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- Referiu-se a um motivo - lembrou Templeton, após um momento de silêncio.

- Foi você que me colocou no bom caminho. Mistress Mellis estava casada com um psicopata que obtinha excitação sexual através de maus tratos infligidos aos prostitutos de ambos os sexos. Provavelmente, esbofeteava-a com regularidade e ela acabou por querer pôr termo ao tormento. Propôs o divórcio, ele recusou, o que não admira, dada a situação financeira da família Blackwell, e o homicídio apresentou-se como única alternativa.

- Que pretende de mim?

- Informação. Sei que almoçou com ela, há dez dias - Pappas premiu a tecla de um gravador em cima da secretária. - Quero que isto fique registado, para efeitos legais. Como se comportou? Parecia tensa, irritada, histérica?

- Nunca vi uma mulher mais descontraída e feliz com o casamento.

- Não tente ludibriar-me - advertiu, desligando o aparelho com um movimento brusco. - Procurei o doutor John Harley, esta manhã. Confessou que prestava assistência a Alexandra Mellis para evitar que se suicidasse!

Harley ficara profundamente preocupado com a visita do tenente Pappas, que entrara directamente no assunto:

- Mistress Mellis consultou-o profissionalmente, nos últimos tempos?

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- Não posso discutir os meus pacientes - foi a resposta peremptória.

- Compreendo. São amigos de longa data e pretende guardar segredo. Muito bem - Pappas levantou-se e encolheu os ombros. - investigo um homicídio. Por conseguinte, voltarei dentro de uma hora, munido de uma ordem judicial para examinar o seu ficheiro. Quando descobrir o q ue procuro, divulgá-lo-ei aos jornais.

Harley conservou-se silencioso por uns segundos e exalou um suspiro de resignação.

- Sente-se. De facto, Alexandra Mellis tem enfrentado problemas emocionais, ultimamente.

- De que género?

- Uma forte depressão nervosa. Fala mesmo em pôr termo à vida.

- Mencionou a possibilidade de se servir de uma faca?

- Não. Parece que sonhava com o afogamento. Prescrevi-lhe Wellbutrin e, mais tarde, por não produzir efeito, optei pela Nimifensina. Não sei se o resultado foi mais animador.

- Que mais? - inquiriu Pappas, enquanto os elementos formavam um panorama coerente no seu espírito.

- Revelei-lhe tudo o que sabia.

No entanto, havia mais, e John Harley sentia a consciência atormentá-lo.

Abstivera-se de mencionar o ataque brutal de George Mellis a Eva Blackwell. Em parte, porque reconhecia que devia ter informado as autoridades quando ocorrera, mas animava-o sobretudo o desejo de proteger a família Blackwell. Embora não pudesse determinar se existia alguma relação entre a agressão a Eva e a morte dele, o instinto segredava-lhe que convinha não ventilar o assunto. Na realidade, achava-se disposto a fazer tudo ao seu alcance para poupar a Kate Blackwell situações desnecessariamente penosas.

Cinco minutos depois de Harley tomar esta decisão, a recepcionista informou.- O doutor Keith Webster deseja falar-lhe. Está na linha dois. Dir-se-ia que a consciência pretendia submetê-lo a mais uma prova.

- Gostava de passar por aí esta tarde, John - declarou Webster. - Pode ser?

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- Sem dúvida. A que horas? - Às cinco, por exemplo.

- Muito bem.

Tudo indicava que o caso não tombava no esquecimento com facilidade…

Às 17.00 horas, a recepcionista introduziu o cirurgião no gabinete de Harley, que perguntou:

- Toma alguma coisa?

- Não, obrigado. Desculpe incomodá-lo, mas gostava de desfazer uma dúvida.

- Não tem importância. Do que se trata?

- Da… - Webster hesitou e aclarou a Voz. - Do espancamento de Eva Blackwell por George Me'lis.

- Continue.

- Sabia que ela esteve às portas da morte?

- Sem dúvida.

- A Polícia não foi informada, como sabemos. No entanto, agora, em face do que sucedeu, pergunto a mim mesmo se não conviria fazê-lo.

- Acho que deve proceder como melhor lhe parecer, Keith.

- Por outro lado, custa-me praticar um acto que possa afectar Eva Blackwell. Uma moça muito especial, diga-se de passagem.

- Decerto - assentiu Harley, observando o interlocutor com curiosidade.

- O pior é que, se me calo e a Polícia descobre tudo mais tarde, fico em maus lençóis.

“Ficamos!” reflectiu. De súbito, afigura-se-lhe vislumbrar uma saída possível e disse com desprendimento:

- Parece-me pouco provável que isso venha a acontecer. Ela nunca falaria nisso e, de resto, você restituiu-lhe o aspecto primitivo. Se não fosse aquela pequena cicatriz, ninguém suspeitaria de que esteve desfigurada.

- Qual cicatriz? - perguntou o cirurgião, enrugando a fronte.

- A da fronte. Segundo a própria Eva me revelou, você tenciona suprimi-la dentro de um ou dois meses.

- Não me recordo… Quando a viu pela última vez?

- Procurou-me há uns dez dias, para trocarmos impressões sobre um problema da irmã. Por acaso, a cicatriz foi o

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único indício que me permitiu verificar que era ela e não Alexandra. São gémeas idênticas, como sabe.

- Sim - Webster inclinou a cabeça com lentidão. Lembro-me de ver fotografias da irmã nos jornais. Têm uma semelhança surpreendente. E diz que só soube de quem se tratava em virtude da cicatriz resultante da operação?

- Exacto.

- Pensando bem, talvez não convenha ir à Polícia imediatamente. Quero ponderar o assunto mais uns tempos.

- Aqui para nós, acho que tomou a decisão mais sensata. São ambas mulheres encantadoras e os jornais insinuam que as autoridades julgam Alexandra autora da morte do marido. Quanto a mim, é impossível. Conheço-as desde a infância…

Todavia, o dr. Webster deixara de prestar atenção às palavras de Harley, imerso em profundas reflexões.

O cirurgião abandonou o consultório do colega, entregue a meditações cada vez mais preocupantes. Tinha a certeza absoluta de que não deixara o mínimo vestígio de cicatriz naquele rosto admirável. Não obstante, John Harley afirmava tê-la visto. A situação afigurava-se-lhe confusa e incompreensível.

Após longa meditação, julgou vislumbrar a verdade e decidiu: “Se tenho razão, a minha vida vai sofrer uma transformação radical.”

Na manhã seguinte, voltou a telefonar a Harley.

- Desculpe tornar a incomodá-lo, John, mas gostava que me esclarecesse um ponto. Disse que Eva Blackwell o procurou para trocarem impressões acerca de Alexandra?

- Sim.

- Alexandra esteve aí, depois disso?

- No dia seguinte. Porquê?

- Mera curiosidade. Pode revelar-me o motivo da visita de Eva?

- A irmã atravessava um período de grande depressão e ela queria saber se lhe podia valer.

Eva fora espancada e quase morta pelo marido de Alexandra. Agora, ele aparecera assassinado e esta figura como principal suspeita.

Keith Webster nunca duvidara de que não era um homem brilhante. No liceu, tivera de se esforçar até à exaustão para obter nota suficiente para transitar de ano. Por outro lado,

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podia considerar-se uma nulidade no campo dos desportos, pois possuía um físico pouco apropriado para o efeito. Portanto, foi com surpresa geral dos colegas e amigos que conseguiu 'ingressar na Faculdade de Medicina. Uma vez tornado médico, prosseguiu os estudos e acabou por se converter num dos melhores cirurgiões plásticos do mundo. Dir-se-ia possuir um talento especial para modelar os tecidos humanos, como o escultor trabalha com o barro. Todavia, mau grado a fama que conquistou, jamais conseguiu superar o trauma da mocidade. No íntimo, continuava sendo o adolescente que aborrecia toda a gente e as raparigas desfrutavam.

Quando finalmente marcou o número de Eva, Webster tinha as mãos alagadas em transpiração. Ela atendeu ao primeiro toque e proferiu:

- Rory?

- Não. É Keith Webster.

- Ah, olá.

- Como tem passado? - perguntou, apercebendo-se da mudança na voz dela.