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No entanto, às duas horas da madrugada, não conseguiu conter-se mais e resolveu preveni-la. Não havia um destacamento da Polícia na ilha, pelo que a unidade mais próxima se situava no condado Waldo.

- Departamento do xerife do condado Waldo - anunciou uma voz sonolenta. - Sargento Lambert.

- Fala Alexandra Mellis, de Cedar Hill.

- Em que lhe posso ser útil, Mistress Mellis? - a sonolência extinguiu-se com prontidão.

- Para ser franca, não sei. Meu marido devia encontrar-se comigo aqui, ao princípio da noite, e ainda não apareceu.

- Hum… - o som podia interpretar-se de várias maneiras. O sargento conhecia pelos menos três razões justificativas da ausência do lar de um marido às duas horas da madrugada: louras, morenas e ruivas. - Talvez fosse retido por algum assunto relacionado com o trabalho - aventurou, com o maior tacto possível.

- Quando isso acontece, costuma telefonar.

- Sabe como essas coisas são, Mistress Mellis. Às vezes torna-se impossível interromper uma reunião para utilizar o telefone. Estou certo de que não tarda a ligar para aí.

Agora, Alexandra sentia mesmo que fazia figura ridícula. Evidentemente que a Polícia não lhe podia valer. Recordava-se

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de ler algures que uma pessoa devia ter desaparecido mais de vinte e quatro horas para que as autoridades pudessem iniciar pesquisas. E, de resto, George não se podia considerar desaparecido. Estava simplesmente atrasado.

- Deve ter razão - acabou por admitir. - Desculpe incómodo.

- Não tem importância, Mistress Mellis. Aposto que chega aí no primeiro ferryboat da manhã, às sete.

Todavia, ele não apareceu no ferryboat das sete nem no seguinte, pelo que Alexandra voltou a ligar para a residencial de Manhattan.

Entretanto, começava a invadi-la uma sensação de catástrofe. O marido sofrera um acidente, encontrava -se num hospital, enfermo ou morto. Se não tivesse havido aquela confusão com Eva… Existia a esperança de ele ter chegado a Cedar Hill à hora combinada e, não a vendo, voltado a sair. Contudo, ficavam vários pormenores por explicar. Se tal acontecesse, deixaria um bilhete. Também podia ter surpreendido ladrões e sido atacado ou raptado. Alexandra tornou a percorrer a casa, em busca de um indício, ainda que insignificante. Em seguida, dirigiu-se ao molhe, onde viu o Corsair ancorado.

Telefonou de novo à Polícia, e desta vez foi atendida pelo tenente Philip Ingram, que rendera o sargento no turno da manhã. Já se encontrava ao corrente de que George Mellis estivera ausente de casa toda a noite, pois o facto constituíra o tema principal dos comentários na esquadra, todos eles jocosos.

- Não há mesmo o mínimo sinal dele, Mistress Mellis? - perguntou para o bocal. - Está bem. Eu próprio irei aí.

Sabia que se limitaria a perder tempo, pois o marido decerto passara a noite entre os lençóis de alguma loura capitosa, mas “quando os Blackwell chamam, toda a gente acode imediatamente”.

O tenente Ingram escutou atentamente as palavras de Alexandra, revistou a casa e o molhe e chegou à conclusão de que ela tinha um problema entre as mãos.

George Mellis devia reunir-se à esposa em Dark Harbor, ao fim da tarde anterior, e não comparecera. Conquanto o problema não fosse seu. Ingram admitiu para consigo que não perderia nada em

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se mostrar solícito para com um membro da família Black-well. Assim, telefonou ao aeroporto da ilha e ao terminal do ferrvboat em Lincolnville, após o que se achou em condições de afirmar à inquieta esposa que o marido não utilizara qualquer daqueles meios de transporte nas últimas vinte e quatro horas. “E que diabo significa isto? Que razão o levaria a desaparecer da circulação?” Na sua opinião, ho mem algum em plena posse das faculdades mentais abandonaria voluntariamente a companhia de uma mulher como Alexandra.

- Investigaremos nos hospitais e ne… - interrompeu-se antes de completar a palavra ominosa. - E outros locais.

- Obrigada, tenente - articulou ela, desenvolvendo esforços desesperados para não se abandonar ao pânico. - Não necessito dizer que aprecio devidamente o interesse que manifesta.

- É o meu dever - declarou Ingram, com simplicidade.

Quando regressou à esquadra, começou a ligar para os hospitais e necrotérios, mas só obteve respostas negativas. Não havia qualquer caso de acidente em que George Mellis figurasse. A diligência imediata do tenente consistiu em telefonar a um amigo que exercia as funções de repórter no Maine Cou-rier, após o que emitiu um boletim de pessoa desaparecida destinado a todos os postos habituais.

Naquela tarde, os jornais mencionavam o assunto na primeira página:

MARIDO DE HERDEIRA BLACKWELL DESAPARECE

Peter Templeton inteirou-se do caso por intermédio do detective Nick Pappas:

- Lembra-se de me pedir informações acerca de George Mellis?

- Perfeitamente.

- Eclipsou-se.

- O quê?

- Desapareceu.

- Levou alguma coisa? Dinheiro, roupa, passaporte?

- Não. Segundo o relatório que recebi de Maine, dissipou-se na atmosfera. Na qualidade de seu psiquiatra, pensei que talvez fizesse uma ideia de como ele conseguiu executar o truque.

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- Confesso que não - declarou Templeton, com sinceridade.

- Se lhe ocorrer alguma coisa, apite, pois palpita-me que isto vai fazer correr muita tinta.

- Sem dúvida.

Meia hora depois, Alexandra telefonava a Templeton, que detectou imediatamente a inflexão de pânico na voz.

- George desapareceu! Ninguém sabe o que lhe pode ter acontecido e lembrei-me de que talvez deixasse transparecer alguma coisa, nas vossas sessões.

- Lamento, Mistress Mellis, mas não o fez - ele deplorava não dispor de qualquer informação para a tranquilizar. - Se me ocorrer algum elemento útil, telefono-lhe.

Para onde devo ligar?

- Estou a falar de Dark Harbor, mas regresso a Nova Iorque à tarde. Encontrarme- á em casa de minha avó.

Ela não podia encarar a hipótese de se achar só e falara com Kate diversas vezes durante a manhã.

- Estou certa de que não há motivo para alarme - afirmara a avó. - Provavelmente, teve de se ausentar em serviço e esqueceu-se de te prevenir.

No entanto, nenhuma das duas mulheres acreditava nesta possibilidade.

Eva assistiu à reportagem sobre o desaparecimento de George Mellis na televisão, com fotografias do exterior de Cedar Hill e Alexandra e o marido após a cerimónia nupcial. Havia igualmente uma dele, de olhar arregalado, expressão que lhe recordou a de surpresa que exibira segundos antes de morrer.

Entretanto, o comentador informava:

- Não há indícios de violência, nem surgiram pedidos de resgate. As autoridades admitem a possibilidade de George Mellis ter sido vítima de um acidente e sofrer de amnésia.

Eva esboçou um sorriso de satisfação. Nunca encontrariam o corpo, porque a corrente o arrastara para o largo. Pobre George… Seguira o seu plano com perfeição, mas ela alterara-o. Partira de avião para Maine, onde alugara uma lancha motorizada em Philbrook Cove, que seria reclamada por um “amigo”.

Depois, alugara outra numa doca próxima e utilizara-a

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para alcançar Dark Harbor, onde esperara pelo cúmplice. Tomara a precaução de limpar a coberta antes de ancorar o iate na doca. Em seguida, rebocara a lancha dele até ao molhe, devolvera a sua a quem lha alugara e tomara o avião de regresso a Nova Iorque, a fim de aguardar em casa o telefonema que Alexandra não deixaria de efectuar.

Fora um crime perfeito, que a Polícia consideraria um desaparecimento misterioso.

Por último, desligou o televisor e foi-se vestir.

Não queria chegar atrasada ao encontro com Rory McKenna.

Às seis horas da manhã seguinte, os tripulantes de um barco de pesca encontraram o corpo de George Mellis entre as pedras, na baía Penebscot. No noticiário imediato, afirmaram que se tratava de morte acidental por afogamento, mas, à medida que iam surgindo mais informações, o teor das versões começou a modificar-se. Finalmente, surgiu um comunicado oficial, segundo o qual aquilo que ao princípio fora encarado como mordeduras de tubarões constituíam ferimentos provocados por um instrumento cortante. As notícias da tarde já não deixavam margem para dúvidas: