“Professor Noronha?”
O português estacou e olhou para trás.
“Sim?”
Deitado na maca, Arkan observava-o de lado com uma
expressão indefinida.
“O senhor sabe o que é uma PCR Machine?”
Tomás abanou a cabeça.
“Não faço a mínima ideia.”
O presidente da fundação fez-lhe com o dedo sinal de
que se aproximasse de novo, como se tivesse mais alguma
coisa para lhe contar. O historiador obedeceu.
“Chama-se PCR Machine, ou Máquina de RCP”, disse Arkan
num tom quase confidencial. “De certeza que nunca ouviu
falar?”
O português fez um esforço de memória.
“Máquina de RCP?”, perguntou. Acabou por desenhar com
os lábios uma expressão de ignorância.
“Não. Não sei.”
“RCP significa reacção em cadeia de polimerase”,
esclareceu Arkan. “Através desta tecnologia é possível
pegar numa pequena quantidade de ADN e, recorrendo a
enzimas, fazer muitas cópias. Ou seja, basta meter o
ADN de uma única célula numa máquina de RCP e podemos
multiplicar esse material genético milhões de vezes.”
“Ah,
que
curioso!”,
anuiu
Tomás,
fingindo-se
impressionado.
“É incrível o que a tecnologia faz hoje em dia, hem?”
Arkan cravou os olhos no seu interlocutor, como se o
convidasse a assumir as consequências do que lhe
acabara de dizer.
“No caso dos ossários de Talpiot, conseguimos extrair
dos restos de um osso de Jesus duas células com o
núcleo praticamente intacto. Essas duas células foram
colocadas na máquina de RCP que adquirimos para os
nossos laboratórios em Nazaré. Produzimos assim milhões
de células idênticas, que dividimos em três partes. Uma
foi para um tubo de ensaio que ficou guardado no Kodesh
Hakodashim do nosso Centro de Pesquisa Molecular
Avançada. Foi esse tubo que, pelos vistos, acabou de
ser destruído.
As outras duas partes foram colocadas em dois tubos de
ensaio diferentes. Um foi guardado pelo professor
Vartolomeev no laboratório da Universidade de Plovdiv,
na Bulgária, e o outro enviado pelo professor Hammans
para o Laboratório Europeu de Biologia Molecular, em
Heidelberga, na Alemanha.”
Fez uma pausa e perscrutou-lhe o rosto, como se
buscasse uma reacção.
“Percebeu o que lhe disse?”
Atónito com o que acabara de ouvir, Tomás fitou-o
embasbacado e levou um longo momento a assentir com a
cabeça e a retirar as devidas conclusões.
“Está a dizer-me que existem ainda dois outros tubos de
ensaio?”
“Exacto.”
“Com o mesmo material genético?”
A face de Arpad Arkan abriu-se num sorriso de bonomia,
como se o esgar alegre fosse a resposta e nada mais
precisasse de ser dito. Ergueu a mão e fez sinal à
doutora Koshet de que estava pronto para a anestesia. A
médica abriu a porta da enfermaria e os enfermeiros
começaram a empurrar a maca na direcção do bloco
operatório.
Como se tivesse sido atingido por um relâmpago e se
encontrasse
ainda
atordoado,
Tomás
permaneceu
absolutamente imóvel, os olhos perdidos na maca em
movimento, a mente ainda a matutar no significado do
que escutara. Dois tubos de ensaio haviam sobrevivido,
sussurrava-lhe uma voz ao ouvido.
Dois tubos de ensaio haviam sobrevivido.
Quando atravessava a porta, o presidente da fundação
travou a maca e, embora deitado, conseguiu voltar a
cabeça para trás e fitar o português uma derradeira
vez.
“Como é que os gregos dizem boa nova, professor? Evan
gelion, não é? Pois é esse agora o nosso evangelho.”
O historiador fitou-o com ar aparvalhado.
“Hã?”
Viu Arpad Arkan exibir o seu sorriso de criança antes
de os dois enfermeiros voltarem a empurrar a maca e as
portas se fecharem atrás deles.
Tomás ficou enfim sozinho na enfermaria, entregue ao
torpor da sua estupefacção, o silêncio apenas quebrado
pela voz do presidente da fundação, que, já no
corredor, libertou em tom triunfal o seu último
segredo.
“Jesus vai voltar a caminhar na Terra.”
Nota final
Mais chocante do que algumas das revelações feitas
neste romance é o facto de nada do que ele contém ser
realmente novo. Nada. Tudo o que aqui está resulta do
labor crítico dos historiadores. A aplicação do método
de análise histórica aos textos bíblicos recua, de
resto, ao século XVIII e ao longo do tempo foi
produzindo resultados surpreendentes neste campo.
O Jesus histórico que emergiu destes estudos revelou-se
bem diferente da construção divinizada que nos é
apresentada na catequese, nas missas e nos textos
religiosos.
Em momento algum foi minha intenção desrespeitar ou
ofender qualquer crente desta grande religião que é o
cristianismo, a maior do planeta. Mas é esta religião
que funda a nossa moral. Podemos nem nos aperceber, mas
o cristianismo encontra-se por detrás da nossa noção do
bem e do mal, do correcto e do incorrecto, do caminho
justo e do caminho corrupto. Mesmo que não tenhamos
noção disso, estamos impregnados de cristianismo e da
sua ética.
Parece-me, por isso, importante que conheçamos melhor
esta religião. Quem era realmente o seu fundador? O que
defendia? Tratava-se de um mero homem ou de um deus? Se
por acaso voltasse à Terra, seria louvado como o
Messias ou denunciado como um herege? Que afinidade
teria Jesus com a religião que hoje se pratica em seu
nome?
As respostas foram-nos sendo dadas ao longo dos anos
por múltiplos estudos de análise histórica do Novo
Testamento. Foi neles que me baseei para escrever este
romance. O trabalho pioneiro pertenceu a Hermann
Reimarus, autor de Von dem Zwecke Jesu und seiner
Jünger, livro publicado em 1778 e que inaugurou um
período prolífico liderado pela historiografia alemã.
Entre as obras mais importantes, que consultei na sua
tradução inglesa, contam-se os clássicos The Quest of
the Historical Jesus, de Albert Schweitzer; The
Formation of the Christian Bible, de Hans von Campe-
nhausen;
e
Orthodoxy
and
Heresy
in
Earliest
Christianity, de Walter Bauer.
Entre os historiadores contemporâneos, os mais
importantes são E. P. Sanders, que escreveu The
Historical Figure of Jesus e Jesus and Judaism, e
sobretudo Bart Ehrman, autor de vários trabalhos, como
Misquoting Jesus — The Story Behind Who Changed the
Bible and How; Jesus, Interrupted — Revealing the