tinha uma janelinha circular no meio, mas o vapor e o
fumo embaciavam-na e não deixavam ver através do vidro.
“Você está bem?”
O historiador olhou para trás, por cima do ombro, e viu
Valentina a fitá-lo com os seus grandes olhos azuis.
A italiana tinha retirado a parte de cima do escafandro
e estava de cabeça descoberta, o que se afigurava
inteiramente natural; o incêndio havia aquecido a
câmara e naquelas novas circunstâncias já não se punha
o problema do frio nem da contaminação das preciosas
amostras guardadas no Kodesh Hakodashim.
Sem proferir uma palavra, Tomás abraçou-a e beijou-lhe
o cabelo. Cheirava a fumo, mas o que lhe importava
isso? Sentiu ganas de lhe cobrir a face de beijos e só
parar quando lhe chegasse aos lábios, mas conteve-se;
aquele não era com certeza o momento mais apropriado. A
prioridade era outra. Segurou-a pelos ombros e encarou-
a.
“Temos de sair daqui”, disse, fitando-a nos olhos. “Não
tarda nada isto está tudo a arder!...”
Pela primeira vez apercebeu-se de que a italiana estava
assustada. Não era de admirar. Já enfrentara o ataque
do sicarius e a traição de Grossman, e, como se tudo o
resto não bastasse, confrontava-se com aquele incêndio
descontrolado.
O pior é que as chamas se aproximavam cada vez mais
depressa, conferindo uma maior urgência à necessidade
de abandonarem a câmara.
“Mas como?”, perguntou Valentina.
“A porta está trancada. Você sabe o código?”
A atenção de Tomás desviou-se para a porta blindada.
“Não tenho a certeza”, disse. “Mas acho que sei.
Lembra-se que para entrarmos o...”
Calou-se a meio da frase. Diante dele viu Arnie
Grossman, também de cabeça destapada, a emergir do fumo
com a arma apontada para ele.
O historiador lançou olhares para todos os lados, em
busca de uma linha de fuga.
Naquelas circunstâncias, porém, não havia mais nenhuma
escapatória possível. Se quisesse fugir, para onde
iria? Para o fogo que se aproximava?
“A armadilha fechou-se!”, rugiu o mestre dos sicarii,
saboreando o momento.
“Ratos como você acabam sempre por ser apanhados, hem?”
O português ergueu as mãos, as palmas voltadas para o
homem armado num gesto de rendição.
“Tenha calma!”, disse.
“Estamos todos no mesmo barco!”
O rosto de Grossman abriu-se num sorriso grotesco.
“Eu não partilho o meu barco com ratos”, grunhiu.
Fez pontaria e armou o gatilho, preparando-se para
disparar.
“Muito menos com um que se prepara para se tornar um
cadáver. ”
A situação era desesperada. Sempre de mãos no ar, Tomás
recuou um passo e embateu com as costas na porta
metálica. Encontrava-se na posição clássica do fuzilado
no momento anterior ao disparo.
Sentindo-se perdido, desviou o olhar para Valentina.
Não tinha sido ela que dissera ter improvisado uma arma
e que não voltaria a deixar-se surpreender pelo polícia
israelita?
Se tinha uma arma, este era o momento de a usar.
Na mente do historiador não havia a menor dúvida de
que, depois de o executar, Grossman voltaria a pistola
para ela e abatê-la-ia também.
Chegara o instante do tudo ou nada.
“Arnie, espere aí!”
A italiana dirigiu-se ao israelita em termos que
suscitaram uma profunda decepção em Tomás, em cuja
mente se cruzaram múltiplas perplexidades.
“Arnie, espere aí”?
Que raio de ingenuidade era aquela? Será que ela achava
que uma frase destas os iria salvar? Onde diabo estava
a arma improvisada que Valentina havia fabricado?
Porque não a usava?
“O que é?”, quis saber Grossman, sem desviar a pistola
do alvo.
“Passa-se alguma coisa?”
Uma nova surpresa para Tomás. Afinal o apelo de último
recurso, por muito ingénuo e ineficiente que parecesse,
estava a funcionar! Era evidente que ela procurava
ganhar tempo, decerto para usar a tal arma.
“Você tem o material genético?”, perguntou Valentina.
“Claro”, devolveu o israelita, retirando o tubo de
ensaio do bolso interior do escafandro para o exibir
como prova.
“Achava que o tinha perdido?”
“Era só para me assegurar de que estava tudo sob
controlo”, explicou ela.
Fez um sinal com a cabeça, a indicar o historiador.
“Não o mate já!”
Grossman carregou as sobrancelhas, esboçando uma
expressão intrigada.
“Ora essa! Porquê?”
Valentina indicou a porta.
“Sabe o código para sair daqui?”
O israelita olhou para a superfície metálica e hesitou;
era evidente que aquele problema ainda não lhe tinha
ocorrido.
“Ó diabo!”, exclamou. “E agora?”
A inspectora da Polizia Giudiziaria fez um gesto na
direcção de Tomás.
“Mas ele sabe.”
Grossman olhou para o historiador com novos olhos, como
se aquele dado alterasse tudo.
Hesitou
um
longo
momento
e
coçou
a
cabeça,
reequacionando a situação.
Não havia muito que pensar; as alternativas eram poucas
e evidentes, e o tempo escasseava.
O mestre dos sicarii deu dois passos em direcção ao seu
alvo e encostou-lhe a pistola à testa.
“Qual é a senha?”
Tomás devolveu-lhe um olhar carregado de desdém.
“O que faz se eu não disser?”, perguntou em tom de
desafio.
“Mata-me?”
O polícia israelita ponderou o problema. Era evidente
que a sua vítima se sentia perdida. Que incentivo tinha
o português para lhe revelar a palavra de código que
permitiria franquear a porta blindada se sabia que
depois seria morto?
A realidade impôs-se. Era necessário recorrer aos
grandes meios. Consciente de que o tempo urgia por
causa da aproximação das chamas, Grossman aproximou-se
da italiana e estendeu-lhe a pistola.
“Segure aí!”, pediu.
“Vou ter de lhe fazer um interrogatório a sério.”
O coração de Tomás deu um salto quando viu o seu
inimigo entregar a arma a Valentina.
Ela era absolutamente genial!, pensou, dominando um
desejo quase irresistível de dar um pulo de alegria.
Teve vontade de voltar a abraçar aquela mulher, e desta
vez não pouparia nos beijos nos lábios! Recorrendo
exclusivamente à astúcia e à dissimulação, a inspectora
da Polizia Giudiziaria conseguira ludibriar o israelita
e levara-o mesmo a passar-lhe a pistola para as mãos!
Se não tivesse visto com os seus próprios olhos, nunca
teria acreditado! Aquilo era incrível! Tratava-se de
uma obra-prima na arte da manipulação das mentes!
Valentina pegou na pistola e durante uns segundos