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Os dois cientistas regressaram aos seus lugares na carga, mas nenhum tinha vontade de dormitar.

"O que raio se está a passar aqui?", perguntou Radzinski ao sentar-se, a câmara de vídeo ainda a bailar nervosamente nas suas mãos.

"É o aquecimento do planeta", retorquiu Dawson, lúgubre. "O ar está a aquecer na Antárctida a um ritmo de meio grau Celsius por década. Ou seja, cinco vezes mais depressa do que no resto do mundo. E isto desde, pelo menos, 1940." Fez uma expressão pensativa. "Dá a impressão de que agora está a ser cruzado um valor crítico."

"Um valor crítico?"

"Sim, um valor a partir do qual tudo muda." Suspirou. "Há sete anos foi Larsen A que se desintegrou. Agora é Larsen B. O pior é que Larsen B é muito maior."

Radzinski permaneceu um instante calado. Há muito que ouvia falar no aquecimento global, mas era a primeira vez que observava com os próprios olhos as consequências do fenómeno.

"Isto vai fazer subir o nível do mar?"

"O quê? O aquecimento do planeta?"

"Não, o desaparecimento de Larsen B."

Dawson abanou a cabeça.

"Larsen B era uma plataforma de gelo. As plataformas de gelo são grossas placas que flutuam coladas à Antárctida. Como flutuam na água, já contribuem para o actual nível dos oceanos, pelo que o facto de derreterem não irá elevar a altura do mar."

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Radzinski sorriu, aliviado.

"Então não há problema."

O seu interlocutor balançou de novo a cabeça, desta vez afirmativamente.

"Há problema, sim senhor. E não é pequeno." Fez um gesto com a mão para a janela. "As plataformas de gelo actuam como um sistema de travão dos glaciares.

Uma vez que se situam entre a Antárctida e o mar, impedem que o ar marítimo mais quente chegue ao continente, moderando assim o derretimento dos glaciares. Mas o desaparecimento das plataformas de gelo vai alterar este equilíbrio. O ar quente começará a chegar à Antárctida e os glaciares vão derreter-se. Ao derreterem, irão despejar água para o mar e, aí sim, o nível dos oceanos vai subir." Voltou as mãos para cima, num gesto de súplica. "Quando isso acontecer... God help usr Radzinski cravou os olhos no chão.

"Shitr

Mal a porta do avião se abriu, uma brisa gelada estalou no rosto de Howard Dawson como uma bofetada. O cientista ajeitou a parka e enfrentou as escadas, que desceu com dificuldade. Estavam apenas cinco graus negativos em McMurdo, mas, com o factor do vento, a temperatura descia aos vinte negativos.

Pisou o asfalto da pista de Willy Field e endireitou-se. O Sol brilhava perto do horizonte, mas Dawson sabia que só daí a dois meses seria o crepúsculo quase permanente, ini-ciando-se meio ano da terrível noite do Inverno antárctico, quando os termómetros podiam descer até um mínimo de noventa graus negativos. Não era uma perspectiva que animasse o cientista. Para já preferia gozar o instante, apreciar o extenso dia do Verão, viver aquela jornada de breve ocaso, em que o Sol girava quase continuamente ao longo do horizonte.

Os motores do C-130 foram-se calando um a um e Dawson pôs-se a deambular pela pista. Sentia-se saturado com o barulho que o atormentara nas últimas horas, aquele fragor que misturava o estrepitar do avião e o ruído dos seus pensamentos após observar os estilhaços de Larsen B, e procurou um instante de paz que o reequilibrasse. Afastou-se uns metros do aparelho agora calado, e, num canto da pista, encontrou enfim a placidez que buscava.

O silêncio. Um manto opaco de silêncio percorreu o horizonte plano e abateu-se sobre o cientista imobilizado naquela planície agora quieta. Era o som mais marcante da Antárctida. O silêncio. Um silêncio tão grande, tão profundo, tão vazio que parecia zumbir-lhe aos ouvidos. Não se ouvia uma ave, uma voz, um som.

Apenas nada. Por vezes o vento levantava-se e rumorejava baixinho, mas logo se deitava e voltava o silêncio. Aguardou mais um instante.

Nada. Do nada emergiu então um ruído ténue, vibrante, ritmado. Bump-bump, bump-bump, bump-bump. Era o coração que lhe batia no peito. Quando o escutou, Dawson soube que tinha reencontrado o equilíbrio. Sorriu, deu meia volta e dirigiu-14

se ao hangar, onde o esperava Radzinski.

"Está tudo bem?", quis saber o companheiro.

"Tudo bem", confirmou Dawson, sempre a caminhar, as bunny boots soltando ruídos surdos sobre o solo gelado. "Era eu que tinha saudades do silêncio."

Radzinski riu-se.

"O Herc é terrível, uh?"

Caminharam os dois na direcção do Nodwell que os aguardava perto do hangar.

"Você vem para o Crary Lab?", perguntou Dawson.

"Não, estou cansado", devolveu Radzinski. "Vou descontrair um pouco para o Southern Exposure." Era um dos bares de McMurdo. "Hoje há bingo na MacTown e não quero perder a oportunidade de me tornar um homem rico."

Dawson abanou a cabeça e fez um ar jocoso.

"Você é o único tipo que eu conheço que acredita que pode enriquecer no The Ice."

Entraram no Nodwell, um veículo com correntes adaptado para a neve, e o motorista enviado pelo major Schumacher levou-os pela estrada aberta no gelo até McMurdo, a quinze quilómetros de distância. Dawson gostava muito mais de aterrar na Ice Runway, que se situava sobre uma plataforma gelada ao largo do Cabo Armitage, a uns meros cinco minutos de McMurdo, mas o problema é que essa pista só estava operacional de Outubro a Dezembro. Com o calor, o gelo tendia a derreter e não era seguro usar a Ice Runway nos meses menos frios do Verão.

"Professor Dawson", disse o motorista, a meio caminho de McMurdo.

"Apareceu um homem à sua procura."

"Quem? Um beaker?"

"Não, sir. Um finjy."

"Um finjyf Ele disse o que queria?"

"Não, sir. Apenas perguntou por si."

"E o que respondeu você?"

"Que o senhor foi à Península e só voltava daqui a algumas horas, sir."

"E ele?"

O motorista encolheu os ombros.

"Deve ter ido beber um copo ao Gallagher's, sir."

O Nodwell largou Radzinski diante do edifício onde se situava o Southern Exposure e retomou a marcha para o destino seguinte, ziguezagueando pela Coffee 15

House, pela capela e pelo MacOps. Dawson interrogou-se por momentos sobre quem seria o desconhecido que o procurava, mas a sua mente depressa se distraiu com a paisagem familiar que desfilava para além da janela da viatura.

McMurdo era uma antiga base militar americana composta por edifícios de dois e três andares assentes sobre estacas, todos eles separados uns dos outros, pormenor que irritava Dawson. O cientista preferia o sistema que os neozelandeses tinham adoptado na vizinha Base Scott, onde quase todas as construções se encontravam interligadas. Considerando os rigores do tempo na Antárctida, esse modelo afigurava-se-lhe incomparavelmente superior. Mas o pior, reflectiu, era a fealdade de tudo aquilo. As canalizações, as condutas de esgotos e as linhas de electricidade não tinham sido enterradas, en-contravam-se antes sobre a neve ou penduradas entre os postes, à vista de todos como entranhas descarnadas, tripas expostas ao vento glacial; parecia-lhe por vezes que McMurdo não era um posto de ciência, mas uma degradada povoação mineira do Velho Oeste.

"Chegámos, s/r", anunciou o motorista, trazendo-o de volta à realidade.