Jules começava a sair do quarto, quando Nino exclamou:
— Aí, doutor, isso mesmo é o que ele merece que se diga.
Jules virou-se para ele e perguntou:
— Você sempre fica “na água” antes do meio-dia?
— Sem dúvida — respondeu Nino.
Arreganhou os dentes com tão bom humor que Jules disse mais gentilmente do que pretendia:
— Você precisa pensar que pode morrer dentro de cinco anos, se continuar assim.
Nino arrastou-se com dificuldade até Jules, dando uns passos curtos de dança. Pôs os braços em volta do médico, exalando um forte cheiro de uísque. e deu uma gostosa gargalhada, perguntando:
— Cinco anos? Ainda vou durar tanto tempo assim?
Um mês depois da operação, Lucy Mancini estava sentada à beira da piscina do hotel de Las Vegas, com uma mão segurando um coquetel e com a outra afagando a cabeça de Jules, que repousava em seu colo.
— Você não precisa reunir coragem assim — disse Jules irritado. — Tenho champanha esperando por nós no apartamento.
— Você tem certeza de que já está bom tão cedo? — perguntou Lucy.
— Eu sou o médico — respondeu Jules. — Hoje é a grande noite. Você sabe que serei o primeiro cirurgião na história da medicina que vai provar os resultados de sua operação cirúrgica? Você sabe, conheço o antes e conhecerei agora o depois. Vou gostar de escrever isso para as revistas especializadas. Vejamos, “enquanto o antes era distintamente agradável por motivos psicológicos e refinamento do cirurgião-instrutor, o coito pós-operatório era extremamente recompensador rigorosamente por motivo neurológico — ele parou de falar porque Lucy lhe puxara o cabelo com bastante força para fazê-lo gritar de dor.
Ela sorriu para ele e disse:
— Se você não ficar satisfeito esta noite, posso realmente dizer que a culpa é sua.
— Garanto o meu trabalho. Eu o planejei, embora tenha deixado o velho Kellner fazer o labor manual — acentuou Jules. — Agora descansemos um pouco, temos uma longa noite de pesquisa pela frente.
Quando subiram para o apartamento deles — estavam agora vivendo juntos — Lucy encontrou uma surpresa à sua espera: uma saborosa ceia, e perto de sua taça de champanha um estojo contendo um enorme anel de noivado de brilhantes.
— Isto mostra quanta confiança tenho no meu trabalho — disse mies. — Agora quero ver você fazer por merecê-lo.
Ele foi muito carinhoso, muito gentil com ela. Lucy estava um pouco temerosa a princípio, a sua carne como que fugindo ao tato dele, mas depois, tranqüilizada, sentiu o corpo atingir uma paixão que ela jamais conhecera. Quando terminaram de fazer a primeira vez, Jules sussurrou-lhe no ouvido:
— Fiz um bom trabalho.
Ela respondeu-lhe também sussurrando:
— Oh, sim, você fez; sim, você fez.
E riram um para o outro quando começaram a fazer amor novamente.
LIVRO VI
CAPÍTULO 23
DEPOIS DE CINCO MESES de exílio na Sicília, Michael Corleone começou finalmente a compreender o caráter do pai e o seu destino. Começou a compreender homens como Luca Brasi, o implacável caporegime Clemenza, a resignação da mãe e a aceitação do papel dela. Pois na Sicília viu o que eles teriam sido se tivessem resolvido não lutar contra o destino. Compreendeu por que Don Corleone sempre dizia: “O homem tem apenas um destino.”
Começou a compreender o desprezo pela autoridade e pelo governo legal, o ódio por qualquer homem que infringisse a omertà, a lei do silêncio.
Vestido em roupas velhas e usando um gorro de bico, Michael fora transportado do navio atracado em Palermo para o interior da Sicília, para o próprio centro da província controlada pela Máfia, onde o capo-mafioso local tinha uma grande dívida para com o seu pai por algum serviço feito no passado. A província continha a cidade de Corleone, cujo nome o pai adotara quando emigrara para a América há bastante tempo. Mas não havia mais nenhum parente vivo de Don Corleone. As mulheres tinham morrido de velhice. Todos os homens haviam sido assassinados em vendettas ou então tinham emigrado para a América, para o Brasil ou para qualquer outra província da Itália. Ele aprenderia mais tarde que essa pequena cidade tão pobre tinha o índice de homicídio mais alto do que qualquer outro lugar do mundo.
Michael foi instalado como hóspede na casa de um tio solteiro do capo-mafioso. O tio, nos seus setenta anos de idade, era também o médico do bairro. O capo-mafioso era um homem já beirando os sessenta anos de idade chamado Don Tommasino e exercia a atividade de gabbellotto de uma grande propriedade pertencente a uma das famílias mais nobres da Sicília. O gabbellotto, uma espécie de administrador das propriedades dos ricos, também garantia que os pobres não tentariam reclamar a terra que não estava sendo cultivada, não tentariam invadir de qualquer maneira a propriedade, instalando-se sorrateiramente ali como posseiros. Em suma, o gabbellotto era um mafioso que por uma certa soma de dinheiro protegia os bens imóveis dos ricos contra qualquer reivindicação, legal ou ilegal, feita pelos pobres. Quando qualquer camponês pobre tentava executar a lei que lhe permitia comprar a terra não-cultivada, o gabbellotto intimidava-o com ameaças de dano físico ou mor te. A coisa era assim bem simples.
Don Tommasino também controlava os direitos da água da região e vetava a construção local de qualquer represa nova pelo governo de Roma. Tais represas arruinariam o negócio lucrativo de vender a água dos poços artesianos que ele controlava, tornariam a água muito barata, arruinariam a importantíssima economia da água tão laboriosamente construída durante centenas de anos. Contudo, Don Tommasino era um chefe antiquado da Máfia e nada teria a ver com o tráfico de entorpecentes ou prostituição. Nisso Don Tommasino estava em desavença com a nova geração de líderes da Máfia que surgiam nas grandes cidades como Palermo, homens novos que, influenciados pelos gangsters americanos deportados para a Itália, não tinham tais escrúpulos.
O chefe da Máfia era um homem extremamente imponente, um “homem de tutano”, literalmente como também no sentido figurado isso significava: um homem capaz de inspirar medo nos seus semelhantes. Sob a sua proteção, Michael nada podia recear, contudo era considerado necessário manter em segredo a identidade do fugitivo. E assim Michael vivia confinado na propriedade murada do Dr. Taza, o tio de Don Tommasino.
O Dr. Taza era um homem alto para um siciliano, mais de 1,80m, e tinha faces rosadas e cabelo branco. Embora nos seus setenta anos de idade, ia toda semana a Palermo prestar sua homenagem às mais jovens prostitutas daquela cidade, quanto mais jovens, melhor. O outro vício do Dr. Taza era a leitura. Ele lia tudo e falava sobre o que lia aos seus concidadãos, camponeses analfabetos, que trabalhavam como pastores da propriedade, e isso lhe dava uma reputação local de tolo. Que tinham os livros a ver com eles?
À noite, o Dr. Taza, Don Tommasino e Michael sentavam-se no imenso jardim povoado daquelas estátuas de mármore que nessa ilha pareciam emergir do chão de modo tão mágico quanto as uvas obstinadamente pretas. O Dr. Taza gostava de contar histórias sobre a Máfia e as suas explorações através dos séculos, e Michael Corleone era um ouvinte fascinado. Havia vezes em que mesmo Don Tommasino se deixava levar pelo ar refrescante, pelo vinho embriagador e feito puramente de uva, pelo elegante e tranqüilo conforto do jardim, e contava uma história baseada em sua própria experiência prática. O doutor era a lenda, o Don era a realidade.