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- Bem, obrigada.

- Precisava falar-lhe.

- Não recebo ninguém. Se lê os jornais, sabe que meu cunhado foi assassinado.

Estou de luto.

- É precisamente acerca disso que lhe queria falar - ele limpou uma das mãos às calças e utilizou-a para pegar no auscultador, a fim de proceder a idêntica operação com a outra. - Sou possuidor de determinada informação do seu interesse.

- De que se trata?

- Prefiro não ventilar o assunto pelo telefone.

- Está bem. Quando quer passar por cá?

- Imediatamente, se não vê inconveniente.

Quando o cirurgião se apresentou no apartamento de Eva, esta acolheu-o com a advertência:

- Disponho de pouco tempo. Que pretende dizer-me, afinal?

- Isto.

Webster abriu um sobrescrito que extraiu da algibeira e

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mostrou a fotografia que continha, com uma expressão de desafio.

- Sou eu - admitiu ela, intrigada. - E depois?

- Foi tirada logo a seguir à operação. Ou, melhor, após] a retirada das ligaduras.

- Não duvido, mas continuo sem compreender.

- Nota alguma cicatriz na fronte?

A metamorfose operada no seu semblante não passou despercebida ao cirurgião, que esboçou um modesto sorriso de triunfo.

- Sente-se, Keith.

Ele instalou-se diante de Eva, na extremidade do sofá, olhando-a como que fascinado. Vira muitas mulheres bonitas ao longo da sua carreira, mas aquela atraía-o de uma maneira diferente.

- Sou toda ouvidos.

Webster começou pelo princípio. Referiu a sua visita ao dr. Harley e a cicatriz misteriosa, ao mesmo tempo que lhe observava os olhos, os quais se mantinham, todavia, inexpressivos. No final da descrição, Eva declarou:

- Não sei o que tem em mente, mas garanto-lhe que se limita a perder tempo. No que diz respeito à cicatriz, quis pregar uma pequena partida a minha irmã. E agora, se acabou de desfiar o rosário, não o retenho mais.

- Lamento tê-la incomodado - não obstante, ele permaneceu sentado. - Simplesmente, pensei que conviria falar consigo antes de me dirigir à Polícia.

- À Polícia? - ecoou ela, agora visivelmente interessada. - Para quê?

- Sou obrigado a comunicar o ataque de que foi vítima por parte de George Mellis.

Há, depois, o pormenor da cicatriz. Não o entendo, mas estou certo de que você explicará tudo de forma satisfatória para as autoridades.

Eva experimentou a primeira sensação de medo. O imbecil e insignificante indivíduo sentado na sua frente não fazia a mínima ideia do que acontecera, mas achava-se na posse de material suficiente para obrigar a Polícia a formular-lhe perguntas embaraçosas.

George Mellis visitava-a com frequência, circunstância sem dúvida observada pela vizinhança. Por outro lado, ela mentira acerca da ida a Washington, na noite da morte de Mellis, e

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não dispunha de um álibi sólido porque nunca supusera que o viria a necessitar.

Se a Polícia se inteirasse de que o cunhado a espancara quase até à morte, deparar-se-lhe-ia um excele nte móbil para o crime. A partir daí, toda a maquinação se revelaria gradualmente. Portanto, impunha-se que garantisse o silêncio daquele homem.

- Que pretende? Dinheiro?

- Não! - replicou ele, indignado.

- Então?

- Gosto muito de si - articulou, corando e fixando o olhar na carpeta. - Desgostavame profundamente que lhe sucedesse algum dissabor.

- Não se preocupe com isso - Eva conseguiu esboçar um sorriso. - Creia que nada disso tem a mínima relação com a morte de George Mellis - pegou-lhe na mão e acrescentou a meia voz: - Ficava-lhe imensamente grata se esquecesse o que acaba de mencionar. De acordo?

- Bem queria, mas o médico legista promove um inquérito preliminar, no sábado.

Na minha qualidade de cirurgião, tenho de depor e revelar tudo o que sei.

- Não é obrigado a isso! - exclamou ela, alarmada.

- Que remédio… O juramento profissional impõe-mo. Há apenas uma coisa que me impediria de o fazer…

- O quê?

A voz de Webster denunciava a máxima brandura quando anunciou:

- Homem algum pode ser forçado a depor contra a esposa!

Capítulo trigésimo quinto O casamento realizou-se dois dias antes do inquérito do médico legista, numa cerimónia discreta presidida por um magistrado no seu gabinete. A ideia de se unir pelo matrimónio a um homem como Keith Webster fazia com que Eva sentisse arrepios de repulsa, mas reconhecia que não lhe restava qualquer alternativa. “O idiota pensa que vamos estar casados durante muito tempo.” Assim que o inquérito fosse concluído, obteria a anulação, e não teria de o suportar mais.

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O tenente -detective Nick Pappas achava-se a contas com um problema. Estava convencido de que conhecia a identidade de quem matara George Mellis, mas não o podia provar. Deparava-se-lhe uma conspiração de silêncio em torno da família Blackwell que não podia desmantelar. Discutiu o assunto com o seu superior, capitão Harold Cohn, um polícia, que iniciara a carreira como simples guarda das ruas, o qual o escutou em silêncio e, no final, declarou:

- É tudo fumo, Nick. Não possui um fragmento de prova, No tribunal, rir-se-iam de nós!

- Talvez, mas tenho razão - Pappas imergiu em reflexões por um momento. - Importa-se que converse com Kate Blackwell?

- Com a breca! Para quê?

- Chame-lhe uma diligência motivada pelo desespero. Como chefe suprema da família, pode dispor de elementos que lhe pareçam destituídos de importância.

- Terá de usar muita cautela.

- Não se preocupe com isso.

- E trate-a com amabilidade. Lembre -se de que tem uma idade avançada.

- É precisamente com isso que conto.

A entrevista realizou-se naquela tarde, no gabinete de Kate. Nick Pappas calculou que há muito ultrapassara os oitenta anos, embora mantivesse um porte aprumado e quase não deixasse transparecer a amargura que a situação decerto lhe provocava.

- A minha secretária informou-me de que deseja falar-me de um assunto de certa urgência, tenente.

- Exactamente, Mistress Blackwell. Realiza-se amanhã o inquérito relativo à morte de George Mellis e tenho motivos para supor que sua neta está envolvida no assunto.

- Não acredito - ela assumiu uma atitude repentinamente rígida.

- Agradecia que ponderasse o meu ponto de vista. Toda a investigação policial principia com a questão do móbil. George Mellis era um caçador de fortunas - Pappas notou a reacção provocada por estas palavras, mas prosseguiu: - Casou com a sua neta e viu-se de repente habilitado a desfrutar de recursos materiais avultados. Quanto a mim, excedeu-se nos maus tratos a Alexandra, que resolveu propor o

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divórcio. Ora, ele recusou e a única solução consistiu em matá-lo. - Fez uma pausa, mas Kate permaneceu silenciosa, conquanto empalidecesse um pouco.

- Comecei a procurar elementos confirmativos da minha teoria. Sabíamos que George Mellis esteve em Cedar Hill antes de desaparecer. Existem apenas duas vias de acesso a Dark Harbor: avião ou ferryboat. Segundo as diligências efectuadas no local, ele não os utilizou. Não acredito em milagres, pelo que pus de parte a possibilidade de cobrir a distância a pé, na água. A única hipótese que restava era que recorreu a uma embarcação a partir de algures ao longo da costa.

Nessa conformidade, pus-me a explorar os locais de aluguer e fui bem sucedido em Gilkey Harbor. Às quatro da tarde do dia da morte de George Mellis, uma mulher alugou uma lancha motorizada, com a indicação de que um amigo a iria buscar. Pagou em dinheiro, mas teve de assinar o talão de aluguer. O nome de Solange Dunas reveste -se de algum significado para si, Mistress Blackwell?

- Sem dúvida. Era o da perceptora das minhas netas. Regressou a França, há vários anos.

Pappas inclinou a cabeça, com uma expressão de satisfação no rosto.