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Patrícia

Escalona,

degolada

como

um

cordeiro

sacrificial por aquele assassino. Ou se calhar, porque

não?, o que sentia era alívio por ter morto o agressor

porque isso significava que ele já não poderia fazer

mal a Valentina.

Acima de tudo, a morte do assassino queria dizer que o

maldito pesadelo terminara por fim.

“Professor Noronha?”

A voz do inspector-chefe Grossman parecia vir do fundo

de um túnel.

Tomás permanecia ajoelhado diante do cadáver de

Sicarius, o coração a bater com força e a respiração

ainda ofegante, libertada a espaços com nuvens de

vapor, como um cavalo arquejante após a corrida.

Sentiu o próprio corpo e verificou que recuperara um

pouco as forças.

Depois concentrou-se nas palavras que acabara de ouvir.

A voz do polícia israelita viera de trás das suas

costas.

Depois de respirar fundo mais uma vez, o historiador

pôs-se a custo de pé.

“Está tudo bem”, disse.

“Ele já não nos fará mal.”

“Onde está o tubo de ensaio?”

O historiador voltou-se devagar para trás e viu o corpo

de Grossman recortado pela luz ao fundo do corredor.

A mão segurava um objecto com um cano curto.

Como só tinha o olho direito a funcionar, levou alguns

instantes a perceber que se tratava da pistola que o

polícia trouxera para o interior do complexo.

“É um pouco tarde para usar a arma, não acha?”,

perguntou com sarcasmo.

“O assassino já morreu.”

Arfou, numa tentativa de normalizar a respiração.

“Isso tinha dado jeito era há pouco!...”

Ao fundo do corredor, Grossman puxou uma outra figura

para junto dele e colou-lhe a ponta do cano da pistola

à cabeça.

Tomás

pestanejou

com

o

olho

direito,

tentando

certificar-se de que estava a ver bem.

O polícia israelita tinha a arma apontada à cabeça de

uma figura de escafandro que, naquelas condições, era

difícil reconhecer.

“O tubo de ensaio?”, voltou a perguntar Grossman. “Vai

dar-mo a bem ou só por cima de mais este cadáver?”

Pelo registo ameaçador da voz, o historiador percebeu

que o inspector-chefe não brincava.

Tinha a pistola voltada para uma pessoa e ameaçava

abatê-la se não lhe fosse entregue o que queria.

Ver através de apenas um olho numa atmosfera tão fria e

com metade da face a arder de dor era tarefa difícil,

mas Tomás esforçou-se por destrinçar o rosto do alvo de

Grossman que o visor do escafandro escondia.

“Faça o que ele diz”, implorou a figura ameaçada.

“Por favor! Senão ele mata-me!”

Ao escutar aquela voz, o académico português reconheceu

finalmente a pessoa que o israelita ameaçava e sentiu

nesse momento o coração apertar-se de medo e angústia.

Era Valentina.

LXXIII

Uma estranha mistura de desânimo e fúria e desespero

apossou-se de Tomás no momento em que tomou consciência

de que Arnie Grossman ameaçava Valentina de morte, uma

pistola apontada à cabeça, os corpos das duas figuras

recortados como sombras espectrais diante da luz que

banhava o fundo do corredor.

“O que diabo está a fazer?”, perguntou o historiador,

tentando impor alguma ordem racional naquele caos.

“Baixe essa arma!”

O inspector-chefe da polícia israelita abanou a cabeça.

“Primeiro dê-me o tubo de ensaio!”

O português tinha passado um mau bocado com o agressor

de negro e pensara que a morte do homem tinha posto fim

ao pesadelo. O que via diante dele, todavia, mostrava-

-lhe que o pior talvez ainda estivesse para vir. Uma

coisa era enfrentar e matar um desconhecido, outra era

ser traído por alguém em quem confiara.

O que deveria fazer?

A situação com que se confrontava era inesperada.

O que se passava mostrava-lhe que o seu quadro de

referências estava errado.

Grossman não era um aliado, mas um inimigo, e ele

precisava de avaliar o seu novo antagonista.

Tinha de o obrigar a falar, percebeu; só assim poderia

obter informação que o ajudasse a enxergar o melhor

caminho para sair daquela situação.

“Como sei que, se lhe der o tubo de ensaio, o senhor

não a mata na mesma?”

Grossman empurrou a pistola contra a cabeça da

italiana, reforçando a ameaça sobre ela.

“Não se meta em joguinhos comigo”, avisou. “Tenho o

dedo impaciente por carregar neste gatilho!...”

Tomás virou-se para contemplar o corpo de negro

estendido atrás dele e depois voltou-se novamente para

o polícia; dadas as circunstâncias, o seu raciocínio

não era dos mais rápidos, mas tornara-se evidente que

havia uma ligação entre aqueles dois.

“O senhor também é um sicarius?”

O israelita riu-se.

“Você sempre foi muito perspicaz”, observou.

“O seu azar é que isso já não o vai ajudar.”

O seu rosto endureceu de novo.

“O tubo de ensaio?”

O olho inchado começou a doer com mais intensidade e o

historiador esboçou um esgar de sofrimento e acariciou

a ferida, como se assim conseguisse aplacar a dor.

“Porquê?”, perguntou.

“Porquê tudo isto?

Porquê matar a professora Escalona e os outros dois?

Porquê atacar-me a mim e a Valentina?

O que se está a passar?

O que querem vocês?”

“Queremos a nossa história”, replicou Grossman num tom

subitamente zangado.

“Queremos a nossa cultura! Queremos a nossa dignidade!

Queremos a nossa terra sagrada!”

Tomás fez uma careta de incompreensão.

“Mas alguém aqui pôs isso em causa?”

“Todos os dias! Vocês, os cristãos, apoderaram-se das

nossas Escrituras,

apoderaram-se do nosso passado, e

agora querem apoderar-se do nosso futuro. Isso nunca

permitiremos.

Os sicarii organizaram-se no século I para enfrentar a

ameaça romana. Uma nova ameaça paira sobre Israel, mas

nunca nos entregaremos sem lutar!”

“Está a falar de quê? Que ameaça representavam as

vítimas dos vossos ataques? Que ameaça represento eu?

Que conversa é essa?”

O polícia israelita fez um gesto a indicar o espaço em

redor.

“Todo este projecto é uma ameaça!”, exclamou.

“Se ele for para a frente, é uma ofensa aos judeus e

uma ameaça à sobrevivência de Israel.

O nosso governo recusa-se a ver isso, mas nós, os

sicarii, tal como os nossos antepassados há dois mil

anos, não deixaremos que se usurpe esta terra que Deus

nos deu!”

Tomás sacudiu a cabeça, como se nada do que escutava

fizesse o menor sentido.

“Como é que um projecto para clonar Jesus é uma ameaça