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Certa madrugada, deparou-se-lhe um grupo de leões. Postado à distância, viu a leoa mover-se ao lado do companheiro e das crias, com uma jovem impala na boca. Um pouco adiante, depositou-a aos pés do leão e só principiou a comer depois de ele se considerar saciado.

Jamie necessitou de duas semanas para atravessar o Karroo e esteve prestes a desistir por mais de uma vez, quase convencido de que não chegaria ao fim da viagem. “Fui estúpido. Devia ter voltado para trás e pedido outra mula a Mr. Van der Merwe. Mas ele podia rescindir o contrato. Não, procedi bem assim.”

E continuou em frente, com o passo cada vez mais pesado. Um dia, avistou quatro vultos à distância, que avançavam na

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sua direcção, e o coração principiou a palpitar-lhe com a nsiedade. “Estou a delirar”, pensou. “É uma miragem!” Não obstante, os vultos continuavam a aproximar-se, e a excitação acentuou-se. “Homens! Há vida humana, aqui!”

Perguntou a si próprio se ainda saberia falar, após tantos dias sem pronunciar uma palavra. Tentou pronunciar algumas palavras e quase não reconheceu a voz.

Por fim, os quatro homens - pesquisadores que regressavam a Klipdrift, exaustos e decepcionados - encontraram-se na sua frente e Jamie articulou:

- Olá!

Inclinaram as cabeças e um deles declarou em inflexão átona:

- Não há nada, lá adiante. Podemos garanti-lo, porque nos fartámos de procurar.

Não perca tempo. Volte para trás.

E prosseguiram o seu caminho.

Jamie isolou o espírito de tudo, excepto da vastidão árida à sua frente. Os raios solares e as moscas eram insuportáveis e não havia lugar algum para se refugiar.

A folhagem das escassas árvores dispersas tinha sido devorada pelos elefantes.

O sol cegava-o quase por completo. A pele clara achava -se avermelhada pelas queimaduras e acudiam-lhe tonturas constantes. Cada vez que respirava fundo, os pulmões pareciam na iminência de explodir. Já não caminhava: arrastava os pés, colocando um à frente do outro, sem a consciência exacta do que fazia. Uma tarde, quando o Sol se encontrava quase na vertical, tirou a mochila das costas e estendeu-se no chão, demasiado cansado para continuar. Fechou os olhos e sonhou que estava num cadinho gigantesco e um diamante enorme emitia raios cintilantes que o queimavam e derretiam. Acordou a meio da noite, tremendo de frio, e esforçou-se por tragar alguma coisa das parcas reservas que lhe restavam.

Sabia que tinha de se levantar e reatar a marcha antes do nascer do Sol, enquanto a temperatura permanecia suportável. Tentou, mas o esforço era excessivo. Resultava mais fácil manter-se deitado no chão e não voltar a dar nem mais um passo. No entanto, uma voz segredava-lhe que a sua missão no mundo ainda não se completara. Ainda nem sequer começara. Por último, logrou pôr-se de pé e avançar com extrema lentidão, arrastando a mochila atrás dele. Mais tarde, não conseguiu determinar quantas vezes caiu na areia escaldante e tornou a levantar-se. Uma ocasião, gritou em voz rouca: “Sou Jamie

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McGregor e hei-de viver! Ouves-me, Deus? Hei-de viver!…” Entretanto, explodiamlhe na cabeça palavras do passado: “- À procura de diamantes? Não deves regular bem. Tudo isso que contam são balelas, uma tentação do Demónio para impedir os homens de ganhar a vida honestamente.

“- Porque não nos explicas onde vais arranjar o dinheiro para a viagem? Isso fica do outro lado do mundo, e não tens vintém.

“- Sou a pessoa indicada. Garanto-lhe que trabalharei dia e noite. Hei-de trazer-lhe mais diamantes do que os que poderá contar.”

Afinal, perdera a partida quase antes de a iniciar. “Tens dua s alternativas”, disse para si mesmo. “Podes continuar em frente ou ficar aqui e morrer… morrer… morrer…”

As palavras ecoavam-lhe no espírito interminavelmente. “Ainda podes dar mais um passo. Vá, coragem, rapaz. Só mais um… mais um…”

Dois dias depois, chegou à povoação de Magerdam. As queimaduras solares tinham infectado e o corpo convertera-se numa chaga, enquanto os olhos estavam inchados, quase impossibilitados de se abrir. Caiu pesadamente no meio da rua, um monte de andrajos que o mantinha consolidado. Quando alguns pesquisadores, solícitos, tentaram aliviá-lo do peso da mochila, Jamie resistiu com as energias que lhe restavam, vociferando em delírio:

- Afastem-se dos meus diamantes! Deixem-me em paz!… Despertou num quarto pequeno, sem móveis, três dias mais tarde, tendo como única indumentária as ligaduras que lhe envolviam o corpo. A primeira coisa que viu quando descerrou as pálpebras foi uma mulher de meiaidade e busto opulento sentada na borda da tarimba.

- Que?!… - exclamou, impossibilitado de formar uma frase coerente.

- Calma, rapaz. Esteve muito mal.

Ela levantou-lhe a cabeça com suavidade e fê-lo ingerir um gole de água de um púcaro de estanho.

Jamie conseguiu soerguer-se, apoiado no cotovelo, e perguntar:

- Onde… onde estou?

- Em Magerdam. Chamo-me Alice Jardine e encontra-se na minha pensão. Não se preocupe, que vai ficar bom. Precisa apenas de repouso. Volte a deitar-se.

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Recordou-se dos desconhecidos que tinham tentado tirar-lhe a mochila e sentiu-se invadido por uma vaga de pânico.

- As minhas coisas?

Tentou endireitar-se de novo, mas a mulher impediu-o com um gesto.

- Estão em lugar seguro - e apontou para um volume no chão, ao canto do quarto.

Jamie reclinou-se, mais tranquilo: “Cheguei. Agora, tudo correrá bem.”

Alice Jardine era uma autêntica bênção personificada, não só para Jamie McGregor como para metade de Magerdam. Na povoação mineira, cheia de aventureiros unidos por um sonho comum, fornecia-lhes alimento e coragem. Era uma inglesa que chegara à África do Sul com o marido, o qual abandonara a ocupação de professor em Leeds para se incorporar na febre dos diamantes. Ele morrera de doença, cinco semanas mais tarde, mas ela decidira continuar ali, e os mineiros converteram-se nos filhos que nunca tivera.

Obrigou Jamie a permanecer na cama mais quatro dias, dando-lhe de comer, procedendo à substituição das ligaduras e encorajando-o, até que ele se reconheceu com forças para se levantar.

- Estou-lhe profundamente grato, Mistress Jardine. Não disponho de fundos para lhe pagar. Por enquanto. Mas tenciono oferecer-lhe um diamante, num futuro não muito distante. É uma promessa solene de Jamie McGregor.

Ela sorriu ante o fervor do rapaz. Ainda estava muito magro e os olhos cinzentos conservavam parte do horror que conhecera, mas irradiava uma voluntariedade que impressionava. “É diferente dos outros…”, admitiu para consigo.

Jamie saiu para explorar a povoação, que era Klipdrift numa escala mais reduzida.

Havia as mesmas tendas, galeras e ruas poeirentas, lojas modestas e multidões de pesquisadores. Quando passava diante de um saloon, ouviu um clamor e entrou, verificando que numerosos homens rodeavam um irlandês de camisa vermelha.

- Que se passa? - perguntou a um.

- O tipo vai molhar o achado.

- Vai quê?

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- Ficou rico, hoje, pelo que paga bebidas a toda a gente. A quantidade correspondente à que trinta homens sedentos puderem emborcar.

Acabou por se sentar a uma mesa redonda ocupada por vários pesquisadores de expressões desencorajadas e não tardou a entabular conversa.

- De onde é você, McGregor?

- Da Escócia.

- Não sei que patranhas lhe contaram na sua terra, mas não há diamantes nesta região em quantidade suficiente para custear as despesas.

Em seguida, trocaram impressões acerca de outros lugares de prospecção: Gong Gong, Forlorn Hope, Delports, Poor-mans Kopje, Sixpenny Rush…

Os pesquisadores contavam todos a mesma história - de meses empenhados na esgotante actividade de remover rochas, escavar o solo duro e passar horas agachados na margem do rio com o crivo nas mãos. Todos os dias eram encontrados alguns diamantes, insuficientes para enriquecer, mas em quantidade bastante para manter os sonhos vivos. O estado de espírito que predominava consistia numa mescla de optimismo e pessimismo. Os optimistas eram os que chegavam, os pessimistas os que partiam.