— Está bem — respondeu ela.
Ela estava num daqueles seus maus dias, raros, mas que ocorriam de vez em quando. Não era fácil, para ela, levar aquele tipo de vida.
Ela o viu tomar uma dose extraordinariamente grande de bebida.
— De que é que você está procurando se consolar? — perguntou Virginia. — Tudo está correndo tão maravilhosamente para você. Nunca sonhei que você fosse um homem de negócios tão eficiente.
Johnny sorriu para ela.
— Não é tão difícil assim — retrucou ele.
Ao mesmo tempo ele estava pensando, então isso era o que estava errado. Ele compreendia as mulheres e sabia agora que Virginia estava desolada porque pensava que ele possuía tudo à sua moda. As mulheres realmente detestavam ver seus homens indo muito bem. Isso as irritava. Tornava-as menos seguras a respeito do domínio que exerciam sobre eles através da afeição, do hábito sexual ou dos laços matrimoniais. Assim, mais para consolá-la do que para externar as suas próprias queixas, ele disse:
— Que diabo de diferença faz se eu não posso cantar?
Virginia respondeu um tanto aborrecida:
— Oh, Johnny, você não é mais criança. Está com mais de trinta e cinco anos de idade. Por que continua a se preocupar com essa bobagem de querer cantar? Você faz muito mais dinheiro como produtor, não é mesmo?
Johnny olhou para ela curiosamente e respondeu:
— Eu sou cantor. Gosto de cantar. Que é que a idade tem a ver com isso?
Virginia estava impaciente.
— Na verdade, jamais gostei que você cantasse. Agora que você mostrou que pode fazer filmes, sinto-me contente porque você não pode cantar mais.
Os dois se surpreenderam quando Johnny retrucou furioso:
— Ë uma indecência de sua parte dizer uma coisa dessas.
Ele estava abalado. Como podia Virginia sentir-se assim, como podia ela detestá-lo tanto?
Virginia sorriu por ele ter-se magoado e porque era tão insultuoso que ele se tivesse zangado com ela e retrucou:
— Como pensa você que eu me sentia quando todas aquelas garotas vinham correndo atrás de você devido ao seu modo de cantar? Como você se sentiria se eu andasse com a bunda de fora pela rua para que os homens viessem correndo atrás de mim? Assim é que eu considerava o seu canto, e eu sempre desejei que você perdesse a voz e nunca mais pudesse voltar a cantar. Mas isso foi antes de nos divorciarmos.
Johnny terminou a bebida.
— Você não entende nada. Absolutamente nada.
Ele foi até a cozinha e discou o número de Nino. Combinou encontrar- se com ele em Palm Springs para passar o fim de semana e deu a Nino o número de uma garota para quem ele devia telefonar, uma garota verdadeiramente bonita e encantadora com quem ele pretendia encontrar-se.
— Ela arranjará uma amiga para você — disse Johnny. — Estarei em sua casa dentro de uma hora.
Virginia despediu-se friamente quando ,Johnny partiu. Ele pouco se incomodou, era uma das raras vezes em que estava zangado com ela. O diabo com tudo aquilo, ele iria farrear no fim de semana e curar aquela chateação.
De fato, tudo correu muito bem em Palm Springs. Johnny foi para a casa que possuía lá e que estava sempre aberta e com empregados naquela época do ano. As duas garotas eram novas demais para proporcionarem grande diversão e não estavam muito interessadas em conceder certo tipo de favor. Algumas pessoas vieram fazer-lhes companhia na piscina até a hora da ceia. Nino foi para o quarto com a garota, a fim de se aprontar para a ceia e dar uma rápida trepada, enquanto estava ainda quente do sol. Johnny não se sentia disposto, então mandou a sua garota, uma loura baixinha e bem recortada chamada Tina, tomar banho de chuveiro sozinha. Ele jamais poderia fazer amor com outra mulher depois de ter brigado com Virginia.
Johnny entrou na sala de estar com paredes de vidro onde se encontrava um piano. Quando cantava com a banda, ele brincava com o piano apenas para se divertir, assim podia escolher uma canção num estilo de balada meio romântica. Sentou-se e começou a cantarolar um pouco, acompanhando-se ao piano, muito suavemente, murmurando algumas palavras, mas não cantando realmente. Antes que ele percebesse, Tina entrou na sala de estar preparando-lhe uma bebida e sentando-se ao seu lado ao piano. Johnny tocou algumas melodias e ela cantarolou com ele. Ele a deixou no piano e subiu para tomar o seu banho de chuveiro. No banheiro, ele cantou algumas frases curtas, quase que falando. Vestiu-se e depois desceu. Tina estava ainda sozinha; Nino estava realmente “castigando” a sua garota ou embriagando-se.
Johnny sentou-se ao piano novamente, enquanto Tina dava uma voltinha lá fora para ver a piscina. Ele começou a cantar uma de suas velhas canções. Não havia ardência em sua garganta. Os tons saíam abafados, mas na intensidade correta. Ele olhou para o pátio. Tina ainda estava lá, a porta de vidro estava fechada, ela não o ouviria. Por algum motivo, ele não queria que ninguém ouvisse. Começou a cantar uma velha balada de sua preferência. Cantou bem alto como se cantasse em público, deixando a voz correr normalmente, esperando que a ardência habitual começasse a irritar-lhe a garganta, mas não sentiu nada. Prestou atenção à sua voz, estava um pouco diferente, mas ele gostou. Era mais grave, era a voz de um homem, não de uma criança, rica, pensou ele, embora mais gutural. Terminou a canção de modo cada vez mais lento e sentou-se ao piano pensando no assunto.
Atrás dele Nino gritou:
— Você não se saiu mal, companheiro, realmente, não se saiu mal.
Johnny virou o corpo. Nino estava postado no vão da porta, sozinho. A sua garota não estava com ele. Johnny sentiu um alívio. Ele não se incomodava que Nino o ouvisse.
— Sim — disse Johnny. — Vamo-nos livrar dessas duas zinhas. Mande-as para casa.
— Você é quem deve mandá-las embora — retrucou Nino. — São boas garotas, não quero melindrá-las. Além disso, trepei duas vezes com a minha. Como é que posso mandá-la embora sem ao menos dar-lhe de jantar?
O diabo com aquilo, pensou Johnny. Que as garotas ouvissem mesmo que ele cantasse horrorosamente. Ele telefonou para o diretor de uma banda que conhecia em Palm Springs e pediu-lhe que mandasse um bandolim para Nino. O diretor da banda protestou:
— Diabo, ninguém toca bandolim aqui na Califórnia.
— Quero que você arranje um! — berrou Johnny.
A casa estava cheia de equipamento de gravação, e Johnny fez as duas garotas manobrarem o botão de ligar e desligar e o do volume. Depois do jantar, Johnny foi trabalhar. Fez Nino tocar o bandolim como acompanhamento e cantou todas as suas velhas canções. Cantou todas elas do começo ao fim, não poupando absolutamente a voz. A sua garganta estava ótima, ele sentia que podia cantar toda a vida. Nos meses em que não pudera cantar, ele às vezes pensava como deveria cantar, como deveria pronunciar a letra da canção de um modo diferente, agora que não era mais criança. Cantara as canções em sua cabeça com variações de ênfase mais complicadas. Agora ele estava fazendo realmente aquilo. As vezes, saia errado no canto real, uma coisa que parecia boa quando ele a ouvia em sua cabeça; não saía bem quando procurava cantar em voz alta. Bem alto, pensava ele. Johnny não ouvia a si mesmo agora, ele se concentrava em cantar. Atrapalhava-se um pouco com o ritmo, mas isso estava bem, apenas a voz era um pouco gutural. Ele tinha um metrônomo na cabeça que nunca falhava. Precisava apenas de um pouco de prática.
Finalmente parou de cantar. Tina veio em sua direção com os olhos brilhando e deu-lhe um beijo demorado.
— Agora sei por que mamãe vai assistir a todos os seus filmes — disse ela.
Era uma coisa errada para se dizer em qualquer momento, menos naquele. Johnny e Nino deram uma gargalhada.
Tocaram a fita de gravação e agora Johnny pôde ouvir realmente a si mesmo. A sua voz tinha mudado bastante, mas era ainda indiscutivelmente a voz de Johnny Fontane. Tinha-se tornado mais rica e mais grave, como ele notara antes, mas havia também a qualidade de um homem cantando e não um rapaz. A voz tinha mais emoção verdadeira, mais dignidade. E a parte técnica do seu canto era bem superior a qualquer coisa que ele já tivesse feito.