De qualquer forma, Felix Bocchicchio foi solto depois de cumprir três anos de prisão, voltou para casa e beijou a mulher e os três filhos e viveu tranqüilamente durante um ano, e então mostrou que era do clã dos Bocchicchio afinal de contas. Sem qualquer tentativa de esconder sua culpa, arranjou uma arma, uma pistola, e atirou no seu amigo advogado, matando-o. Depois procurou os dois negociantes e calmamente atirou-lhes na cabeça quando eles saíam de uma lanchonete. Deixou os corpos estendidos na rua e entrou na lanchonete onde pediu uma xícara de café que bebeu enquanto esperava que a polícia chegasse para prendê-lo.
O seu julgamento foi rápido e a sentença impiedosa. Um membro do submundo assassinara a sangue frio testemunhas que o tinham enviado para a prisão que ele indiscutivelmente merecia. Era um escárnio flagrante à sociedade e imediatamente o público, a imprensa, a estrutura da sociedade e os humanitários de cabeça mole e de coração também mole se uniram em seu desejo de ver Felix Bocchicchio na cadeira elétrica. O governador do Estado não lhe concederia mais clemência do que os funcionários da carrocinha dispensariam a um cão danado, de acordo com as próprias palavras pronunciadas por um dos mais íntimos colaboradores do governador. O clã dos Bocchicchio naturalmente gastaria quanto dinheiro fosse necessário em apelos para as instâncias superiores; agora, sentiam-se orgulhosos dele, mas a conclusão era certa. Depois das formalidades legais, que poderiam tomar algum tempo, Felix Bocchicchio morreria na cadeira elétrica.
Foi Hagen quem trouxe esse caso à atenção de Don Corleone a pedido de um membro da Família Bocchicchio que alimentava a esperança de que alguma coisa pudesse ser feita em favor do jovem Felix. Don Corleone laconicamente se recusou. Ele não era mágico. As pessoas pediam-lhe o impossível. Mas no dia seguinte, Don Corleone chamou Hagen ao escritório e fê-lo relatar o caso com os mínimos detalhes. Quando Hagen terminou, Don Corleone disse-lhe que convidasse o chefe do clã dos Bocchicchio para uma reunião na alameda.
O que aconteceu a seguir teve a simplicidade de uma idéia genial. Don Corleone garantiu ao chefe do clã dos Bocchicchio que a mulher e os filhos de Felix Bocchicchio seriam recompensados com uma bela pensão. O dinheiro destinado a isso seria imediatamente entregue ao clã dos Bocchicchio. Em troca, Felix devia confessar ter assassinado Sollozzo e o capitão da polícia Mc Cluskey.
Havia muitos detalhes a serem combinados. Felix Bocchicchio teria de confessar de modo convincente, isto é, teria de conhecer alguns dos detalhes verdadeiros para relatar o crime. Também devia implicar o capitão da polícia no tráfico de entorpecentes. Depois, o garçom do Restaurante Luna deveria ser persuadido a identificar Felix Bocchicchio como o assassino. Isso exigiria muita coragem pois a descrição mudaria radicalmente, já que Felix Bocchicchio era mais baixo e robusto. Porém Don Corleone cuidaria disso. Também como o condenado era um homem que acreditava na educação secundária e superior, gostaria que seus filhos freqüentassem a faculdade. Assim, uma soma de dinheiro teria de ser paga por Don Corleone para que os filhos de Felix pudessem cursar a faculdade. Além disso, o clã dos Bocchicchio deveria ter a certeza de que não havia esperança de clemência pelos crimes realmente praticados por Felix. A nova confissão evidentemente selaria a sua condenação fatal, já quase certa.
Tudo foi devidamente combinado, o dinheiro pago e o necessário contato feito com o homem condenado, de forma que ele fosse instruído e aconselhado. Finalmente, o plano foi estabelecido e a confissão fez manchete em todos os jornais. Toda a encenação foi um autêntico sucesso. Mas Don Corleone, cauteloso como sempre, esperou que se passassem quatro meses após a execução de Felix Bocchicchio para finalmente dar a ordem de que Michael Conleone podia voltar para casa.
CAPÍTULO 22
LUCY MANCINI, um ano após a morte de Santino, ainda sentia muita falta dele, sofrendo a sua ausência mais do que qualquer amante em um romance. Seus sonhos não eram tão insípidos como os de uma colegial, e seus anseios não eram os de uma esposa dedicada. Não estava desolada pela perda do “companheiro de sua vida”, nem sentia falta dele pelo seu caráter destemido. Não tinha lembranças ternas de natureza sentimental, de adoração juvenil de um herói, de seu sorriso, ou do brilho engraçado dos seus olhos quando ela dizia alguma coisa carinhosa ou espirituosa.
Não. Sentia a falta dele por um motivo mais importante. É que ele fora o único homem no mundo que conseguira fazer seu corpo sentir o ato de amor. Em sua juventude e ingenuidade, ainda acreditava que fora o único homem capaz de fazer isso.
Agora, um ano depois, tomava seu banho de sol no refrescante clima de Nevada. Em sua companhia, um jovem franzino e louro brincava com os dedos dos seus pés. Estavam ao lado da piscina do hotel naquela tarde de domingo e, apesar de tanta gente ali presente, a mão do rapaz acariciava sua coxa nua.
— Ó Jules, pare — pediu Lucy. — Pelo menos, pensei que os médicos não fossem tão bobos assim.
— Eu sou um médico de Las Vegas.
Coçou-lhe a parte interna da coxa e admirou-se como aquilo podia excitá-la tão fortemente. Demonstrava isso no rosto, embora procurasse ocultá-lo. Realmente, era uma garota muito primitiva, ingênua. Por que ele não podia fazê-la entregar-se? Ele tinha de agir logo, não se importando absolutamente com um amor perdido que jamais poderia ser substituído. Aqui, ele sentia o calor da pele dela que estava exigindo o calor de outro corpo. O Dr. Jules Segal decidiu que daria a grande investida naquela noite, no seu apartamento. Desejava que ela se entregasse sem qualquer artimanha, mas, se houvesse alguma, ele seria o homem indicado para isso. Tudo no interesse da ciência, é claro. E, além disso, essa pobre garota estava morrendo de desejo.
— Jules, pare, por favor, pare — pediu Lucy novamente, com a voz trêmula.
Jules atendeu imediatamente.
— Está bem, querida — respondeu ele.
Pôs a cabeça no colo dela, e usando-lhe as coxas macias como travesseiro, tirou uma soneca. Divertiu-se com suas contorções, com o calor que emanava de seu corpo, e quando ela pôs a mão na cabeça dele para alisar-lhe o cabelo, Jules agarrou-lhe o pulso brincando e segurou-o amorosa mas firmemente, para sentir-lhe a pulsação. Estava aos galopes. Conquista-la-ia naquela noite e resolveria o mistério, fosse qual fosse. Cheio de confiança, o Dr. Jules Segal caiu no sono.
Lucy observava o pessoal em torno da piscina. Jamais poderia ter imaginado que sua vida se modificasse tanto, em menos de dois anos. Nunca se arrependera de sua “bobagem”, no casamento de Connie Corleone. Era a coisa mais admirável que lhe tinha acontecido, e ela sentira aquilo inúmeras vezes em seus sonhos. Como sentira vezes sem conta nos meses que se seguiram.
Sonny visitava-a uma vez por semana; às vezes duas. Nos dias que precediam a visita dele, seu corpo ficava num verdadeiro tormento. A paixão que um nutria pelo outro era da maneira mais elementar, desprovida de poesia ou de intelectualismo. Era o amor na forma mais grosseira, amor puramente carnal.