Mas ela sorriu para ele quando disse aquilo.
— Você não vai chegar tarde em casa, vai? — perguntou ela.
— Antes de meia-noite — respondeu Michael. — Não me espere acordada se você se sentir cansada.
— Esperarei acordada — retorquiu ela.
Na reunião daquela noite, na biblioteca da sala do canto da casa de Don Corleone, estavam presentes o próprio Don, Michael, Tom Hagen, Casio Rizzi e os dois caporegimes, Clemenza e Tessio.
A atmosfera da reunião não era, de forma alguma, tão cordial como nos velhos tempos. Desde que Don Corleone anunciara sua semi-aposentaria e a elevação de Michael à direção do negócio da Família, havia certa tensão. A sucessão no controle de um empreendimento como a Família não era, de forma alguma, hereditária. Em qualquer outra Família, caporegimes poderosos, tais como Clemenza e Tessio, teriam ascendido à posição do Don. Ou pelo menos teriam tido permissão para separar-se e formar a sua própria Família.
Então, também, desde que Don Corleone fizera a paz com as cinco Famílias, a força da Família Corleone declinara. A Família Barzini era agora indiscutivelmente a mais poderosa na área de Nova York; aliada como estava aos Tattaglia, ela agora mantinha a posição que a Família Corleone mantivera outrora. Também ela reduzia ardilosa e gradualmente o poder da Família Corleone, invadindo as suas áreas de jogo, experimentando as reações dos Corleone e, achando-os fracos, estabelecendo os seus próprios bookmakers.
Os Barzini e Tattaglia estavam exultantes com a aposentadoria de Don Corleone. Michael, por mais poderoso que pudesse ser, jamais esperaria ser igual a Don Corleone em astúcia e influência, pelo menos antes de decorrida uma década. A Família Corleone estava definitivamente em decadência.
Ela havia, evidentemente, sofrido sérios infortúnios. Freddie provara não ser nada mais do que um hoteleiro e conquistador de mulheres, sendo que a expressão “conquistador de mulheres” era intraduzível, mas sugeria uma criança voraz sempre agarrada ao seio da mãe — em suma, um homem fraco. A morte de Sonny fora também um desastre. Ele era um homem a ser temido, não a ser tomado levianamente. De fato, cometera um erro ao mandar seu irmão mais moço, Michael, matar o turco e o capitão da polícia. Embora fosse necessário num sentido tático, numa estratégia a longo prazo isso provou ser um erro calamitoso. Forçara finalmente Don Corleone a se levantar de sua cama de enfermo. Privara Michael de dois anos de valiosa experiência e rigoroso treinamento sob a orientação do pai. E evidentemente escolher um irlandês para consigliori fora a única tolice que Don Corleone perpetrou em toda a sua carreira. Nenhum irlandês podia igualar um siciliano em astúcia. Esta era a opinião de todas as Famílias, e elas naturalmente mostravam-se mais respeitosas para com a aliança Barzini-Tattaglia do que para com os Corleone. A opinião delas a respeito de Michael era que ele não era igual a Sonny em força, embora certamente fosse mais inteligente, porém não mais inteligente do que o pai. Um sucessor medíocre e um homem que não devia ser muito temido.
Além disso, embora Don Corleone fosse geralmente admirado por sua habilidade diplomática em fazer a paz, o fato de não ter ele vingado a morte de Sonny contribuiu para que a Família perdesse grande parte de seu prestígio. Reconhecia-se que tal habilidade diplomática proviera unicamente de fraqueza.
Tudo isso era sabido pelos homens que se achavam reunidos naquela sala, e talvez até acreditado por alguns. Carlo Rizzo gostava de Michael, mas não o temia como temera Sonny. Clemenza também, embora concedesse a Michael um crédito de bravura por ter assassinado o turco e o capitão da polícia, não podia deixar de achar que Michael era muito mole para ser Don. Clemenza esperara ter permissão para formar sua própria Família, para ter seu próprio império, separado dos Corleone. Mas o Don respondera que não concedia licença para isso, e Clemenza respeitava muito o Don e não ousava desobedecer tal decisão. A menos que a situação se tornasse de todo intolerável.
Tessio tinha uma opinião melhor de Michael. Percebia algo mais no jovem: uma força habilmente mantida oculta, um homem que procurava manter ciosamente resguardada a sua verdadeira força, seguindo o preceito de Don Corleone de que um amigo deve sempre subestimar as nossas virtudes e um inimigo sobrestimar os nossos defeitos.
O próprio Don Corleone e Tom Hagen evidentemente confiavam bastante em Michael. O Don jamais teria se aposentado, se não acreditasse inteiramente na habilidade do filho em recuperar o prestígio da Família. Hagen fora o professor de Michael durante os últimos dois anos e estava espantado com a facilidade com que Michael apreendera toda a complexidade do negócio da Família. Ele era verdadeiramente filho do pai.
Clemenza e Tessio estavam aborrecidos com Michael porque ele reduzira a força dos regimes deles e nunca reconstituíra o regime de Sonny. A Família Corleone, com efeito, tinha agora apenas duas divisões de combate com menos pessoal do que antes. Clemenza e Tessio consideravam isso um suicídio, especialmente quando os Barzini e Tattaglia invadiam vários setores do império dos Corleone. Assim esperavam agora que tais erros fossem corrigidos naquela reunião extraordinária convocada pelo Don.
Michael começou a contar-lhes a viagem a Las Vegas e a recusa de Moe Greene à proposta para vender a sua parte.
— Mas lhe faremos uma oferta que ele não poderá recusar — acrescentou ele. — Vocês já sabem do projeto da Família Corleone para transferir as suas operações para o Oeste. Teremos quatro dos hotéis-cassinos na Faixa. Mas não podemos realizá-lo agora. Precisamos de tempo para acertar as coisas.
Dirigindo-se diretamente a Clemenza, falou:
— Pete, você e Tessio, quero que fiquem a meu lado durante um ano sem perguntas e sem reservas. No fim desse ano, vocês dois podem separar-se da Família Corleone e tornarem-se seus próprios chefes, ter suas próprias Famílias. Evidentemente, não preciso dizer que manteremos nossa amizade. Eu não desapontaria vocês, pois o respeito de vocês por meu pai não esqueço um instante sequer. Mas até o término desse tempo, quero que sigam a minha liderança e não se preocupem. Há negociações em andamento sobre isso que resolverão problemas que vocês consideram insolúveis. Portanto, peço apenas que sejam um pouco pacientes.
— Se Moe Greene deseja falar com o seu pai, por que não deixá-lo fazer isso? — perguntou Tessio. — Don Corleone sempre conseguiu convencer qualquer pessoa, nunca houve alguém que pudesse resistir à sua argumentação.
— Estou aposentado — atalhou Don Corleone. — Michael perderia o respeito de vocês, se eu interviesse no assunto. Além disso, ele é um homem com quem eu não gostaria de falar.
Tessio lembrou-se das histórias que ouvira sobre Moe Greene, que esbofeteara Freddie Corleone uma noite no hotel de Las Vegas. Começou a desconfiar de algo. Recostou-se na cadeira. Moe Greene era um homem morto, pensou ele. A Família Corleone não desejava convencê-lo.
Carlo Rizzi perguntou:
— A Família Corleone vai deixar totalmente de operar em Nova York?
Michael acenou com a cabeça afirmativamente.
— Venderemos o negócio de azeite. Tudo o que pudermos passaremos para Tessio e Clemenza. Mas, Carlo, não quero que você se preocupe com o seu emprego. Você foi criado em Nevada, você conhece o Estado, conhece o povo. Estou contando com você para ser meu braço direito quando a gente se mudar para lá.
Carlo recostou-se na sua cadeira, com o rosto vermelho de satisfação. A sua hora estava chegando, ele se empolgava com o aceno do poder.
—Tom Hagen não é mais o consigliori — prosseguiu Michael. — Vai ser nosso advogado em Las Vegas. Daqui a uns dois meses, ele se mudará para lá, em caráter permanente, com a família. Exclusivamente como advogado. Ninguém lhe apresentará qualquer outro assunto a partir de agora, deste instante. Ele é advogado, e só isso. Nada tenho de desabonador contra Tom, apenas quero a coisa assim. Além disso, se precisar de conselho, alguma vez, quem pode ser melhor conselheiro do que meu pai?