Só Don Corleone, postado na entrada do canto da casa, sentiu qualquer coisa errada. Entusiasticamente, com um bom humor franco, cauteloso para não ofender os convidados, ele gritou:
— Meu afilhado viajou quase 5.000 quilômetros para nos prestar essa honra e ninguém pensa em molhar sua garganta?
Imediatamente, uma dúzia de cálices de vinho foram postos diante Johnny Fontane. Ele tomou um gole de todos eles e correu para abraçar o Padrinho. Ao fazer isso, murmurou alguma coisa no ouvido de Don Corleone. Este levou-o para dentro da casa.
Tom Hagen estendeu a mão, quando Johnny entrou na sala. Johnny apertou-a, perguntando:
— Como vai você, Tom?
Sem o seu encanto habitual, que consistia numa autêntica cordialidade para com as pessoas. Hagen sentiu-se um tanto magoado pela sua frieza, mas deu de ombros. Isso era uma das inconveniências por ser o homem de confiança de Don Corleone.
Johnny Fontane disse a Don Corleone:
— Quando recebi o convite de casamento eu disse para mim mesmo: “Meu Padrinho não é mais louco por mim.” Eu lhe telefonei cinco vezes depois do meu divórcio e Tom sempre me dizia que você estava fora ou ocupado; assim eu sabia que você estava aborrecido.
Don Corleone enchia os cálices com o líquido da garrafa de strega.
— Tudo está esquecido. Agora, posso ainda fazer algo por você? Não será você tão famoso, tão rico, que eu não possa ajudá-lo mais?
Johnny engoliu o líquido amarelo ardente e estendeu o cálice para ser enchido novamente. Ele procurava parecer jovial.
— Não sou rico, Padrinho. Estou em decadência. Você tinha razão. Eu nunca devia ter deixado minha mulher e filhas por essa vagabunda com quem casei. Não o culpo por ter ficado aborrecido comigo.
Don Corleone deu de ombros.
— Eu me preocupo com você, você é meu afilhado, é só isso.
Johnny andava de um lado para o outro da sala.
— Eu estava louco por essa cadela. A maior estrela de Hollywood. Parece um anjo. E você sabe o que ela faz depois de um filme? Se o maquilador executa um bom trabalho em seu rosto, ela trepa com ele. Se o cinegrafista consegue dar-lhe uma aparência extremamente boa, ela o leva para o camarim e dá uma metida com ele. Todo mundo. Ela usa o corpo como eu uso o dinheiro trocado de meu bolso para dar gorjeta. Uma prostituta feita de encomenda para o diabo.
— Como vai sua família? — interrompeu Don Corleone bruscamente.
Johnny suspirou.
— Eu cuido deles. Depois do divórcio, dei a Ginny e às meninas mais do que os tribunais mandaram. Vou vê-las uma vez por semana. Sinto falta delas. Às vezes, penso que estou ficando louco. — Tomou outro cálice de bebida. — Agora minha segunda mulher ri de mim. Não pode entender que eu tenha ciúme. Chama-me de carcamano antiquado, faz pouco do meu canto. Antes de partir, dei-lhe uma boa surra, mas não lhe bati no rosto porque ela estava fazendo um filme. Dei-lhe uma “gravata”, bati-lhe nos braços e nas pernas como numa criança, e ela continua rir de mim. — Acendeu um cigarro. — Assim, Padrinho, agora mesmo, a vida parece que não merece ser vivida.
— Essas dificuldades — respondeu Don Corleone simplesmente — são das que eu nada posso fazer para ajudá-lo. — Fez uma pausa, depois perguntou: — Que há com sua voz?
Todo o encanto aparentemente confiante, a simulação, desapareceu do rosto de Johnny Fontane. Ele disse quase balbuciando:
— Padrinho, não posso mais cantar, aconteceu algo na minha garganta, e os doutores não sabem o que é. — Hagen e Don Corleone olharam para ele com Surpresa. Johnny sempre fora muito duro. Fontane prosseguiu: — Meus dois filmes deram muito dinheiro. Eu era um grande astro. Agora me jogaram fora. O chefe de estúdio sempre odiou minha firmeza de caráter e agora está se vingando
Dou Corleone postou-se diante do afilhado e perguntou asperamente:
— Por que esse homem não gosta de você?
— Eu costumava cantar essas canções para as organizações liberais, você sabe, e tudo aquilo que você sempre detestou que eu fizesse. Bem, Jack Woltz tampouco gostava disso. Ele me chamou de comunista, mas não pôde fazer prevalecer essa sua opinião. Então, apanhei uma garota que ele reservara para ele. Passei apenas uma noite com ela e foi ela quem me perseguiu. Que diabo podia eu fazer? Então, a prostituta da minha segunda mulher expulsou-me de casa. E Ginny e as meninas não me querem aceitar de volta a não ser que eu venha rastejando sobre os pés e as mãos, e não posso mais cantar. Padrinho, que diabo posso fazer?
O rosto de Don Corleone tomou-se frio e sem comiseração.
— Você pode começar a proceder como homem — disse com desdém. De repente, a raiva congestionou-lhe o rosto, e gritou: — COMO HOMEM! — Ele, por cima da escrivaninha, agarrou Johnny Fontane pelo cabelo num gesto selvagemente carinhoso. — Por Deus do Céu, será possível que você passasse tanto tempo na minha presença, sem poder se mostrar melhor do que isso? Um finocchio de Hollywood que chora e implora piedade? Que se lamenta como uma mulher. “Que é que vou fazer? Ai, que é que vou fazer?”
A imitação de Don Corleone foi tão extraordinária, tão inesperada, que Hagen e Johnny caíram numa inesperada gargalhada. Don Corleone ficou satisfeito. Por um momento, ele refletiu sobre quanto amava esse afilhado. Como os seus próprios três filhos reagiriam a tal espinafração? Santino ficaria amuado e se comportaria pessimamente durante semanas, a partir de então. Fredo ficaria acovardado. Michael reagiria apresentando-lhe um riso frio e saindo de casa, para não ser visto durante meses. Mas Johnny, ali (que bom sujeito ele era!), rindo agora, reunindo força, sabendo já o verdadeiro propósito do Padrinho.
— Você — prosseguiu Corleone — tomou a mulher do seu chefe, um homem mais poderoso do que você, depois reclama que ele não quer ajudá-lo. Que absurdo! Você deixou a família, deixou as filhas sem pai, para casar com uma prostituta, e chora porque elas não querem recebê-lo de volta de braços abertos. A prostituta, você não lhe bateu no rosto, porque está fazendo um filme, depois você fica admirado porque ri de você. Você viveu como um bobo e chegou ao fim como um bobo. — Fez uma pausa e perguntou com voz paciente: — Você quer aceitar meu conselho desta vez?
Johnny Fontane deu de ombros.
— Não posso casar novamente com Ginny, não da maneira que ela quer Tenho de jogar, tenho de beber, tenho de sair com os amigos. Mulheres bonitas me perseguiam e eu nunca pude resistir a elas. Depois eu me sentia como um canalha quando voltava para Ginny. Jesus, não posso voltar a toda essa coisa inútil.
Era raro Don Corleone mostrar-se exasperado.
— Eu não lhe falei para casar novamente. Faça o que você quiser. E bom que você deseje ser pai de suas filhas. O homem que não é pai de suas filhas nunca pode ser um homem verdadeiro. Então, você pode fazer com que a mãe delas o aceite novamente. Quem disse que você não pode vê-las todo dia? Quem disse que você não pode viver na mesma casa? Quem disse que você não pode viver sua vida exatamente como deseja?
Johnny Fontane deu uma gargalhada.
— Padrinho, nem todas as mulheres são como as antigas mulheres italianas. Ginny não topará isso.
— Porque você procedeu como um finocchio — disse Don Corleone zombeteiramente. — Você deu a ela mais do que o tribunal mandou. Você não bateu na cara da outra porque ela estava fazendo um filme. Você deixa as mulheres imporem as suas condições e elas não são competentes neste mundo, embora certamente elas sejam santas no céu, enquanto nós homens sejamos queimados no inferno. Além disso, eu o observei durante todos esses anos.