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— Eu fazia tudo com Sonny.

Era a primeira vez que ela admitia uma coisa como essa para alguém.

Duas semanas depois, Jules Segal estava na sala de operações do hospital de Los Angeles observando o seu amigo Dr. Frederick Kellner executar a sua especialidade. Antes de Lucy ser anestesiada, Jules inclinou-se sobre ela e murmurou-lhe no ouvido:

— Eu disse a ele que você era a minha garota particular, assim ele vai pôr umas paredes reais bem apertadas.

Mas a pílula preliminar já a fizera ficar apática e ela não riu nem sorriu. A observação irritante dele tirou uma parte do terror da operação.

O Dr. Keliner fez a incisão com a confiança de um campeão de bilhar dando uma tacada fácil. A técnica de qualquer operação para reforçar a bacia pélvica requeria a consecução de dois objetivos. A funda pélvica músculo-fibrosa tinha de ser encurtada de modo que a folga desaparecesse. E naturalmente a abertura vaginal, o próprio ponto fraco da bacia pélvica, tinha de ser trazida para a frente, trazida para baixo do arco púbico e assim livrar-se da linha da pressão direta acima. A reparação da funda pélvica era chamada perincorrafia. A sutura da parede vaginal era chamada colporrafia.

Jules percebeu que o Dr. Kellner estava trabalhando agora com cuidado; havia perigo de que a incisão fosse multo profunda e atingisse o reto. Era um caso evidentemente sem complicação, Jules estudara todas as radiografias e outros exames. Nada podia sair errado, exceto que em cirurgia algo podia sempre sair errado.

Kellner estava trabalhando na funda do diafragma, a pinça em T segurava a aba vaginal, e expondo os músculos e as fáscias que formavam sua bainha. Os dedos de Kellner cobertos de gaze empurravam para o lado o tecido conjuntivo solto. Jules mantinha os olhos fixos na parede vaginal para ver se apareciam as veias, o sinal de perigo que indicava ter ofendido o reto. Mas o velho Kellner conhecia o seu trabalho. Estava construindo uma nova prega com a facilidade com que um carpinteiro prega certos pinos.

Kellner estava aparando a parede vaginal em excesso usando o ponto de filmar embaixo para fechar o “pedaço” tirado do tecido do ângulo redundante, a fim de que não se formassem projeções complicadas. Tentava introduzir três dedos na abertura estreita do lume, depois dois. Procurou enfiar dois dedos, explorando profundamente, e por um momento olhou para Jules e seus olhos azuis por cima da máscara de gaze piscaram como que perguntando se estava bastante estreito. Em seguida passou a ocupar-se novamente de suas suturas.

Tudo estava terminado. Empurraram Lucy para a sala de recuperação e Jules falou a Kellner, que se mostrava radiante, o melhor sinal de que tudo saíra bem.

— Absolutamente nenhuma complicação, meu rapaz — disse ele a Jules. — Não houve nada de anormal, um caso muito simples. Ela tem um tono corporal maravilhoso, raro nesses casos, e agora está em plena forma para o que der e vier. Invejo você, meu rapaz. É claro que você terá de esperar um pouco, mas depois garanto que você gostará do meu trabalho.

— Você é um verdadeiro Pigmalião, doutor. De fato, você esteve formidável — disse Jules, dando uma gargalhada.

— Tudo isso é brincadeira de criança, como os abortos — retrucou o Dr. Kellner. — Se a sociedade fosse apenas realista, gente como eu e você, gente realmente talentosa, poderia fazer trabalho importante e deixar isso para os charlatães. A propósito, vou-lhe mandar uma garota na próxima semana, uma garota muito distinta, parece que elas estão sempre arranjando complicações. Isso vai-nos tornar quites pelo trabalho que fiz hoje.

Jules balançou a cabeça.

— Obrigado, doutor. Apareça lá pessoalmente um dia e eu procurarei oferecer-lhe todas as cortesias da casa.

Kellner retribuiu-lhe com um riso torto e respondeu:

— Jogo todos os dias, não preciso das suas roletas e das suas mesas de dados. Enfrento o destino muito freqüentemente como ele é. Você vai-se estragar ali, Jules. Uns dois anos mais e você poderá esquecer a cirurgia séria. Você não estará à altura dela.

Kellner virou as costas e afastou-se. -

Jules sabia que isso não significava uma censura, mas uma advertência. Contudo, isso o impressionou bastante. Como Lucy não sairia da sala de recuperação senão pelo menos daí a 12horas, ele foi até a cidade e embriagou-se. Parte de sua embriaguez se deveu ao fato de sentir-se aliviado por tudo ter saí do muito bem com Lucy.

Na manhã seguinte, quando foi ao hospital visitá-la, ficou surpreso por encontrar dois homens ao lado da cama dela e flores espalhadas por todo o quarto. Lucy estava com a cabeça suspensa e apoiada em travesseiros, o seu rosto se mostrava radiante. Jules se sentiu surpreso porque Lucy rompera com a família e pedira-lhe para não notificá-la a não ser que algo saísse errado. Naturalmente Freddie Corleone sabia que ela estava no hospital para uma pequena operação; que tinha sido necessário informá-lo para que ambos tivessem folga, e Freddie dissera a Jules que o hotel pagaria todas as contas de Lucy.

Lucy apresentou-os e Jules reconheceu prontamente um deles. O famoso Johnny Fontane. O outro era um rapaz italiano grande, musculoso, com cara de poucos amigos, cujo nome era Nino Valenti. Ambos apertaram a mão de Jules e depois não lhe deram mais atenção. Estavam brincando com Lucy, falando sobre a zona em que moraram em Nova York, sobre gente e acontecimentos de que Jules de forma alguma podia participar. Por conseguinte, ele disse a Lucy:

— Eu passo aqui mais tarde, tenho de ver o Dr. Kellner.

Mas Johnny Fontane mostrou-lhe logo o seu encanto pessoal.

— Olhe aqui, companheiro, nós é que temos de ir embora, você fica fazendo companhia a Lucy. Tome conta dela, doutor.

Jules notou uma rouquidão peculiar na voz de Johnny Fontane e lembrou-se de repente de que há mais de um ano que ele não cantava em público, e que ganhara o prêmio da Academia pelo seu desempenho artístico. Podia a voz do homem ter mudado tão tarde assim na vida e os jornais manterem isso em segredo, todo mundo manteve isso em segredo? Jules gostava de um mexerico e continuou a ouvir a voz de Fontane numa tentativa de diagnosticar a complicação gutural. Podia ser simples esforço, ou bebida e cigarros em demasia ou até mulheres em excesso. A voz tinha um timbre feio, ele não podia mais ser chamado de “o cantor da voz macia”.

— Você parece que está resfriado — disse Jules a Johnny Fontane.

— Apenas esforço, tentei cantar ontem à noite — respondeu Johnny delicadamente: — Acho que não posso aceitar o fato de que minha voz mudou, estou envelhecendo, como você sabe. — Arreganhou os dentes sarcasticamente para Jules.

— Você não procurou um médico para examinar isso? — perguntou Jules casualmente. — Talvez seja uma coisa que tenha cura.

Johnny não estava tão encantador agora. Lançou a Jules um olhar frio.

— Isso foi a primeira coisa que fiz há dois anos passados. Procurei os melhores especialistas. O meu próprio médico, que é considerado como a maior sumidade aqui na Califórnia. Disseram-me que descansasse um bocado. Não há nada de mau, apenas estou envelhecendo. A voz do homem muda quando ele envelhece.

Johnny passou a ignorá-lo depois disso, dando atenção a Lucy, agradando-a como ele agradava todas as mulheres. Jules continuou a prestar atenção à voz do ator. Devia ter nascido algum corpo estranho naquelas cordas vocais. Mas, então, por que diabo os especialistas não o localizaram? Seria maligno e inoperável? Então devia haver outra coisa.

Ele interrompeu Johnny para perguntar:

— Quando foi a última vez que você foi examinado por um especialista?

Johnny estava obviamente irritado, mas procurava ser cortês em atenção a Lucy.

— Há cerca de dezoito meses — respondeu.

— O seu médico tem examinado isso de vez em quando? — insistiu Jules.

— Certamente, tem — respondeu Johnny Fontane irritado. — Ele me dá um borrifo de codeína e me faz um exame cuidadoso. Ele disse que é apenas porque a minha voz está envelhecendo, que isso é devido à bebida, ao fumo e a outras coisas. Talvez você saiba mais do que ele?