Já era noite, quando Don Corleone, Tom Hagen e o motorista e guarda-costas, um homem chamado Rocco Lampone, chegaram à alameda de Long Beach. Quando entraram na casa, Don Corleone disse a Hagen:
— Nosso motorista, esse tal de Lampone, mantenha o olho nele. É um sujeito que merece coisa melhor, penso eu.
Hagen não compreendeu esta observação. Lampone não dissera uma só palavra durante o dia todo, nem sequer lançara um olhar para os dois homens do assento traseiro. Abrira a porta para Don Corleone, o carro estava em frente do banco quando eles saíram, fizera tudo corretamente, mas nada mais do que qualquer motorista bem treinado certamente faria. Evidentemente, o olho de Don Corleone percebera algo que ele não vira.
Don Corleone dispensou Hagen e disse-lhe para voltar depois da ceia, aconselhando-o a aproveitar o tempo e descansar um pouco, pois eles teriam uma longa noite de discussão. Disse também a Hagen que fizesse Clemenza e Tessio estarem presentes. Deviam chegar às 10 horas da noite, não antes. Hagen deveria informar Clemenza e Tessio sobre o que acontecera na reunião.
Às dez horas, Don Corleone estava esperando os três homens em seu escritório, a sala do canto da casa, com sua biblioteca jurídica e telefone especial. Havia uma bandeja com garrafas de uísque, gelo e soda. Don Corleone deu as suas instruções.
— Fizemos a paz esta tarde — disse ele. — Empenhei a minha palavra e a minha honra, e isso deve ser bastante para todos vocês. Mas nossos amigos não merecem tanta confiança, assim devemos manter todos eles ainda sob nossa vigilância. Não queremos mais pequenas e sujas surpresas.
Don Corleone voltou-se para Hagen e perguntou:
— Você deixou os reféns Bocchicchio irem embora?
Hagen acenou com a cabeça afirmativamente.
— Telefonei para Clemenza assim que cheguei em casa.
Don Corleone virou-se para o maciço Clemenza. O caporegime acenou com a cabeça afirmativamente.
— Eu os soltei. Diga-me uma coisa, Padrinho, é possível que um siciliano seja tão estúpido como os Bocchicchio fingem ser?
Don Corleone deu uma pequena risada.
— Eles são bastante espertos para ter um bom meio de vida. Por que é necessário ser mais esperto do que isso? Não são os Bocchicchio que causam as complicações deste mundo. Mas, é verdade, eles não têm a cabeça de um bom siciliano.
Estavam todos com uma disposição de ânimo calma, agora que a guerra tinha acabado, O próprio Don Corleone preparou as bebidas e trouxe uma para cada homem. Bebeu a sua tranqüilamente e acendeu um charuto.
— Não quero que se faça nada para descobrir o que aconteceu com Sonny, isso está combinado e deve ser esquecido. Quero toda a cooperação com as outras Famílias, mesmo que elas se tornem um pouco gananciosas e não obtenhamos a parte que realmente nos compete nas transações. Não quero que nada rompa essa paz, qualquer que seja a provocação, enquanto não descobrirmos um meio de trazer Michael de volta. E quero que isso seja a primeira coisa na cabeça de vocês. Lembrem-se disto, quando ele voltar deve estar em segurança absoluta. Não me refiro aos Tattaglia ou aos Barzini. O que me preocupa é a polícia. Certamente, podemos destruir toda prova concreta contra ele; o garçom não vai depor, nem aquele espectador ou pistoleiro ou seja lá o que for. A prova concreta é o que menos nos preocupa, pois sabemos tudo sobre ela. O que nos deve preocupar é a prova falsa que a polícia pode forjar porque os seus informantes lhe garantiram que Michael Corleone é o homem que matou o capitão. Muito bem. Temos de pedir que as cinco Famílias façam tudo o que puderem para anular essa crença da polícia. Todos os seus informantes que trabalham com a polícia devem surgir com novas histórias. Acho que depois do meu discurso desta tarde eles compreenderão que é do interesse deles que façam assim. Mas isso não é o bastante. Temos de surgir com alguma coisa especial para que Michael nunca mais tenha de se preocupar com isso novamente. Do contrário, não há vantagem em que ele volte para este país. Assim, vamos todos pensar no assunto. Isso é a coisa mais importante.
— Agora — prosseguiu todo homem tem direito de fazer uma besteira na vida. Já pensei na minha. Quero todos os terrenos em torno da alameda, assim como as casas, comprados. Não quero que homem algum possa olhar pela sua janela para o meu jardim, mesmo da distância de quase dois quilômetros. Quero uma cerca em torno da alameda, que deve ser protegida durante todo o tempo. Quero um portão nessa cerca. Resumindo, desejo agora morar numa fortaleza. Deixem-me dizer-lhes agora que nunca mais irei à cidade trabalhar novamente. Estarei semi-aposentado. Sinto necessidade de trabalhar no jardim, de fazer um pouco de vinho quando chegar a época das uvas. Quero viver em minha casa. A única possibilidade de sair dela será quando eu tirar umas pequenas férias, ou quando tiver de ver alguém sobre um negócio importante, e então quero que se tomem todas as precauções. Agora, não levem isso a mal. Não estou preparando nada. Sou e sempre fui um homem prudente, não há nada que eu ache pior neste mundo do que a negligência pela vida. As mulheres e as crianças podem ser negligentes, os homens não. Ajam vagarosamente em todas essas coisas, nada de preparativos frenéticos para assustar os nossos amigos. Pode ser feito de tal maneira que pareça natural.
E Don Corleone continuou:
— Agora vou deixar as coisas cada vez mais a cargo de cada um de vocês três. Quero o regime de Santino debandado e os homens colocados nos regimes de vocês. Isto tranqüilizará nossos amigos e mostrará que eu quero realmente a paz. Tom, quero que você reúna um grupo de homens que vá a Las Vegas e me forneça um informe completo sobre o que se passa por lá. Conte-me o que há com Fredo, o que está realmente acontecendo, ouço dizer que eu não reconheceria o meu próprio filho. Parece que ele agora é cozinheiro, que se diverte com as garotas mais do que deve um homem normal. Bem, ele sempre foi muito sério quando mais jovem e nunca foi o homem indicado para o negócio da Família. Mas vamos ver o que é que realmente se pode fazer lá.
Hagen perguntou tranqüilamente:
— Devemos mandar o seu genro? Afinal de contas, Carlo nasceu em Nevada, conhece tudo aquilo
Don Corleone balançou a cabeça.
— Não, minha mulher está sozinha aqui sem nenhum de seus filhos. Quero que Constanzia e seu marido se mudem para uma das casas da alameda. Quero que Carlo tenha uma função de responsabilidade, talvez eu tenha sido muito duro com ele e — Don Corleone fez uma careta — tenho carência de filhos. Tire-o do negócio de jogo e ponha-o com os sindicatos trabalhistas, onde ele possa fazer algum trabalho burocrático e conversar um pouco. Ele é um bom papo.
Havia um longínquo tom de desprezo na voz de Don Corleone. Hagen acenou com a cabeça.
— Muito bem, Clemenza e eu vamos examinar todo o pessoal e reunir um grupo para fazer o serviço de Las Vegas. Você quer que eu chame Freddie para passar alguns dias aqui em casa?
Don Corleone balançou a cabeça e respondeu cruelmente:
— Para quê? Minha mulher ainda pode cozinhar a nossa comida. Deixe que ele fique por lá.
Os três homens mexeram-se intranqüilamente em seus assentos. Não sabiam que Freddie estivesse assim tão desprestigiado com o pai e desconfiaram que devia haver algo que eles ignoravam.
Don Corleone deu um suspiro.
— Espero plantar alguns pimentões verdes e tomates na horta este ano, mais do que o que podemos comer. Eu os presentearei a vocês. Quero um pouco de paz, um pouco de sossego e tranqüilidade para a minha velhice. Bem, é só isso. Tomem outra bebida se vocês quiserem.