confirmou. Achámos a ideia uma loucura, claro. Uma
loucura perigosa.”
“Perigosa? Porquê?”
Ela inclinou a cabeça de lado.
“Francamente, Tomás! Clonar Jesus? Já viu bem as
consequências de uma coisa dessas? Como reagiria Jesus
quando um dia chegasse ao Vaticano e visse toda aquela
opulência? E se ele fizesse em Roma o que fez quando
visitou o Templo de Jerusalém?”
Esboçou um gesto teatral e citou as palavras de Jesus
quando provocou o incidente no Templo.
“‘Não está escrito: A minha casa será chamada casa de
oração para todos os povos? Mas vós fizestes dela um
covil de ladrões.’”
Fitou Tomás.
“Está a ver a cena? Jesus a criticar o Vaticano e a
mandar vender tudo para ajudar os pobres?”
Inclinou a cabeça para o lado.
“Acha mesmo que íamos tolerar uma coisa dessas?”
O historiador suspirou.
“Já percebi”, disse. “O regresso de Jesus poderia pôr
em causa os interesses instalados!...”
“Tínhamos de travar essa loucura”, exclamou Valenti-
na.
“A P2 convocou uma reunião especial para discutir o
assunto e ficou decidido que nos iríamos articular com
os sicarii. Urgia pôr fim a esta fantochada.
Acontece que a Fundação Arkan mantinha o projecto em
grande segredo e as nossas tentativas para o infiltrar
não foram bem sucedidas. Identificámos, no entanto,
algumas figuras-chave ligadas ao projecto e delineámos
um plano que implicava o recrutamento de um dos mais
prestigiados historiadores do mundo.”
Sorriu.
“Você.”
A revelação deixou Tomás atónito.
“Eu?”
“O plano era simples”, indicou ela.
“Os sicarii iriam executar três dessas personalidades
ligadas ao projecto e deixariam pequenas pistas que só
um historiador perito em criptanálise e línguas antigas
seria capaz de decifrar.
Fomos entretanto informados de que a professora
Escalona tinha pedido para consultar o Codex Vaticanus
na Biblioteca Vaticana e soubemos que ela era sua
amiga. Pareceu-nos perfeito. Graças a um contacto no
ministério italiano da Cultura, arranjámos maneira de
garantir que as autoridades culturais solicitavam à
Fundação Gulbenkian que o envolvesse a si no restauro
das ruínas do Fórum e dos mercados de Trajano na data
em que a historiadora galega estaria em Roma.
Uma vez todas as peças alinhadas no tabuleiro, foi só
desencadear a operação.
A professora Escalona chegou a Roma na data prevista e
um colaborador nosso comunicou-lhe que você também
estava na cidade. Como prevíamos, ela telefonou-lhe de
imediato.”
“Cabrões!”, rosnou Tomás em voz baixa, lutando por
controlar a fúria que dele se apossava à medida que
percebia como fora manipulado desde o início.
“E se ela não tivesse telefonado? Como fariam vocês
para me envolver nessa vossa tramóia?”
“O homem de mão do Arnie teria feito uma chamada para o
seu número a partir do telemóvel dela. Mas não foi
necessário. A professora Escalona telefonou para si e
depois dirigiu-se à Biblioteca Vaticana, onde tinha à
espera dela o operacional dos sicarii. Quando fui
chamada ao local para proceder às averiguações do
homicídio só tive de espreitar a lista de chamadas no
telemóvel da vítima e convocá-lo imediatamente ao
Vaticano. Era o pretexto ideal para o envolver nas
investigações.”
“Mas porquê eu?”
“Porque você conhecia uma das vítimas e porque
precisávamos de um pisteiro que nos conduzisse ao
coração deste projecto.”
Ergueu a mão, exibindo o tubo de ensaio com o ADN de
Jesus.
“O facto de eu estar agora na posse deste material
genético é prova suficiente de que o plano foi bem
gizado.”
Arqueou as sobrancelhas, muito satisfeita consigo
própria.
“E, perdoe-me a imodéstia, bem executado.”
Novas explosões sacudiram a câmara. O incêndio
alastrava e aproximava-se. Percebendo que não dispunha
de muito tempo, Grossman interrompeu a conversa.
“Para que está você a contar-lhe isso tudo?”
“Porque sou uma boa cristã”, retorquiu a italiana num
tom sarcástico.
“Se ele vai morrer, tem ao menos o direito de saber por
que razão morre.”
“Antes disso, há uma coisa que ele precisa de fazer”,
disse o israelita, indicando a porta blindada.
“Tem primeiro de nos dizer qual é a senha.”
Com um movimento inesperado, o israelita agarrou o
historiador pelos ombros, pôs a perna de lado e
aplicou-lhe um golpe de judo, estendendo-o no chão de
barriga para baixo.
“O que é isto?”, espantou-se Tomás, a face colada ao
solo.
“Que está a fazer?”
O atacante agarrou no braço esquerdo do seu prisioneiro
e estendeu-o à força, obrigando-o a espalmar a mão.
Fixou-lhe o pulso ao solo e colou-lhe o canivete suíço
à base do dedo mindinho.
“Vou apresentar-lhe uma técnica de interrogatório com
uma taxa de sucesso próxima dos cem por cento”,
anunciou.
“A técnica consiste em amputar os dedos dos suspeitos
até eles começarem a falar. Muito simples, não é?
Simples e eficaz. Garanto-lhe que todas as pessoas a
quem apliquei este método acabaram por cantar que nem
querubins. É o que você vai também fazer.”
“O senhor está louco?”
“Dou-lhe uma última oportunidade que lhe irá poupar
muito sofrimento desnecessário se a souber aproveitar”,
anunciou. “Qual a senha para destrancar a porta?”
O português sentiu a lâmina pousada no dedo e avaliou a
situação. Não era famosa. Mas quais as alternativas de
que dispunha? Tinha o olho esquerdo inchado, a mão
direita
engessada,
sentia-se
fatigado
e
traído,
encontrava-se fechado numa câmara onde tudo ardia,
havia uma mulher a apontar-lhe uma pistola e estava
deitado no chão com um louco a ameaçar cortar-lhe um
dedo. A palavra de código que permitia abrir aquela
porta, a via de salvação para todos, era o único trunfo
que lhe restava. O que deveria fazer?
“Porque diabo lhe iria revelar a senha?”, perguntou,
desesperadamente à procura de uma saída que o tirasse
dali.
“Para o senhor me matar a seguir?”
“Mais tarde ou mais cedo todos morremos”, devolveu
Grossman num tom quase paternalista.
“A única coisa que não sabemos é como. Finamo-nos
depressa e sem sofrimento ou morremos de maneira atroz,
com grande dor e ansiedade? São estas as opções que lhe
estou a oferecer. Agora escolha.”
A voz esfriou e endureceu.
“Qual é a senha?”
“Vá à merda!”