Sentia-se cansado e pronto para ir dormir, mas uma idéia fixou-se em sua memória: cantar com Nino Valenti E de repente percebeu o que agradaria a Don Corleone mais do que qualquer outra coisa. Pegou o telefone e pediu à telefonista que o ligasse com Nova York. Chamou Sonny Corleone e perguntou-lhe o número de Nino Valenti. Em seguida, ligou para Nino, que parecia um pouco bêbedo, como de costume.
— Alô, Nino, você gostaria de vir para cá trabalhar para mim — perguntou Johnny. — Preciso de um cara em que eu possa confiar.
— Palavra de honra, não sei, Johnny — respondeu Nino, brincando — tenho um bom emprego no caminhão, divertindo as mulheres casadas na minha rota, apanhando meus tranqüilos cento e cinqüenta dólares por semana. Que é que você me pode oferecer de melhor?
— Posso fazer você começar com quinhentos dólares e arranjar encontros com estrelas de cinema, que tal? — perguntou Johnny. — E talvez deixe você cantar em minhas festas.
— Sim, está bem, vou pensar no assunto — pilheriou Nino. — Vou falar com meu advogado, com meu contador e com meu ajudante de caminhão.
— Escute, Nino, nada de brincadeiras — retrucou Johnny. — Preciso de você aqui. Quero que você tome o avião amanhã de manhã e venha assinar um contrato de quinhentos dólares por semana por um ano. Depois, se você roubar uma das minhas mulheres e eu o despedir, você terá direito pelo menos a um ano de salário. Está bem?
Houve uma longa pausa. Nino perguntou com voz séria:
— Escute, Johnny, não está brincando?
— Estou falando sério, menino — confirmou Johnny. — Vá ao escritório de meu agente em Nova York. Ali darão a você a passagem de avião e algum dinheiro. Vou telefonar para eles amanhã bem cedo. Assim, você pode passar lá de tarde. Está bem? Depois mandarei uma pessoa recebê-lo no avião e trazê-lo para casa.
Houve novamente uma longa pausa e depois a voz de Nino, muito reprimida, incerta, pronunciou:
— OK, Johnny.
Ele não parecia mais estar bêbedo.
Johnny desligou o telefone e preparou-se para dormir. Sentia-se melhor do que nunca desde que esmagara aquela matriz de gravação.
CAPÍTULO 13
JOHNNY FONTANE, sentado em seu enorme estúdio de gravação, calculava custos num bloco amarelo. Músicos entravam em fila na sala. Todos eram amigos que ele conhecera quando era menino e cantava com as bandas. O maestro, homem importante no negócio de acompanhamento de música popular e que fora bondoso para ele quando as coisas estiveram pretas, distribuía para cada músico um monte de partituras e instruções verbais. Seu nome era Eddie Neils. E aceitara o encargo dessa gravação como um favor a Johnny, embora quase não dispusesse de tempo para isso.
Nino Valenti estava sentado ao piano, brincando nervosamente com as teclas, e bebia o seu uísque em um copo grande. Johnny não ligava para isso. Sabia que Nino cantava bem, tanto bêbedo quanto sóbrio, e o que eles estavam fazendo hoje não exigia realmente qualquer aptidão musical da parte de Nino.
Eddie Neils fizera uns arranjos especiais de algumas antigas canções italianas e sicilianas, e um trabalho especial sobre a canção-desafio que Nino e Johnny haviam cantado no casamento de Connie Corleone. Johnny estava gravando o disco em primeiro lugar, porque sabia que Don Corleone gostava de tais canções e isso constituiria um ótimo presente de Natal para ele. Também tinha o palpite de que o disco seria vendido aos montes, embora talvez não chegasse a um milhão. Além disso, pensava que ajudar a Nino seria a melhor recompensa que Don Corleone podia querer. Afinal de contas, Nino também era um dos afilhados de Don Corleone.
Johnny colocou o bloco amarelo na cadeira dobradiça que estava a seu lado, levantou-se e postou-se junto ao piano.
— Escute, paisan — falou ele.
Nino olhou-o, com ar de riso. Parecia estar adoentado. Johnny inclinou-se e esfregou-lhe as omoplatas.
— Calma, rapaz — disse. — Trabalhe direitinho hoje e eu lhe arranjarei uma trepada com uma das mulheres mais famosas de Hollywood.
Nino tomou um gole de uísque e perguntou:
— Quem é ela.. . Lassie?
Johnny deu uma gargalhada.
— Não, Deanna Dunn. Garanto o material.
Nino ficou impressionado, mas não pôde deixar de dizer com uma falsa esperança:
— Você não pode conseguir a Lassie para mim?
A orquestra irrompeu com a canção de abertura da miscelânea. Johnny Fontane ouvia atentamente. Eddie Neils tocaria todas as canções nos seus arranjos especiais. Depois, se faria a primeira gravação do disco. A proporção que ouvia, Johnny ensaiava as notas mentalmente, entoaria exatamente cada frase e entraria em cada canção. Sabia que sua voz não agüentaria muito, mas Nino se encarregaria da maior parte do canto; Johnny cantaria em segundo pIano. Exceto, naturalmente, na canção-desafio. Teria de se poupar para isso.
Puxou Nino para perto de si, e ambos se postaram ante os microfones. Nino desafinou na abertura e mais adiante. Começou a ficar vermelho e desconcertado. Johnny falou em tom de pilhéria:
— Que é isso, você está fazendo cera para ganhar extraordinário?
— Não me sinto à vontade sem o meu bandolim — respondeu Nino.
Johnny refletiu por um momento.
— Segure este copo com bebida — disse ele.
Parece que surtiu efeito. Nino continuou bebendo, enquanto cantava, e se saía bem. Johnny cantava com facilidade, sem esforço, com a voz floreada em torno da melodia principal entoada por Nino. Não havia qualquer satisfação emocional nessa espécie de canto, mas ficou admirado com a sua própria habilidade técnica. Dez anos de vocalização ensinaram-lhe alguma coisa.
Quando chegaram à canção-desafio que terminava o disco, Johnny soltou a voz, e quando acabaram, as cordas vocais doíam-lhe. Os músicos se empolgaram com a canção final, coisa rara com esses veteranos calejados. Baixavam o som dos instrumentos e batiam com os pés aprovando, parecendo aplaudir. O homem da bateria deu-lhes um rufar.
Com interrupções e trocas de idéias, trabalharam quase quatro horas antes de pararem. Eddie Neils aproximou-se de Johnny e disse tranqüilamente:
— Você se saiu muito bem, menino. Talvez esteja disposto a gravar um disco. Tenho uma canção nova que lhe vem a calhar.
Johnny balançou a cabeça.
— Deixe disso, Eddie, não me goze. Além do mais, dentro de poucas horas estarei tão rouco que não serei capaz de falar. Você acha que temos de consertar muito o que fizemos hoje?
Eddie respondeu com ar pensativo:
— Nino terá de vir ao estúdio amanhã. Cometeu alguns erros. Mas é muito melhor do que eu pensava. Quanto à sua parte, vou fazer os engenheiros de som ajeitarem o que eu não gostar. Está bem?
— Está bem — respondeu Johnny. — Quando poderei ouvir a prensagem?
— Amanhã à noite — retrucou Eddie Neils. — Em sua casa.
— Sim — respondeu Johnny. — Obrigado, Eddie. Até amanhã.
Johnny tomou Nino pelo braço e retirou-se do estúdio. Foram para a casa dele e não para a de Ginny.
Nessa altura, quase anoitecia. Nino estava meio embriagado, Johnny aconselhou-o a tomar um banho de chuveiro e tirar uma soneca. Teriam de ir a uma grande festa às onze horas da noite.
Quando Nino acordou, Johnny instruiu-o.
— Essa festa é no Clube dos Corações Solitários das Estrelas de Cinema. As mulheres ali presentes são as senhoras que você já viu no cinema como rainhas da beleza e do encanto; por elas milhões de sujeitos seriam capazes de oferecer o braço direito, só pelo prazer de dar-lhes uma trepada. E o que as leva a comparecer à festa desta noite é que precisam achar alguém com quem dormir. Você sabe por quê? Porque estão ansiosas por isso, pois sentem-se um pouca velhas. E, como qualquer senhora de respeito, elas agem com um pouco de classe.