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antes por aqueles mesmos homens ou outros semelhantes e soube que deixá-la para trás seria condená-la a uma morte certa. Não, não era capaz de o fazer. Se o fizesse, sabia que não poderia viver com isso. Mas o problema é que permanecer naquele lugar era um verdadeiro suicídio. O que decidir? Deveria fugir ou seria melhor ficar?

Voltou a procurar sinais dos perseguidores. Ainda não tinham aparecido, mas já ouvia as vozes a aproximarem-se. Não podiam permanecer os dois ali mais tempo, tinham de se mexer. Os segundos esgotavam-se e precisava a todo o custo de sair do impasse e encontrar uma solução.

"Apoia-te aqui", disse, oferecendo-lhe o ombro e seguran-do-a no braço, que enlaçou à volta do pescoço. "Vamos."

Arrastou-a pela floresta no passo mais rápido de que foi capaz, ela a coxear apoiada nele, Tomás arrastando-a com esforço, mas depressa percebeu que assim não iriam a lado nenhum. Começava a sentir-se exausto e, progredindo a tanto custo, era óbvio que a qualquer instante seriam alcançados.

Na aflição do momento vislumbrou um arbusto entre dois pinheiros e correu para ali. Ajudou Nadezhda a refugiar-se atrás dos ramos e seguiu-lhe o exemplo, procurando ocultar-se por entre a folhagem. Respiravam os dois pesadamente, os peitos arfantes, e Tomás fez sinal de que teriam de controlar aquele arquejar sôfrego e respeitar absoluto silêncio.

Silêncio.

O pipilar das aves enchia a taiga de uma melodia serena, mas o que antes seria considerado um simples concerto da natureza afigurava-se-lhes agora como uma sinistra entrega às forças primitivas da floresta. O chilrear dos pássaros lembrava-lhes que aquele não era o mundo dos homens, que as leis ali eram diferentes, que qualquer caçador se podia tornar caça de alguém. Esperaram em silêncio, a atenção focada noutro tipo de som, e não tiveram de aguardar muito. Ouviram vozes de homens e a vegetação a ser remexida. Não havia dúvidas, os perseguidores encontravam-se por perto. Deixa-ram-se ficar muito quietos, a respiração quase suspensa, os olhos a dançarem em todas as direcções, gotas de suor a brotarem do topo da testa, rezando para que o arbusto os conseguisse de facto ocultar.

Entregue à angústia da espera, Tomás começou a questionar a eficácia do esconderijo. Momentos antes, na aflição da fuga, na vertigem do desespero, aquele arbusto parecera-lhe uma excelente solução. Mas agora não tinha tanta certeza.

Imaginou os perseguidores ali ao pé, os olhos perscrutantes, a atenção redobrada, e percebeu que ele e Nadezhda se encontravam expostos, quase nus, como crianças que se escondem por detrás de uma cortina e com os pés denunciam a sua presença.

Impossível não serem vistos, concluiu, o coração aos saltos de medo e de exaustão.

Impossível. Que disparate terem ido para ali, martirizou-se. Mas já não havia nada a 198

fazer, esconderam-se ali e não dispunham agora de alternativa. Só lhes restava permanecerem quietos, imóveis como estátuas, e rezarem para que os desconhecidos não os lobrigassem. Essa era a única possibilidade de...

Um homem.

Viram um galho remexer e um homem apareceu de repente diante do esconderijo, caminhando com cautela, furtivo, atento aos sons, com a pose felina de um caçador. Vinha de jeans e casaco de couro, mas foi o objecto que trazia nas mãos que mais terror inspirou a Tomás. Sem nunca a ter visto a não ser em filmes e fotografias de jornais, o historiador reconheceu a AK-47. O homem avançava pela taiga com uma kalashnikov nas mãos e não havia dúvida de que eram eles a caça.

Tomás e Nadezhda congelaram de terror, as batidas cardíacas tão violentas que temeram pudessem ser escutadas a mais de cem metros de distância; era como se a morte rondasse por ali, farejando-lhes o medo, sentindo-lhes o rasto quente.

Ouviram uma outra voz, parecia ecoar do outro lado, mas mais ninguém apareceu. O

homem da kalashnikov imobili-zou-se por momentos na clareira diante do arbusto, disse qualquer coisa em russo para alguém que ali não viam e retomou a marcha, desaparecendo por entre a folhagem.

Os dois fugitivos permaneceram paralisados, o credo na boca, receando que surgissem mais desconhecidos. Escutaram novas vozes, agora à direita; era como se a linha de caçadores acabasse de passar por eles sem que tivessem sido avistados. As palavras trocadas entre os desconhecidos pareciam agora afastar-se e Tomás suspirou de alívio.

"Estão a ir-se embora", sussurrou, tão baixo que ele próprio teve dificuldade em ouvir-se.

"Sim", devolveu ela no mesmo tom.

"Percebeste o que diziam?"

"Andam à nossa procura."

"Mas já nos perderam. Se calhar é melhor aproveitarmos para fugirmos na outra direcção."

"Fica quieto. Eles sabem que estamos escondidos."

"Sabem?"

"Sim. Estão a falar nisso."

"Então o que fazemos?"

"Temos de ficar quietos. Se nos mexermos ou fizermos barulho, eles dão connosco."

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Calaram-se e deixaram-se ficar, muito quietos e tensos, com tanto pânico que ansiavam por sair dali a correr, com tanto medo que não eram capazes de se mexer.

Novas vozes confirmaram que os homens permaneciam no sector e o som de vegetação a ser remexida enchia a taiga, como se os desconhecidos estivessem a vasculhar em cada canto da floresta. Os sons pararam e os homens puseram-se por instantes a dialogar.

"Eles vão voltar para trás", soprou Nadezhda, que acompanhava a conversa.

Acto contínuo, as vozes tornaram-se, de facto, mais altas e os dois fugitivos suspenderam de novo a respiração. Sentiram a presença a aproximar-se e ambos paralisaram, sem saber muito bem como os seus corações iriam resistir a uma segunda ameaçadora passagem dos estranhos. Ouviram o barulho de mais galhos a serem revirados e, de repente, deram com as pernas de um homem diante deles, a meio metro do arbusto, a kalasbnikov voltada para baixo. O desconhecido também vestia jeans, mas era mais encorpado que o anterior. O homem ficou um instante parado, tão próximo que só lhe viam as pernas e a barriga, e desejaram intensamente que ele se afastasse o mais depressa possível.

Mas o desconhecido permaneceu parado. Um segundo homem veio ter com ele e ficaram os dois a olhar para um lado e para o outro, como se estivessem desconcertados. De repente, o segundo acocorou-se e espreitou para o arbusto.

Viram-se.

"Vot oni!n, gritou o russo.

Aterrorizado, Tomás quase saltou do arbusto a correr, mas as pernas estavam demasiado bambas, pareciam esparguete cozido, de modo que nem força teve para esboçar uma reacção.

Um inferno foi desencadeado em torno do arbusto. Os dois desconhecidos na clareira voltaram as kalashnikov para o esconderijo e logo se sentiu um movimento caótico em redor. Apareceram mais canos de armas vindas não se percebia bem de onde, algumas intrometendo-se por entre a folhagem, e uma voz rugiu.

"Vykhodíte ottuda", ordenou. "Bystro."

Nadezhda tremia de pavor.

"Eles querem que saiamos daqui", traduziu.

Como um sonâmbulo, os sentidos entorpecidos, Tomás afastou os ramos e ajudou a russa a sair. Logo que se endireitou, levou um soco no estômago e dobrou-se em dois, batendo com a testa no chão.

"Eto ti gueólog?", ladrou uma voz, ameaçadora.

Sentiu um cano colar-se-lhe à nuca e levou alguns segundos a recuperar a 200