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Bastará subir um grau para que apareçam desertos no Nebraska, no Wyoming, em Montana e no Oklahoma. E, acima dos dois graus Celsius, também o Sul da Europa estará transformado num deserto. Alguns cientistas franceses, por exemplo, puseram-se a projectar em quanto aumentará a evaporação de água em toda a região mediterrânica quando ocorrer uma ligeira subida da temperatura. Os modelos de computador revelaram que a evaporação diminuirá, o que é surpreendente, uma vez que o calor aumenta a evaporação. Depois de analisarem melhor os dados, os cientistas perceberam que a evaporação irá diminuir pela simples razão de que deixará de haver água no solo: sem água não há evaporação. Isso significa que o Saara cruzou o Mediterrâneo e o Sul da Europa estará transformado num deserto."

Acenou com três dedos. "O painel da ONU prevê que, se o limiar dos três graus for cruzado, a desertificação poderá conduzir a uma fome generalizada no planeta. A produção agrícola chinesa, por exemplo, entrará em ruptura total, com os campos de arroz, milho e trigo a decaírem quarenta por cento. As populações destas novas zonas desertas terão de fugir em massa Para norte, em busca de comida, o que implica que se verão forçadas a invadir os já densamente povoados países industrializados do Norte, onde a produção alimentar também estará sob pressão. Como é evidente, os habitantes destes países vão reagir muito negativamente a essa invasão de es-fomeados e os conflitos serão inevitáveis. Os partidos fascistas, com promessas de travar pela força as hordas de refugiados famintos, irão tornar-se dominantes."

"Isso é assustador."

"É, não é? E receio não te ter revelado ainda o pior."

Tomás ergueu o sobrolho, inquieto.

"O que queres dizer com isso?"

"Quero dizer que o mais grave não é isto que te contei."

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"Então o que é?"

Filipe suspirou e olhou para o amigo, ganhando balanço para entrar na questão que verdadeiramente o aterrorizava.

"Sabes o que é uma extinção em massa?"

XIX

O crepúsculo já pintara o céu de violeta e lilás sobre o horizonte e uma brisa fria e agreste cortava a praia, erguendo pequenas nuvens de areia. O ar tornava-se desagradável, mas Tomás sentia-se preso à cadeira, incapaz de interromper o fio da conversa. A referência a extinções em massa parecia-lhe uma coisa do mundo da ficção, linguagem catastrofista sem qualquer relação com a realidade, mas ouvir a expressão naquele contexto era diferente. Interrogou o amigo com os olhos e, contendo a impaciência, aguardou que ele revelasse o que ainda não tinha contado.

"A vida no nosso planeta já conheceu cinco grandes extinções em massa", começou Filipe por dizer, depois de uma curta pausa para ganhar fôlego. "A mais famosa foi a do cretácico, há sessenta e cinco milhões de anos, provocada pela queda de um meteoro na península do Iucatão, no México. Esse impacto alterou o clima e provocou uma mortandade generalizada, pondo fim à era dos dinossauros."

"Sim, foi uma grande catástrofe."

"O que pouca gente sabe é que não foi a pior. A mais grave de todas as extinções ocorreu no pérmico, há quase duzentos e cinquenta milhões de anos.

Nessa altura, sem que se saiba ainda exactamente porquê, desapareceram abruptamente noventa e cinco por cento dos animais que conhecemos pelos registos fósseis." Soprou. "Puf! Noventa e cinco por cento." Deixou o valor ecoar na mente de Tomás. "Isso representou mais de metade das famílias de espécies existentes. Só entre os insectos desapareceu cerca de um terço das espécies, no que foi a única vez na história do planeta em que os insectos morreram em massa. A extinção do pérmico representou o momento em que a vida na Terra esteve mais perto do aniqui-lamento total."

"Eu sei muito bem o que se passou no pérmico", atalhou Tomás. "O que não percebo é qual a relevância desses acontecimentos para a nossa conversa."

"É muito simples, Casanova. A análise geológica às amostras do pérmico revela alterações nos isótopos de carbono, indiciando que algo de terrivelmente errado ocorreu na biosfera e no ciclo do carbono." Respirou fundo. "O que eu quero dizer é que a extinção do pérmico coincidiu com um abrupto aumento de gases de estufa na atmosfera. As temperaturas subiram seis graus Celsius." Estendeu seis dedos diante dos olhos do amigo. "Seis graus. Tantos quantos o painel da ONU

prevê para o final deste século."

Tomás ficou um instante calado, fitando Filipe.

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"Estás a brincar."

"Quem me dera."

"Qual era a concentração de dióxido de carbono na atmosfera quando ocorreu a extinção do pérmico?"

"Quatro vezes mais do que os actuais 380 ppm. Mais ou menos o que se prevê que venhamos a ter no final deste século." Filipe baixou o braço esquerdo e apanhou um pedaço de areia, que deixou escoar devagar por entre os dedos. "Para além da subida de seis graus de temperatura, os estudos geológicos mostram que o planeta se tornou subitamente árido, com os desertos a cobrirem o Sul da Europa e dos Estados Unidos e o nível do mar a elevar-se vinte metros."

"Exactamente o que se prevê para este século", constatou Tomás. "E dizes tu que isso foi abrupto?"

"Sim."

"Bem, nós ao menos temos algum tempo, não é? Não vamos apanhar com as mudanças de um dia para o outro."

"Casanova, quando eu digo abrupto, estou a utilizar referências à escala da longa vida do planeta. As alterações climáticas da grande extinção do pérmico ocorreram num período excepcionalmente rápido. Por rápido, quero dizer dez mil anos."

Tomás arregalou os olhos, horrorizado.

"Dez mil anos?"

"Em termos geológicos, dez mil anos correspondem a uma mudança abrupta."

"Mas as mudanças actuais vão ocorrer já este século..."

Filipe abanou afirmativamente a cabeça.

"Julgas que não sei isso?"

"Mas isto é... é uma catástrofe!"

"Pois é. Existem estudos que mostram que entre um terço e metade das espécies actualmente existentes estarão extintas por volta de 2050. E, se a coisa não for travada, dentro de alguns séculos a grande extinção do pérmico irá parecer uma brincadeira de crianças."

"Temos de parar já a emissão de dióxido de carbono."

"Pois temos, mas não sei se ainda vamos a tempo."

"Tem de haver um acordo político radical."

"Sem dúvida, mas temos de ser realistas: esse acordo ainda não existe. E, 159

mesmo que venha a existir, repito que pode ser tarde de mais. O planeta é uma máquina muito pesada e custa muito pô-la em marcha. Mas, a partir do momento em que ela entra em marcha, já não é possível travá-la, da mesma maneira que a pedra, quando começa a rolar pela encosta da montanha, já não pára."

"Porquê? Por causa do efeito cumulativo do dióxido de carbono?"

"Sim. Mas também por causa de outra coisa de que eu ainda não te falei. O

metano."

"Qual metano? Que conversa é essa?"

"O dióxido de carbono é um poderoso gás de estufa, mas não é o pior. O

verdadeiro demónio é o metano que se encontra oculto no fundo do mar ou debaixo do gelo, contido pelo frio ou pelas altas pressões. O metano é vinte vezes mais poderoso do que o dióxido de carbono como gás de estufa. Acontece que, se a temperatura subir, desencadeia-se um processo que liberta o metano, trazendo-o para a atmosfera. Isso é que será a grande chatice! Uma vez o metano cá fora, o aquecimento da atmosfera irá acelerar exponencialmente. Supõe-se que isso aconteceu na extinção marítima do paleoceno, quando desapareceu tudo o que vivia no fundo dos oceanos, há mais de cinquenta milhões de anos."