- Parece que estiveste… às portas da morte. E não consentiste que me informasse, para não me preocupar.
“Então, era isso”. Assim, sentia-se em terreno mais seguro.
- De facto…
- Isso indica que continuas a apoquentar-te comigo.
- Nunca deixei de te estimar, avó - afirmou, com lágrimas de alívio, que, no entanto, Kate interpretou como de emoção.
No instante imediato, Kate admitiu, ao mesmo tempo que acariciava a cabeça loura da neta:
- Fui uma velha tonta. Perdoa-me - puxou de um lenço de linho e assoou-se ruidosamente. - Não te devia tratar com tanta severidade.
- Não falemos mais nisso - sussurrou Eva, em voz devidamente embargada. - Agora, ficou tudo esclarecido.
- Mostrei-me casmurra e inflexível, como meu pai, mas quero compensar-te do mal que sofreste. Para já, vou reintegrar-te no testamento.
- O dinheiro não me interessa - afirmou, ao mesmo tempo que cogitava: “É demasiado agradável para corresponder à verdade!” - Só me preocupo contigo, avó.
- És minha herdeira… tu e Alexandra. São a única família que me resta.
- Tenho-me governado satisfatoriamente, mas se isso te dá prazer…
- Dá-me, e muito. Quando podes mudar-te lá para casa?
Eva hesitou apenas por uns segundos.
- Julgo preferível continuar aqui, mas irei visitar-te as vezes que desejares - meneou a cabeça com lentidão e conteve um soluço. - Nem fazes uma ideia de como me tenho sentido só!
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- Perdoas-me? - perguntou Kate, pegando-lhe na mão.
- Com certeza - foi a resposta, com uma expressão solene.
Assim que a avó saiu, Eva preparou um scotch duplo e afundou-se no sofá para recapitular a cena incrível em que acabava de participar. Apetecia-lhe soltar gritos de alegria. Ela e Alexandra eram agora as herdeiras únicas da fortuna Blackwell.
Não se lhe deparariam dificuldades para fazer desaparecer a irmã. Era George Mellis que a preocupava, pois tornara-se subitamente um empecilho.
- Houve alteração de planos - anunciou Eva a Mellis. - Kate reintegrou-me no seu testamento.
- Não me digas! - ele imobilizou a mão com que se preparava para acender um cigarro. - Parabéns!
- Se acontecesse alguma coisa agora a Alexandra, pareceria suspeito. Portanto, havemos de nos ocupar dela mais tarde, quando…
- Não concordo.
- Que queres dizer?
- Não sou estúpido, querida. Se lhe acontecesse alguma coisa, a parte dela vinha - me parar às mãos. Queres fazer-me desaparecer do meio, hem?
- Digamos que és uma complicação desnecessária - concedeu ela, com um encolher de ombros. - Estou disposta a estabelecer um acordo contigo. Divorcia-te e, quando eu herdar o dinheiro, dou-te…
- Não me faças rir. Não mudou nada. Eu e Alex encon-tramo-nos em Dark Harbor, sexta -feira à noite, como estava previsto.
Alexandra ficou extasiada, quando se inteirou da reconciliação da avó com Eva e afirmou:
- Voltamos a ser uma família unida.
O telefone tocou e Eva levantou o auscultador.
- Desculpe incomodá-la. Fala Keith Webster.
O cirurgião adquirira o hábito de telefonar duas ou três vezes por semana. Ao princípio, o seu ardor incoerente divertira-a, mas acabara por se enfastiar.
- Agora não tenho tempo. Preparava -me para sair.
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- Nesse caso, não a retenho - articulou ele, em tom de desculpa. - Queria apenas dizer que arranjei duas entradas para a corrida de cavalos da próxima semana. Como sei que é apreciadora, pensei…
- Lamento, mas talvez tenha de me ausentar da cidade nessa altura.
- Bem - o desapontamento era bem nítido na inflexão da voz. - Então, saímos para a outra semana. Comprarei bilhetes para o teatro. O que lhe apetece ver?
- Já vi tudo o que está em exibição. Desculpe, mas não posso demorar-me.
Eva cortou a ligação com um gesto de enfado. Necessitava vestir-se rapidamente, pois combinara encontrar-se com Rory Mckenna, um jovem actor da Broadway que conhecera recentemente, cinco anos mais novo do que ela e mais insaciável que um garanhão selvagem.
Quando regressava a casa, George Mellis efectuou uma paragem, a fim de comprar flores para Alexandra. Experimentava uma euforia invulgar. Afigurava-selhe uma deliciosa ironia o facto de Kate haver reintegrado Eva no testamento, mas não alterava coisa alguma. Consumado o “acidente” de Alexandra, ocupar-se-ia da cúmplice. Os preparativos achavam-se concluídos. Sexta-feira, a esposa aguardá-lo-ia em Dark Harbor.
- Só nós os dois - recomendara-lhe, beijando-a. - Dispensa todo o pessoal.
Peter Templeton não conseguia afastar Alexandra Mellis do pensamento e não parava de ouvir as palavras do marido, como um eco persistente: “Talvez a leve para fora da cidade ou mesmo do país. Precisa de uma mudança de ambiente.” O instinto assegurava -lhe que ela corria perigo, mas encontrava-se impossibilitado de intervir. Não podia procurar Nick Pappas baseado em meras suspeitas.
Necessitava de provas.
Do outro lado da cidade, no seu gabinete da Kruger-Brent, Ltd., Kate Blackwell assinava um novo testamento, em que legava tudo o que possuía às duas netas.
Algures no distrito de Nova Iorque, Tony Blackwell
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encontrava-se diante do seu cavalete, no jardim da clínica. A tela; constituía uma confusão de cores, semelhante à produzida por uma criança destituída de talento.
Não obstante, ele contemplava-a com uma expressão de prazer.
Sexta-feira, 10.57 horas.
No aeroporto La Guardiã, um táxi imobilizou-se à entrada do terminal das carreiras internas e Eva Blackwell estendeu uma nota de cem dólares ao motorista, que exibiu uma expressão de contrariedade.
- Não tem mais pequeno?
- Não.
- Nesse caso, vai ter de trocar lá dentro.
- Estou com pressa. Preciso de apanhar o próximo avião para Washington - ela consultou o relógio de pulso e tomou uma decisão. - Fique com os cem dólares.
Entrou no edifício, correu para o guiché dos voos domésticos e pediu:
- Uma passagem de ida para Washington.
- Perdeu este voo por dois minutos - informou o empregado. - Está a descolar.
- Mas tenho de seguir nele! Vou encontrar-me… - Eva parecia na iminência de se deixar dominar pelo pânico. - Não pode fazer nada?
- Acalme-se. Dentro de uma hora há outro.
- Já não… Abóbora! - tentou dominar-se. - Bem, que remédio senão esperar.
Entretanto, vou tomar um café.
O homem acompanhou-a com a vista enquanto se afastava, ao mesmo tempo que reflectia: “Que beldade! Invejo o tipo com quem vai encontrar-se com tanta pressa.”
Sexta-feira, 14.00 horas.
“Vai ser uma segunda lua-de-mel”, pensava Alexandra. A ideia excitava-a.
“Dispensa o pessoal, para ficarmos sós, querida. Passaremos um fim-de-semana estupendo.” E agora ela abandonava a confortável residência a caminho de Dark Harbor, a fim de se encontrar com George. Estava um pouco atrasada, porque almoçara com uma amiga e separara-se dela mais tarde do que previra. Por fim, comunicou à empregada:
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- Estou de volta segunda de manhã.
O telefone tocou quando transpunha a porta, mas resolveu ignorá -lo, para não perder mais tempo.
Sexta-feira, 19.00 horas.
George Mellis estudara o plano de Eva meticulosamente e reconhecera que não apresentava o mínimo ponto vulnerável. “Haverá uma lancha a motor à tua espera em Philbrook Cove. Segue nela para Dark Harbor, tomando a precaução de que não te vejam. Amarra-a à popa do Corsair. Depois, levas Alexandra a dar um passeio no iate, ao luar. Uma vez ao largo, podes fazer aquilo que tanto te agrada, mas não deixes vestígios de sangue. Lanças o corpo ao mar, metes-te na lancha, deixas o Corsair à deriva e regressas a Philbrook Cove, onde apanhas o ferryboat de Lincolnville para Dark Harbor. Mete-te num táxi para alcançar a mansão.
Arranja um pretexto qualquer para que o motorista entre e note que o Corsair não se encontra no molhe. Depois de verificares q ue Alexandra não está, telefonas à Polícia. O corpo não será encontrado, porque a corrente o arrastará para o largo.