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Em seu antigo jardim, Michael Corleone descobriu as raízes de onde proviera seu pai. Que a palavra “Máfia” originalmente significava lugar de refúgio. Depois tornou-se o nome de uma organização secreta que surgiu para lutar contra os diligentes que haviam esmagado o país e seu povo durante séculos. A Sicília era uma terra que havia sido mais cruelmente martirizada do que qualquer outra na história. A Inquisição torturara igualmente pobres e ricos. Os barões proprietários de terras e os príncipes da Igreja Católica exerciam o poder absoluto sobre os pastores e agricultores. A polícia era o instrumento do seu poder e se achava tão identificada com eles que chamar alguém de policial é o maior insulto que um siciliano pode pronunciar contra outro.

Ante a selvageria desse poder absoluto, o povo sofredor aprendeu a nunca trair sua raiva e seu ódio com medo de ser esmagado. Aprendeu a nunca se tornar vulnerável pronunciando qualquer sorte de ameaça, já que dar tal aviso era garantir uma represália rápida. Aprendeu que a sociedade era inimiga dele e assim quando alguém queria vingar agravos ia ao subterrâneo rebelde, a Máfia. E a Máfia consolidou o seu poder dando origem à lei do silêncio, a omertà. Na zona rural da Sicília, um forasteiro pedindo informação sobre a cidade mais próxima não receberá nem a cortesia de uma resposta. E o maior crime que qualquer membro da Máfia podia cometer era dizer à polícia o nome do homem que o baleou ou lhe fez qualquer espécie de dano. A omertà se tornou a religião do povo. A mulher cujo marido foi assassinado não dirá à polícia o nome do assassino do marido, nem mesmo o do assassino do seu filho, o do violentador de sua filha.

A justiça nunca vinha por parte das autoridades e assim o povo sempre recorrera à Máfia de Robin Hood. E até certo ponto, a Máfia ainda cumprira esse papel. O povo se voltava para o seu capo-mafioso local em busca de auxílio, em qualquer emergência. Ele era o seu assistente social, o seu delegado de distrito que estava à sua disposição mediante uma cesta de comida e um emprego, o seu protetor.

Mas o que o Dr. Taza não acrescentou, o que Michael aprendeu por sua própria conta, nos meses que se seguiram, foi que a Máfia na Sicília se tornara a arma ilegal dos ricos e até a polícia auxiliar da estrutura política e jurídica. Tornara-se uma estrutura capitalista degenerada, anticomunista, antiliberal, cobrando os seus próprios tributos de toda forma de esforço comercial, por menor que fosse.

Michael Corleone compreendeu pela primeira vez por que homens como o seu pai haviam optado por serem ladrões e assassinos em lugar de membros da sociedade legal. A pobreza, o medo e a degradação eram tão grandes que não podiam ser aceitos por alguém de consciência. E na América muitos imigrantes sicilianos acreditavam que lá a autoridade seria igualmente cruel.

O Dr. Taza ofereceu-se para levar Michael a Palermo em sua visita semanal ao bordel, mas Michael recusou. A sua fuga para a Sicília o impedira de fazer o tratamento médico adequado para a sua fratura do rosto e ele agora trazia uma lembrança do Capitão McCluskey na face esquerda. Os ossos uniram-se defeituosamente, lançando o seu perfil obliquamente, dando-lhe a aparência de depravação quando se olhava desse lado. Ele sempre fora vaidoso a respeito de sua aparência e isso o atormentava mais do que podia imaginar. A dor que ia e vinha não o preocupava absolutamente, o Dr. Taza dera-lhe algumas pílulas que a amorteciam. Taza ofereceu-se para tratar-lhe o rosto, mas Michael recusou. Ele já estava ali há bastante tempo para saber que o Dr. Taza era talvez o pior médico da Sicília. O Dr. Taza lia tudo, menos literatura médica, que ele admitia não conseguir entender. Passara nos exames da faculdade graças aos bons ofícios do mais importante chefe da Máfia na Sicília que fizera uma viagem especial a Palermo para conferenciar com os professores de Taza sobre as notas que deviam dar a ele. E isso também mostrava como a Máfia na Sicília era grandemente prejudicial à sociedade que ali habitava. O mérito nada significava. O talento nada significava. O trabalho nada significava. O Padrinho da Máfia outorgava à pessoa uma profissão como um presente.

Michael teve bastante tempo para pensar. Durante o dia, dava um passeio pelo campo, sempre acompanhado de dois dos pastores ligados às propriedades de Don Tommasino. Os pastores da ilha eram ás vezes recrutados para agir como assassinos contratados pela Máfia e faziam isso simplesmente para ganhar dinheiro para viver. Michael pensou na organização do pai. Se ela contiinuasse a progredir, acabaria tornando-se no que ocorrera ali naquela ilha, acabaria tornando-se grandemente prejudicial que destruiria todo o país. A Sicília já era uma terra de fantasmas, seus homens emigrando para muitos outros países, a fim de poder ganhar o pão, ou simplesmente para escaparem de ser assassinados por exercerem suas liberdades política e econômica.

Em suas longas caminhadas, a coisa que mais o impressionava era a beleza magnífica daquela terra; ele andava pelos laranjais que formavam profundas cavernas sombreadas através do campo com os seus condutos despejando água pelas bocas providas de presas das pedras de grandes cobras escavadas antes de Cristo. Casas construídas como antigas villas romanas, com enormes portais de mármore e grandes salas abobadadas, caindo em ruínas ou habitadas por ovelhas extraviadas. No horizonte, as colinas nuas brilhavam como ossos branqueados escolhidos e empilhados em posição vertical. Jardins e campos, cintilantemente verdes, adornavam a paisagem deserta como brilhantes colares de esmeraldas. E às vezes ele ia caminhando até a cidade de Corleone, com seus 18.000 habitantes enfileirados em moradias nas faldas da montanha mais próxima, casas miseráveis construídas com a pedra preta arrancada daquela montanha. No último ano, tinha havido mais de 60 assassinatos em Corleone e parecia que a morte toldava a cidade. Mais adiante, a floresta de Ficuzza quebrava a selvagem monotonia da planície arável.

Os dois pastores guarda-costas sempre levavam consigo suas luparas quando acompanhavam Michael em seus passeios. A mortífera espingarda siciliana era a arma favorita da Máfia. Na verdade, o chefe de polícia enviado por Mussolini para limpar a Sicília da Máfia tinha, como uma de suas primeiras medidas, ordenado que todos os muros de pedra da Sicília fossem reduzidos a uma altura não superior a um metro para que os assassinos com suas luparas não pudessem usar tais muros como pontos de emboscadas para os seus crimes. Isso não ajudou muito e o ministro da polícia resolveu o problema prendendo e deportando para as colônias penais todo indivíduo suspeito de ser mafioso.

Quando a ilha da Sicília foi libertada pelos exércitos aliados, os funcionários do governo militar americano acreditavam que toda pessoa aprisionada pelo regime fascista era um democrata e muitos desses mafiosos foram nomeados prefeitos de aldeias ou intérpretes do governo militar. Essa boa sorte contribuiu para que a Máfia se reconstituísse e se tornasse mais poderosa ainda do que fora antes.

As longas caminhadas, uma garrafa de vinho forte, de noite, com um bom prato de massas e carne, faziam Michael dormir bem. Havia livros em italiano na biblioteca do Dr. Taza, e embora Michael falasse dialeto italiano e tivesse feito alguns cursos de italiano, a leitura desses livros custava-lhe bastante esforço e tempo. A sua fala ficou quase sem sotaque, e embora ele nunca pudesse passar como natural daquele lugar, podia-se acreditar que fosse um desses estranhos italianos do extremo norte do país, que faz fronteira com a Suíça e Alemanha.