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Neri e a mulher estavam quase para ir embora quando Tommy finalmente se levantou. Ele mal pronunciou um “olá” e foi para a cozinha. Finalmente gritou de lá para a mãe:

— Alô, mãe, quer preparar alguma coisa para eu comer?

Mas não era um pedido. Era a queixa manhosa de uma criança mimada.

A mãe respondeu estridentemente:

— Levante-se na hora da refeição para poder comer. Não vou cozinhar novamente só para você.

Era o tipo da cena horrorosa, aliás muito comum, mas Tommy ainda um pouco irritado do seu sono cometeu um erro.

— Ah, então, foda-se você e o seu mau humor, eu vou sair e comer lá fora!

Tão logo disse isso, Tommy se arrependeu.

O tio Al pulou sobre ele como um gato em cima de um rato. Não tanto pelo insulto à irmã naquele dia especial, mas porque era evidente que ele freqüentemente falava com a mãe daquele jeito quando os dois estavam a sós. Tommy nunca se atrevia a dizer tal coisa na presença do irmão da mãe. Mas naquele domingo ele se distraiu. Azar dele.

Ante os olhos apavorados das duas mulheres, Al Neri deu no sobrinho uma tremenda surra cautelosa e impiedosa. A princípio, o rapaz fez uma tentativa para se defender, mas logo desistiu e pediu misericórdia. Neri esbofeteou-lhe o rosto até que os seus lábios ficaram inchados e sangrando. Sacudiu a cabeça do rapaz para trás e jogou-o de encontro à parede. Socou-lhe o estômago, depois deitou-o de bruços no chão e bateu-lhe com o rosto no tapete. Pediu às duas mulheres que esperassem e fez Tommy descer para a rua e entrar em seu carro. Então, disse o diabo ao rapaz.

— Se a minha irmã alguma vez me contar que você falou com ela novamente desse jeito, a surra que você levou hoje vai parecer uns beijinhos de mulher — avisou a Tommy. — Quero ver você proceder como gente. Agora suba para casa e diga à minha mulher que estou esperando por ela.

Foi dois meses depois disso que Al Neri voltou para casa de um trabalho até tarde da noite na polícia e verificou que a mulher o tinha abandonado. Ela havia arrumado todas as suas coisas e retornado para a casa da família. O pai dela informou-o que Rita tinha medo dele, que tinha medo de viver com ele por causa do seu gênio. Al ficou assombrado e não acreditou. Nunca batera na mulher, nunca a ameaçara de forma alguma, nunca sentira outra coisa a não ser amor por ela. Mas ficou tão atordoado com a atitude da esposa que resolveu deixar passar alguns dias para ir até a casa da família dela para falar com a mulher.

Deu azar porque na noite seguinte ele teve uma complicação no seu turno de trabalho, O carro dele recebeu um chamado do Harlem, uma comunicação de um assalto com morte. Como de costume, Neri saltou do carro-patrulha ainda em movimento. Já passava da meia-noite e ele levava a sua enorme lanterna. Foi fácil localizar a ocorrência. Havia uma multidão reunida do lado de fora da porta de uma casa de cômodos. Uma preta disse a Neri:

— Há um homem aí cortando uma mocinha.

Neri entrou no corredor. Havia uma porta aberta lá no fundo com a luz muito fraca e ele ouviu alguém gemendo. Ainda segurando a lanterna, foi andando pelo corredor e atravessou a porta aberta.

Quase caiu quando tropeçou em dois corpos estirados no chão. Um era de uma moça preta de cerca de 25 anos de idade. O outro era de uma menina preta que não tinha mais de 12. Ambas estavam sangrando de cortes de navalha no rosto e no corpo. Na sala da frente, Neri viu o homem responsável pelo crime. Ele o conhecia bem.

O homem era Wax Baines, um conhecido cafetão, traficante de entorpecentes e valentão. Seus olhos estavam inchados, sob o efeito de entorpecentes; a faca ensangüentada que ele segurava na mão balançava. Neri o prendera duas semanas antes por agredir violentamente uma de suas prostitutas na rua. Baines lhe dissera:

— Escute, homem, você não tem nada com isso aqui.

E o companheiro de Neri também falara algo a respeito de deixar os pretos se cortarem uns aos outros, se assim o desejassem, mas Neri arrastou Baines para o distrito. Logo no dia seguinte, Baines foi solto sob fiança.

Neri jamais gostara de pretos, e trabalhar no Harlem o fez gostar ainda menos deles. Os pretos viviam tomando entorpecentes ou se embriagando enquanto as mulheres trabalhavam ou pegavam homem. Ele não tinha a menor consideração por qualquer desses salafrários. Assim a descarada infração da lei cometida por Baines o enfureceu. E a visão da menina toda cortada a navalha deixou-o doente. Completamente frio, em seu próprio íntimo, ele resolvera não levá-lo preso.

Mas as testemunhas já se estavam aglomerando no apartamento atrás dele, algumas pessoas que viviam no prédio e o seu companheiro do carro-patrulha.

— Largue essa faca, você esta preso! — ordenou Neri.

Baines deu uma gargalhada.

— Homem, você vai ter de usar o seu revólver para me prender. — Levantou a faca e falou: — Ou talvez você queira isso!

Neri moveu-se muito depressa para que o seu companheiro não tivesse tempo de puxar o revólver. O preto atacou com a faca, mas os reflexos extraordinários de Neri permitiram-lhe aparar o golpe com a palma da mão esquerda. Com a mão direita, vibrou a lanterna descrevendo um semicírculo no ar. O golpe pegou na parte lateral da cabeça de Baines e o fez dobrar-se sobre os joelhos comicamente como se estivesse bêbedo. A faca caiu-lhe da mão. Ele estava completamente indefeso. Portanto, o segundo golpe foi indesculpável, como o inquérito do departamento de polícia e o julgamento a que Neri foi posteriormente submetido provaram com o auxilio do testemunho das pessoas ali presentes e do seu companheiro da polícia. Neri baixou a lanterna no alto do crânio de Baines com uma violência Incrível que fez esmigalhar o vidro; o escudo de esmalte e a própria lâmpada despregaram-se da lanterna e voaram pelo quarto. O pesado cilindro de alumínio do corpo da lanterna envergou e só as pilhas em seu interior impediram-no de se dobrar sobre si mesmo. Um observador horrorizado, um preto que morava no prédio e que mais tarde depôs contra Neri, comentou:

— Homem, que negro de cabeça dura!

Mas a cabeça de Baines não era tão dura assim. O golpe atingiu-lhe violentamente o crânio. Ele morreu duas horas depois no hospital do Harlem.

Albert Neri foi a única pessoa a ficar surpresa quando abriram inquérito no Departamento de Polícia para apurar as acusações contra ele de usar força excessiva. Foi suspenso de suas funções, sendo apresentadas acusações criminais contra ele. Depois de indiciado por homicídio, foi condenado à pena de um a dez anos de prisão. Naquela época, ele estava tão cheio de fúria frustrada e ódio contra toda a sociedade que não ligava para nada. Ousaram julgá-lo como um criminoso! Ousaram mandá-lo para a prisão por matar um animal como aquele preto cafetão! Não deram a menor importância à mulher e à menina que tinham sido talhadas a navalha, desfiguradas para o resto da vida, e que ainda se encontravam no hospital.

Ele não tinha medo da prisão. Sentia que, em virtude de ter sido um policial e especialmente em virtude da natureza de seu delito, seria bem tratado. Diversos colegas da polícia já lhe tinham garantido que falariam com os amigos. Somente o pai de sua mulher, um astuto italiano antiquado que possuía um mercado de peixe no Bronx, compreendia que um homem como Albert Neri tinha pouca possibilidade de sobreviver um ano atrás das grades. Um dos seus companheiros de prisão o mataria; se não era quase certo que ele mataria um deles. Sentindo-se responsável por ter sua filha abandonado um bom marido por alguma bobagem de mulher, o sogro de Neri recorreu aos seus contatos com a Família Corleone (ele pagava um tributo de proteção a um de seus representantes e fornecia à própria família Corleone o melhor peixe disponível, a título de presente), e pediu a intervenção da Família.

A Família Corleone conhecia Albert Neri. Ele era algo como uma lenda na sua qualidade de polícia legalmente duro; adquirira certa fama como um homem com quem não era fácil de lidar, como um homem que podia inspirar medo por sua própria pessoa, independentemente do uniforme e do revólver autorizado que ele usava. A Família Corleone sempre se interessava por tais homens. O fato de ser ele um policial não significava grande coisa. Muitos rapazes começavam trilhando uma trajetória falsa para chegar ao seu verdadeiro destino. O tempo e a sorte geralmente o punham no caminho certo.