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aluguer que ostentava uma tabuleta com a indicação “Depósito do Correio”, quando, obedecendo a um impulso, entrou, para enfrentar o homem mais magro que jamais vira entretido a arrumar malas postais numa carruagem de duas rodas.

Depois de observar a operação por um momento, resolveu interpelá -lo:

- Transportam correio para Klipdrift?

- Sim, é este que estou a carregar.

- E passageiros? - inquiriu, dominado por uma súbita réstia de esperança.

- Às vezes - o outro voltou-se e observou Jamie. - Que idade tem?

- Dezoito. Porquê?

- Não costumamos levar pessoas com menos de vinte e um ou vinte e dois anos.

É saudável?

- Sem dúvida.

- Então, fica combinado. Parto dentro de uma hora. A passagem são vinte libras.

- Estupendo! - Jamie quase não queria acreditar. - Vou buscar a mala e…

- Nada de bagagem. Só há espaço para uma camisa e escova de dentes.

Examinou a carruagem com curiosidade. Era pequena e de construção rudimentar, e o corpo formava uma espécie de poço onde a correspondência ficava acondicionada. A um nível superior a este último, havia um espaço estreito em que uma pessoa se podia sentar de costas para o condutor. Seria uma viagem a todos os títulos desconfortável; no entanto, declarou:

- De acordo. Vou buscar a camisa e a escova de dentes.

Quando regressou, o condutor engatava um cavalo à carruagem aberta, ao lado da qual se viam dois jovens corpulentos - um baixo e moreno e o outro alto e louro -, que entregavam dinheiro ao homem.

- Um momento - protestou Jamie. - Você disse que eu podia ir.

- Vão todos - anunciou o condutor. - Subam.

- Os três?

- Exacto!

Jamie não fazia a mínima ideia de como o outro esperava que coubessem no pequeno espaço, mas sabia que se encontraria

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lá no momento da partida. Por fim, com um encolher de ombros de resignação, apresentou-se aos companheiros de viagem:

- Chamo-me Jamie McGregor.

- Wallach - informou o moreno.

- Pederson - disse, por sua vez, o louro.

- Tivemos sorte em descobrir isto, nem? Ainda bem que nem toda a gente o conhece.

- Conhece - replicou Pederson. - O que acontece é que poucos reúnem condições físicas e desespero suficiente para se aventurarem num transporte destes.

Antes que Jamie pudesse pedir-lhe que se explicasse melhor, o condutor disse:

- Estamos a perder tempo!

Os três homens, com Jamie no meio, espremeram-se no assento, as costas exercendo forte pressão no espaldar do banco do condutor. Não havia espaço para se moverem ou respirar. Em todo o caso, Jamie tentou convencer-se de que podia ser pior.

- Segurem-se bem! - advertiu o condutor.

No momento imediato, atravessavam as ruas da Cidade do Cabo velozmente, rumo aos campos de diamantes de Klip-drift.

Nos transportes normais, a viagem era relativamente confortável. As carruagens que conduziam passageiros da Cidade do Cabo aos campos de diamantes dispunham de espaço suficiente, com cobertura de lona para protecção do sol escaldante de Inverno. Cada uma comportava doze passageiros e era puxada por parelhas de cavalos ou mulas, além de que, em paragens regulares, havia bebidas e refeições ligeiras, o que amenizava o percurso de dez dias.

O transporte do correio era diferente. Nunca parava, excepto para mudar de cavalo e condutor. O andamento desenrolava -se em pleno galope, num piso a que nem o mais optimista chamaria regular. Como se isso não bastasse, a carruagem não dispunha de molas, pelo que cada solavanco se transmitia aos passageiros como o coice de uma mula caprichosa. Entretanto, Jamie rangia os dentes e pensava: “Hei-de aguentar até à noite, quando pararmos para dormir. De manhã, após o sono reparador e uma boa refeição, estarei como novo!” Todavia, ao anoitecer, registou-se uma pausa de dez minutos

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para a substituição do cavalo e do condutor, após o que o galope foi reatado, o que o levou a perguntar:

- Quando paramos para comer?

- Não há paragem nenhuma para isso - informou o novo condutor. - O correio tem de chegar a horas ao seu destino.

A corrida prosseguiu ao longo da noite, através de estradas sulcadas de buracos, curvas apertadas e desníveis quase constantes. Jamie sentia cada centímetro quadrado do corpo maltratado, como se acabasse de sofrer a tortura medieval mais maquiavélica, estava exausto e não conseguia adormecer. Cada vez que o sono parecia na iminência de o dominar, era chamado à realidade por um dos solavancos excruciantes. Por outro lado, assolavam-no cãibras dolorosas e não havia o mínimo espaço para se espreguiçar. Esforçava -se por não ponderar quantos dias decorreriam antes da sua próxima refeição, tratava -se de uma viagem de quase mil quilómetros e ninguém lhe garantia que a completaria vivo.

E, à medida que o tempo passava, começava a duvidar que lhe interessasse que tal acontecesse.

No final do segundo dia o tormento convertera -se em agonia e os companheiros achavam-se no mesmo estado, incapazes de se lamentar por escassez de energias. Jamie compreendia agora a razão pela qual se insistia em que os passageiros fossem jovens e robustos.

Na terceira alvorada, imergiram no Great Karroo1, onde principiava a verdadeira desolação. Prolongando-se até ao infinito, a monstruosa savana apresentava um aspecto hostil sob o sol inclemente. Os passageiros não tardaram a ser flagelados pelo calor, a poeira densa e as moscas.

Ocasionalmente, por entre um véu miasmático, Jamie descortinava grupos de homens que avançavam penosamente a pé. Havia também cavaleiros solitários e dezenas de carros puxados por bois, que transportavam produtos hortícolas, tendas, apetrechos para escavar, fogões de lenha, sacos de farinha e carvão e lanternas de petróleo. Constituíam a fonte de abastecimento dos pesquisadores de fortunas instalados em Klipdrift. * Planalto elevado na África do Sul, estéril e seco quando não há chuvas. (N. do T.)

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Só quando a carruagem cruzou o rio Orange se registou uma modificação na monotonia letal da savana. A vegetação começou a apresentar-se mais alta e trocou a tonalidade parda pela verdejante. O solo era mais vermelho e principiaram a surgir árvores frondosas.

“Hei-de chegar lá”, prometia Jamie a si próprio. “Hei-de chegar lá!”

E, ao mesmo tempo, sentia a esperança infiltrar-se no corpo extenuado.

Havia quatro dias e noites consecutivos que tinham partido da Cidade do Cabo, quando finalmente atingiram os arrabaldes de Klipdrift.

Jamie não sabia exactamente o que se lhe depararia, mas o cenário em que fixou os olhos fatigados e congestionados não se assemelhava a coisa alguma que o espírito lhe pudesse sugerir. Klipdrift era um vasto panorama de tendas e carruagens alinhadas nas ruas principais e nas margens do rio Vaal. A estrada de acesso estava repleta de cafres, de casacos curtos como única indumentária, e pesquisadores barbudos, além de carniceiros, padeiros, ladrões e professores. No centro da povoação, fiadas de barracões de madeira e ferro serviam de instalações a lojas, cantinas, salas de bilhares, restaurantes, departamentos de compra de diamantes e escritórios de advogados. Numa esquina, erguia-se o Hotel Royal Arch, que continha uma longa sequência de quartos sem janelas.

Jamie saltou da carruagem e não conseguiu aguentar-se nas pernas. Conservouse reclinado no chão por uns minutos, até que se sentiu com vigor suficiente para se levantar. Em seguida, cambaleou até ao hotel, abrindo caminho com dificuldade por entre a multidão que enchia os passeios. O quarto que obteve era pequeno, escaldante e repleto de moscas. No entanto, dispunha de um catre, no qual ele se deixou cair, para adormecer instantaneamente.

Quando acordou, após dezoito horas de sono ininterrupto, tinha o corpo dorido, mas a alma em festa. Chegara ao ambicionado destino! Em seguida, loucamente faminto, procurou um lugar para comer. O hotel não servia refeições, mas havia um pequeno e concorrido restaurante do outro lado da rua, onde Jamie proporcionou ao estômago motivos mais que suficientes para não continuar a protestar.