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"Depois de tudo o que vi e ouvi, não tenho grandes dúvidas."

"Essa acusação é muito grave."

"Oiça, Orlov, já reparou que os interesses do petróleo estão em toda a parte?

São uma rede imensa e estendem-se da Casa Branca ao Médio Oriente." Baixou o tom de voz, quase com medo que o escutassem nas mesas ao lado. "Estamos perante forças muito poderosas e altamente motivadas para defenderem a qualquer preço um negócio tremendamente lucrativo. Se tiverem de afastar quatro ou cinco pessoas que se lhes atravessem no caminho, não vejo que isso constitua problema para esses interesses."

O russo abanou a cabeça, o cepticismo estampado no rosto.

"Mesmo assim, continuo a achar que não faz sentido."

"Porquê?"

"Por que razão andariam os interesses do petróleo atrás desses quatro cientistas em particular? No fim de contas, existem muitos cientistas a estudar as ligações entre o aquecimento global e os combustíveis fósseis. Porquê perseguir estes quatro?"

"Porque eles fizeram uma descoberta que, pelos vistos, arruma de vez com o negócio do petróleo."

Orlov franziu o sobrolho.

"Que descoberta?"

O seu interlocutor encolheu os ombros.

"O Filipe não me explicou."

"Porquê? Ele não confia em si?"

"Não é isso. Ele disse que contará tudo quando o momento for apropriado."

"Isso será quando?"

"Não faço a mínima ideia."

O russo afagou o queixo.

"Onde anda o seu amigo agora?"

215

"Não sei. Nem sequer sei se ainda está vivo."

"Há-de estar, com certeza."

"Espero que sim. Mas a única coisa que sei é que estávamos os dois na Sibéria quando apareceram os homens armados e, logo que começámos a ser perseguidos, tivemos de nos separar."

"Para onde foi ele?"

"Não sei. O Filipe fugiu com um amigo russo, eu escapei-me com a guia que conheci em Moscovo. Mais tarde, nas margens do Baikal, os homens armados deram connosco e mataram a guia. Não sei se eles apanharam também o Filipe, não faço ideia."

"Se o tivessem apanhado, provavelmente já o saberíamos", conjecturou Orlov. "Mas, se as coisas são como o senhor diz, apanhá-lo é uma mera questão de tempo. O seu amigo só tem uma hipótese de se safar desta embrulhada. Sabe qual é?"

"Hmm?"

"Nós chegarmos primeiro a ele."

"Nós, quem? Eu e você?"

"Nós, a Interpol." Rodou o garfo no ar. "Vocês combinaram voltar a encontrar-se?"

"Sim, o Filipe disse que me contactaria."

"Então se calhar convinha levar-me consigo, não acha?"

"Isso depende das condições que o Filipe vier a impor. Olhe que ele está convencido de que nenhuma polícia do mundo o pode proteger de quem o persegue."

"Talvez", considerou Orlov. "Mas a Interpol é a sua melhor esperança.

Parece-me aconselhável eu ir consigo ao próximo encontro."

"Não sei se haverá próximo encontro. Mas, como lhe disse, tudo depende das instruções que o Filipe me der."

"Como queira", rendeu-se Orlov, erguendo o braço para chamar o empregado. "Mas depois não se queixem."

As entradas tinham acabado e mandou vir o cabrito assado.

Tomás passou o resto do dia a tratar dos assuntos que deixara pendentes.

Quando saiu do restaurante telefonou do carro ao doutor Gouveia para trocar impressões sobre o estado da mãe e depois seguiu para a faculdade. Tinha uma reunião da comissão científica, mas, uma vez lá, e embora o seu corpo estivesse 216

presente, a verdade é que não conseguiu acompanhar os trabalhos; as preocupações levaram-no para longe dali, os olhos de Tomás registavam o que se passava na sala de reuniões e a mente deambulava pelas imagens dolorosas do sucedido na taiga do Baikal. Assistiu à reunião como um sonâmbulo e foi como um sonâmbulo que passou depois pela Gulbenkian para verificar a chegada de documentação sobre as últimas peças de baixos-relevos assírios adquiridas recentemente em Amã para o museu da fundação.

Era já noite quando o professor de História entrou por fim no seu apartamento solitário. Encontrou tudo desarrumado, como deixara antes de partir para a Rússia, quase duas semanas antes, e veio-lhe à mente uma palavra para descrever o que via à frente. Uma pocilga. Os homens, concluiu ao passar desanimadamente os olhos pelo caos de desarranjo e sujidade em que se haviam transformado os aposentos onde vivia, não foram feitos para viver sozinhos; como sempre lhe haviam dito as mulheres da sua vida, ele de certo modo não passava de uma criança, um bebé eternamente dependente de uma mãe, um homem à espera de quem tivesse a paciência de lhe arrumar a vida. O seu apartamento era afinal o espelho fiel daquilo em que a sua existência se transformara, uma imensa cavalgada de um lado para o outro, agrilhoado por sucessivas responsabilidades e ansiando por uma liberdade redentora. Talvez o seu destino não estivesse naquele confinamento tacanho entre quatro paredes, considerou, mas se estendesse pelas vastas estepes e taigas do mundo, como se encarnasse o espírito xamânico do vento.

Comeu uma pizza que trouxe de um take away por onde passara pelo caminho para casa e, no final, os dedos ainda sujos de gordura, deu um salto ao escritório e sentou-se diante do computador. A sua caixa de correio na Internet apresentava a memória quase bloqueada; eram centenas de e-mails que se tinham acumulado ao longo dos últimos tempos, cobrindo todo o período em que estivera ausente. A esmagadora maioria não passava de mensagens com vírus ou publicidade variada; alguns continham vídeos que os amigos faziam circular pela rede, justamente os que mais sobrecarregavam a memória do endereço e, inevitavelmente, foram os primeiros a ser apagados. Restavam algumas mensagens avulsas que se revelaram genuínas, umas da faculdade, outras da Gulbenkian, duas do Centro Getty, uma do museu de Bagdade, três de um instituto hebraico em Jerusalém.

E uma de osetimoselo.

O coração pulou quando se apercebeu desta mensagem. O seu sentido imediato era o de que Filipe estava vivo. Rodou o rato e premiu a linha, abrindo o e-mail. O conteúdo era de uma simplicidade desarmante. A mensagem vinha de facto assinada por Filipe, tinha top secret assinalado no topo, dava uma data e uma hora, dois valores em graus que calculou serem coordenadas num mapa e ainda uma palavra cujo verdadeiro significado lhe escapava naquele instante.

Centrepoint.

217

XXVII

Sentou-se num banco do Circular Quay, junto ao terminal transatlântico de passageiros, e apreciou a vista que se abria diante dele. Aquele lugar dos The Rocks era realmente magnífico, sobretudo porque a manhã nascera deliciosa e o sol moderado acariciava com brandura a urbe exuberante. Inspirou fundo a brisa que soprava no cais; era o mar a cheirar a cidade, como se a curiosidade roesse a natureza diante de tão admirável obra do engenho humano.

Recostando-se no banco, a perna cruzada com deleite, Tomás Noronha deixou os sentidos inebriarem-se pela harmonia urbana daquele esplêndido recanto.

À esquerda, ele-vando-se acima do espelho de água e da verdura tropical, destacava-se o característico emaranhado de ferro enrubescido da Harbour Bridge, parecia uma Torre Eiffel elíptica deitada sobre o braço de mar que separava o centro da zona residencial; à direita, erguendo-se como gigantescas agulhas de cimento, cintilavam os arranha-céus sobranceiros a Sydney