"O nível do mar vai subir mais do que sete metros?"
"Claro."
"Mas porquê?"
"Por causa de uma lei da física", disse ela. "Nunca ouviste dizer que o calor dilata os corpos?"
"Sim, no liceu."
"Pois será isso o que vai acontecer. As medições efectuadas desde 1961
mostram que a temperatura média global dos oceanos já aumentou até profundidades de três mil metros e que a maior parte do calor do planeta está a ser absorvida pelo mar."
"E então?"
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"O problema é que o aumento do calor irá dilatar toda a água existente no planeta. A dilatação será imperceptível num metro cúbico de água, mas garanto-te que se vai notar quando estivermos a falar dos triliões de metros cúbicos de toda a água dos oceanos. E será justamente essa dilatação acumulada que fará o nível das águas do mar subir mais de sete metros."
"Quão mais? Oito metros? Nove?"
"Eu disse-te que, segundo a análise paleoclimática, a subida do nível do mar atingirá os seis metros caso o aumento das temperaturas globais chegue aos três graus, não é? Mas no plioceno, quando o clima também era três graus mais quente do que agora, essa subida chegou aos vinte e cinco metros."
"O quê?"
"Tomik, os cálculos actuais apontam para um aquecimento entre um e seis graus este século, provavelmente mais perto dos seis. Isto significa um Verão permanente por toda a parte, com grandes pedaços de terra invadidos pelo mar, os continentes quase reduzidos a ilhas, as regiões tropicais transformadas em desertos, secas cada vez mais graves, tempestades crescentemente violentas, incêndios florestais generalizados, erosão dos solos, alteração dos ciclos climáticos, destruição de colheitas e o alastrar das doenças tropicais. A malária, por exemplo, vai espalhar-se pela Europa, e o mesmo acontecerá com outras pragas até agora só conhecidas no Terceiro Mundo."
"Porra!"
"E sabes por que razão tudo isso está iminente?"
"Sim, os jornais e as televisões falam nisso", disse ele. "Por causa dos fumos da poluição."
Nadezhda fez que não com a cabeça.
"Resposta errada."
Tomás esboçou um ar muito admirado.
"Não é a poluição?"
"Depende do que entendes por poluição."
"Poluição é todo o fumo que sai dos tubos de escape e das chaminés, suponho eu."
"Pois ficas a saber que esses fumos travam o aquecimento."
"Desculpa, mas estás enganada. Ainda no outro dia li uma notícia a dizer que o aquecimento global é provocado pelo fumo dos automóveis e das fábricas."
"Estás a fazer confusão entre as duas coisas", esclareceu ela. "Mas isso é 127
normal, muita gente mistura tudo."
"Não estou a entender."
"Ao contrário do que se pensa, o fumo dos tubos de escape e das chaminés das fábricas não provoca o aquecimento do planeta. É até o oposto. Há estudos que mostram que essa poluição faz baixar a temperatura."
Tomás meneou a cabeça, recusando-se a aceitar aquela afirmação.
"Desculpa lá, Nadia, mas isso não faz sentido nenhum. Sempre ouvi dizer que os fumos provocavam o aquecimento global."
Nadezhda suspirou.
"Não é bem assim", insistiu ela. "O que provoca o aquecimento do planeta não é o fumo. É a queima dos combustíveis fósseis."
Tomás curvou a boca e o rosto exibiu uma expressão vazia.
"Não é tudo a mesma coisa?"
"Ouve, Tomik", disse ela, tentando reordenar os seus pensamentos. "Quando se queima combustível no motor de um automóvel ou na chaminé de uma central térmica, são libertadas três coisas: energia, dióxido de carbono e aerossóis. A energia é o objectivo do exercício, uma vez que é para a obter que se queimam os combustíveis fósseis." Fez um gesto rápido com a mão, como se sacudisse qualquer coisa. "Tudo o resto são consequências indesejáveis. O dióxido de carbono é o que desencadeia o aumento da temperatura, dado que se trata de um composto que, ao ser libertado para a atmosfera, permite a entrada do calor do Sol, mas não o deixa sair, transformando assim o planeta numa estufa gigantesca. Os aerossóis, por seu turno, provocam a poluição do ar, que, curiosamente, tem um efeito oposto ao do dióxido de carbono. A libertação de aerossóis levou ao aparecimento nas grandes cidades de nuvens de smog, as quais começaram a funcionar como um gigantesco espelho, reflectindo os raios solares para o espaço, o que produzia um efeito de arrefecimento que compensava o aquecimento provocado pelo dióxido de carbono.
Estás a perceber?"
"Mais ou menos", retorquiu ele, vacilante. "Trocado por miúdos, o que estás a querer dizer é que o dióxido de carbono aumenta a temperatura, mas os aerossóis diminuem. É isso?"
"É isso. Acontece que, como a poluição aumentou imenso e tornou o ar das grandes cidades irrespirável, foram introduzidas na década de 1980 alterações técnicas que reduziram a emissão de aerossóis. Ora, ao contrário do dióxido de carbono, que perdura na atmosfera durante séculos, os aerossóis só se mantêm por algumas semanas. Com a redução da sua emissão, pararam as chuvas ácidas e o ar tornou-se mais puro, mas o problema é que o efeito de arrefecimento provocado pelos aerossóis desapareceu, enquanto o efeito de aquecimento do dióxido de carbono se manteve. Conclusão: sem o travão do arrefecimento gerado pelo smog, as 128
temperaturas dispararam desde 1980."
Tomás coçou a cabeça.
"Estou a perceber." Olhou-a como quem teve uma ideia, mas sem a certeza de que fosse boa. "Isso significa que o aquecimento global tem uma solução fácil, não é?"
"Qual?"
"Reintroduzam-se os aerossóis."
Nadezhda fez uma careta.
"Não serve. Seria trocar uma morte por outra. Em vez de morrermos assados, morreríamos asfixiados."
O historiador considerou essa perspectiva.
"Pois, não é grande negócio, não", concordou. "Nesse caso, só nos resta parar com a emissão de dióxido de carbono."
"É lógico."
"E é possível parar?"
"Em teoria, sim. Basta deixarmos de queimar combustíveis fósseis. Mas, na prática, as coisas são bem mais complicadas. Os combustíveis fósseis constituem a fonte energética na qual assenta a economia mundial e o que se está a verificar não é um abrandamento na emissão de dióxido de carbono, mas uma aceleração."
"Porquê? Ninguém vê o que se está a passar?"
"Os países em vias de desenvolvimento recusam-se a parar a emissão de dióxido de carbono, uma vez que precisam dos combustíveis fósseis para desenvolverem as suas economias. O caso mais preocupante é o da China, onde o automóvel está a substituir a bicicleta como principal meio de transporte." Fez uma pausa, de modo a sublinhar o que ia dizer. "Tomik, na China há muita gente."
Arregalou os olhos. "Já viste toda aquela população a andar de automóvel?"
Tomás absorveu a ideia.
"Pois, é um grande problema, é."
"E o que está em causa não são apenas os automóveis. O pior é que os Chineses decidiram assentar a sua infra-estru-tura energética no carvão, que emite muito mais dióxido de carbono do que o petróleo. Eles planearam construir mais de trezentas novas centrais a carvão até 2020. É uma catástrofe. Segundo os nossos cálculos, nesse ano a China será o maior aquecedor de todo o planeta."
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"Então isto não vai parar!"
"Pois, parece que não."
A russa pegou numa caneta e escreveu três letras sobre a toalha de papel posta na mesa.