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- Um pouco mais longe, na costa, a mesma mulher alugou uma segunda lancha, que restituiu três horas depois, tornando a dar o nome de Solange Dunas. Mostrei em ambos os lugares uma fotografia de Alexandra e declararam -se convencidos de que correspondia à cliente em causa. Subsistia, no entanto, uma leve dúvida, em virtude de ela ser morena.

- Nesse caso, porque pensa?…

- Usou peruca.

- Não acredito que Alexandra assassinasse o marido.

- Nem eu, Mistress Blackwell. Foi a irmã, Eva. Alexandra não tinha possibilidade de praticar o crime. Investiguei-Lhe os movimentos nesse dia e verifiquei que passou a manhã e o princípio da tarde em Nova Iorque consigo, após o que voou directamente para a ilha. Não podia ter alugado as duas lanchas - Pappas inclinou-se para a frente. - Fiquei, portanto, com alguém parecido com Alexandra que deu o nome de Solange Dunas. Só podia ser Eva. Em face disso, comecei a procurar um motivo. Quando mostrei a fotografia de George

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Mellis aos inquilinos do prédio em que ela vive, apurei que a visitava com regularidade. Como se isto não bastasse, o porteiro revelou-me que, numa dessas visitas, a espancou quase até à morte. Sabia, Mistress Blackwell?

- Não - a voz de Kate convertera -se quase num murmúrio.

- Sim, foi Mellis que proporcionou o motivo a Eva: vingança. Atraiu-o às proximidades de Dark Harbor e matou-o. O álibi invocado por ela consiste em que se encontrava nesse dia em Washington. Deu uma nota de cem dóla res ao motorista do táxi que a transportou ao aeroporto, para que se lembrasse dela, e armou espalhafato por ter perdido o avião com destino a Washington. Penso que usou uma peruca preta e seguiu num avião comercial para Maine, onde alugou as lanchas. Mato u Mellis, lançou o corpo à água, ancorou o iate e rebocou a segunda lancha até ao cais de aluguer, àquela hora encerrado.

- Todos os elementos de que dispõe são aquilo a que chamam provas acessórias, salvo erro.

- Exacto - Pappas achava-se preparado para a ofensiva final. - Necessito de provas concretas para o inquérito do médico legista. Conhece a sua neta melhor do que ninguém no mundo, Mistress Blackwell. Tem de me revelar tudo o que puder que lhe pareça útil.

Kate conservou-se calada por um longo momento, como se ponderasse a situação. Por fim, articulou pausadamente:

- Creio que lhe posso fornecer informações para esse inquérito.

O coração do tenente principiou a palpitar com maior intensidade. Aventurara -se perigosamente, mas merecera a pena. A velhota escutara a voz da razão.

- Sim, Mistress Blackwell? - murmurou, contendo a respiração inconscientemente.

- No dia em que George Mellis foi assassinado, eu e minha neta Eva encontrávamo-nos em Washington, juntas.

Observando a expressão de assombro do interlocutor, Kate reflectiu: “Julgavas que te oferecia uma Blackwell para sacrifício? Querias que a imprensa celebrasse um festim com o meu nome? Não. Ocupar-me-ei de Eva à minha maneira!”

O veredicto pronunciado pelo júri do inquérito consistiu em morte provocada por agressor ou agressores desconhecidos.

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Ante a surpresa e satisfação de Alexandra, Peter Templeton encontrava-se presente no tribunal em que se realizou a sessão do inquérito.

- Vim apenas para fornecer apoio moral - explicou-lhe.

Durante o intervalo, levou-a a um pequeno restaurante sobranceiro à baía, em Licolnville, e sugeriu:

- Quando tudo isto terminar, fazia-lhe bem efectuar uma viagem, ausentar-se por uma temporada.

- Sim, Eva pediu-me que a acompanhasse - os olhos dela marejaram-se de lágrimas: - Ainda me custa a crer que George tenha morrido…

- É a maneira que a Natureza emprega para atenuar o choque, até que a dor seja suportável.

- Não faz sentido, um homem como ele. Conheceu-o razoavelmente nas sessões que tiveram. Não acha que era uma pessoa admirável?

- Sim - concedeu Templeton, em tom pausado. - Admirável.

- Quero a anulação do casamento - anunciou Eva.

- Porquê? - inquiriu Keith Webster, pestanejando de admiração.

- Deixa-te de histórias. Julgavas mesmo que ia ficar casada contigo?

- Claro. És minha mulher.

- Que procuras? O dinheiro dos Blackwell?

- Não preciso dele, querida. Ganho muito mais do que o suficiente para o nosso sustento. Posso proporcionar-te tudo o que quiseres.

- Já te disse que a única coisa que quero de ti é a anulação!

- Lamento, mas não ta posso conceder.

- Nesse caso, peço o divórcio.

- Não me parece aconselhável. No fundo, nada mudou. Como a Polícia não descobriu o assassino do teu cunhado, as investigações continuam abertas. Se nos divorciássemos, via-me obrigado… - o cirurgião interrompeu-se e ergueu as mãos num gesto de impotência.

- Falas como se eu o tivesse assassinado.

- Foi o que aconteceu.

- Como diabo sabes tu isso? - perguntou ela, com uma expressão de desdém.

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- Era a única razão que te obrigaria a casar comigo.

- Bastardo! - olhou-o com animosidade. - Como é possível que me faças isto?

- É muito simples. Amo-te.

- E eu odeio-te. Ouviste bem? Desprezo-te!

- Amo-te tanto - limitou-se ele a articular, com uma expressão pesarosa.

A viagem na companhia de Alexandra fora cancelada, pois Eva explicara à irmã que visitaria as Caraíbas, na sua lua-de-mel, na realidade uma ideia de Keith Webster.

Agora, declarou com firmeza:

- Já não vou. A simples hipótese de uma lua-de~mel contigo revolta-me.

- Se não formos, as pessoas estranham - observou ele, no habitual tom tímido. - E não convém nada que comecem a fazer perguntas embaraçosas” não achas?

Alexandra passou a almoçar com Peter Templeton uma vez por semana. Ao princípio, fazia-o porque desejava trocar impressões acerca do marido e não havia outra pessoa que o tivesse conhecido em condições de a elucidar de pormenores que lhe eram menos familiares. No entanto, transcorridos alguns meses, admitiu para consigo que apreciava profundamente a companhia do psiquiatra. Com efeito, ele irradiava um ar de segurança que lhe incutia confiança. Mostrava-se sensível às facetas do seu temperamento e invulgarmente inteligente para a distrair nos momentos mais delicados.

- Quando era interno, atendi a primeira chamada do exterior nos píncaros do Inverno - explicou, um dia. - A paciente era uma mulher idosa e frágil, atacada de tosse persistente. Antes de lhe aplicar o estetoscópio, decidi aquecê-lo um pouco, para evitar o contacto desagradável do metal frio com o peito. Assim, coloquei-o em cima do calorífero, enquanto lhe examinava a garganta e os olhos. A seguir, peguei no estetoscópio e pousei-lho no peito. Ele deu um salto da cama como se a casa estivesse a arder e quisesse alcançar a saída. A tosse desapareceu, mas foram necessárias duas semanas para que a queimadura soasse.

Alexandra soltou uma gargalhada divertida. Era a primeira vez que o fazia desde longa data.

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A lua-de-mel de Eva resultou muito mais satisfatória do que previra. Em virtude da sua pele, sensível aos raios solares, Keith Webster evitava expor-se, pelo que ela passava o dia inteiro na praia, sem a sua companhia. No entanto, nunca se achava só por muito tempo. Rodeavam-na jovens de todos os tipos, como uma mesa de banquete repleta de iguarias variadas, e Eva podia saborear um repasto substancial todos os dias. Aliás, a ideia de o marido a assediar com objectivos sexuais repugnava -lhe de tal modo que necessitava daquelas escapadas para manter o equilíbrio mental.

“Os anos começam a e xercer o seu peso” reconhecia Kate Blackwell. Eram muitos, todos excitantes e ricos de episódios espectaculares.

A Kruger-Brent, Ltd. necessitava de uma mão poderosa ao leme. Alguém com sangue dos Blackwell. “Não há ninguém para manter o facho aceso depois de mim. Tanto trabalho e sacrifícios pela companhia e, no fundo, para quê? Para que estranhos colham os frutos um dia. Raios para tudo isto! Não posso permitir que tal aconteça!”