondeu Jules calmamente.

Lucy lançou-lhe um olhar ansioso, começou a dizer alguma coisa, depois resolveu ficar quieta. Entrementes, Nino tinha apanhado o copo e despejado a bebida goela abaixo.

Johnny estava sorrindo para Nino; eles tinham mostrado ao idiota do médico. De repente, Nino respirou convulsivamente, o seu rosto parecia ter ficado azul, ele não podia mais respirar e estava sufocado, com falta de ar. O seu corpo pulou para cima como um peixe fora da água, o seu rosto estava impressionantemente carregado de sangue, os olhos inchados. Jules apareceu do outro lado da cama de frente para Johnny e Lucy. Pegou Nino pelo pescoço e segurou-o firmemente para que ele não se mexesse e mergulhou a agulha no ombro, na parte em que se unia com o pescoço. Nino caiu mole em suas mãos, as arfadas do seu corpo abrandaram e após um momento ele arriou novamente no travesseiro. Seus olhos se fecharam; adormeceu profundamente.

Johnny, Lucy e Jules voltaram para a sala de estar do apartamento e sentaram-se em volta da enorme e sólida mesa de café. Lucy pegou um dos telefones de água-marinha e pediu que mandassem café e alguma coisa para comer. Johnny tinha ido até o bar e misturava uma bebida para si mesmo.

— Você sabia que ele teria essa reação após tomar o uísque? — indagou Johnny.

Jules deu de ombros.

— Eu tinha plena certeza disso — afirmou.

— Então por que você não me avisou? — perguntou Johnny asperamente.

— Eu lhe avisei — respondeu Jules.

— Você não me avisou direito — retrucou Johnny com raiva. — Você é realmente um diabo de médico. Não tem pena de nada. Você me diz para levar Nino para um hospício, você nem sequer se preocupa em usar uma palavra mais branda como sanatório. Você gosta de fato de atormentar as pessoas, não é verdade?

Lucy estava olhando para baixo, para o seu colo. Jules continuava a rir para Johnny Fontane.

— Nada iria impedir você de dar aquela bebida a Nino. Você precisava mostrar que não tinha de aceitar meus avisos, minhas ordens. Lembra-se quando você me ofereceu um emprego como seu médico particular depois daquele negócio da garganta? Rejeitei porque sabia que você jamais levaria a coisa a sério. Um médico pensa que é Deus, ele é o sumo sacerdote na sociedade moderna, esta é uma de suas recompensas. Mas você jamais me trataria desse modo. Eu seria um Deus lacaio para você. Como os médicos que vocês têm em Hollywood. Onde vocês arranjam essa gente, de qualquer modo? Meu Deus, eles não sabem nada ou apenas não se importam? Eles devem saber o que está acontecendo com Nino, mas vão-lhe dando apenas todo o tipo de droga para que ele continue a viver. Usam aquelas roupas de seda e o bajulam porque você é um poderoso homem do cinema e você pensa que eles são grandes sumidades. Artistas, diretores, produtores, médicos, vocês têm coração? Certo? Mas eles pouco se importam que vocês vivam ou morram. Bem, eu tenho a pequena mania, por imperdoável que ela seja, de manter vivas as pessoas. Deixei você dar aquela bebida a Nino para lhe mostrar o que poderia acontecer.

Jules inclinou-se para Johnny Fontane e voltou a falar com a voz ainda calma, fria:

— O seu amigo está quase no fim da linha. Será que você entende isso? Ele não tem qualquer possibilidade sem terapia e cuidado médico rigoroso. A sua pressão sanguínea, diabetes e maus hábitos podem causar-lhe uma hemorragia cerebral até daqui a poucos instantes. O seu crânio poderá explodir. Isso bastante claro para você? De fato, eu disse hospício. Quero que você compreenda o que é necessário. Ou você não dará um passo sequer. Vou-lhe falar claramente. Você pode salvar a vida de seu companheiro, se interná-lo num lugar apropriado. Do contrário, pode dizer-lhe adeus.

— Jules, querido — disse Lucy em voz baixa — não seja tão duro Apenas diga a ele o que tem de dizer.

Jules levantou-se. A sua frieza habitual tinha desaparecido, Johnny Fontane notou com satisfação. A sua voz também tinha perdido sua monotonia não-acentuada.

— Você pensa que esta foi a primeira vez que tive de falar a gente como você numa situação como essa? — perguntou Jules. — Eu fazia isso todo dia. Lucy pede para eu não ser duro, mas ela não sabe do que está falando. Você sabe, eu costumava dizer às pessoas que não comessem tanto ou morreriam, que não fumassem tanto ou morreriam, que não trabalhassem tanto ou morreriam, que não bebessem tanto ou morreriam. Ninguém ouvia. Você sabe por quê? Porque eu não digo: “Você morrerá amanhã.” Bem, posso dizer-lhe que Nino pode muito bem morrer amanhã.

Jules foi até o bar e preparou outra bebida.

— Que tal, Johnny, você vai internar Nino?

— Não sei — respondeu Johnny.

Jules tomou uma bebida rápida no bar e encheu o copo novamente.

— Você sabe, é uma coisa engraçada, a gente pode fumar até morrer, beber até morrer, trabalhar até morrer e mesmo comer até morrer. Mas tudo isso é aceitável. A única coisa que a gente não pode fazer medicamente é se estrepar até morrer, e é aí que se põem todos os obstáculos.

Ele fez uma pausa para terminar a sua bebida e continuou:

— Mas até isso é complicação, principalmente para as mulheres. Tive clientes que não podiam mais ter filhos. “Ë perigoso”, eu dizia a elas. “Você pode morrer”, eu dizia a elas. E um mês depois elas apareciam, com as faces inteiramente rosadas, dizendo: “Doutor, penso que estou grávida”, e com toda a certeza era verdade. “Mas é perigoso”, eu dizia a elas. Minha voz costumava ter expressão naquela época. E elas sorriam para mim, dizendo: “Mas meu marido e eu somos católicos fervorosos.”

Ouviu-se uma batida, e dois garçons entraram empurrando um carrinho cheio de comida e bules de cafés de prata. Tiraram uma mesa portátil da parte de baixo do carrinho e a montaram. Depois Johnny os dispensou.

Sentaram-se à mesa e comeram os sanduíches quentes que Lucy pedira, acompanhados do café. Johnny recostou-se na cadeira e acendeu um cigarro.

— Então, você gosta de salvar vidas. Como é que você se tornou um especialista em abortos?

Lucy desabafou pela primeira vez.

— Ele queria ajudar as moças em dificuldades, moças que poderiam cometer suicídio ou fazer alguma coisa perigosa para se livrar da criança.

Jules sorriu para ela e suspirou:

— Não é assim tão simples. Tornei-me cirurgião finalmente. Eu tinha boa mão, como se diz vulgarmente. Mas eu era tão bom que tinha medo de mim mesmo. Eu abria a barriga de um pobre coitado e sabia que ele ia morrer. Eu operava e sabia que o câncer, ou tumor, voltaria, mas eu os mandava embora com um sorriso e um bocado de conversa mole. Vinha uma pobre mulher e eu cortava-lhe um seio. Um ano depois, ela voltava e eu cortava-lhe o outro seio. Um ano depois disso, eu catava nas suas entranhas como a gente cata as sementes de uma melancia. Depois de tudo isso, ela morria de qualquer modo. Enquanto isso, os maridos continuavam a telefonar e perguntar: “Que é que mostram os exames?”

Jules fez uma pausa e prosseguiu:

— Assim, contratei outra secretária apenas para atender esses telefonemas. Eu só via a paciente quando ela estava completamente preparada para exame, testes ou operação. Eu gastava o mínimo tempo possível com a vítima porque, afinal de contas, era um homem ocupado. E finalmente eu permitia que o marido falasse comigo dois minutos. “É o fim”, dizia eu. E eles nunca queriam ouvir esta última palavra. Compreendiam o que significava, mas nunca a ouviam. Pensei a princípio que inconscientemente eu baixava a voz ao pronunciar a última palavra, assim eu conscientemente passei a dizê-la mais alto. Mas eles continuavam a não ouvi-la. Um sujeito chegou a perguntar: “Que diabo está dizendo você? Não estou entendendo.”

Jules começou a rir, depois continuou: