Centrepoint.
O nome oficial era Sydney Tower, mas os australianos co-nheciam-na por Centrepoint, por ter sido concebida como parte do centro comercial com esse nome.
Era uma estrutura com trezentos metros de altura, uma espécie de palmeira de aço, com um eixo cilíndrico muito delgado e alto, e uma coroa dourada no topo, como um alfinete gigante de pernas para o ar, equilibrado pelo bico e com a base lá em cima. Alguns cabos de aço emaranhavam-se no eixo como as cordas das velas penduradas no mastro dos navios e o torreão do topo cintilava ao sol; era o pó de ouro do revestimento que reflectia a luz límpida do final da manhã.
Depois de uma última inspecção para se assegurar de que já não era seguido, meteu-se no elevador e subiu até ao torreão. A maior parte dos passageiros ia em grande excitação para o deck de observação, no quarto andar da estrutura, mas To-más saiu um piso antes.
O café.
Enormes rectângulos de vidro serviam de parede ao vasto corredor circular do terceiro andar. Sydney estendia-se para lá das largas janelas, revelando o mar a entrar pela terra em múltiplas enseadas; por todo o lado se erguiam ilhas verdes de vegetação ou estruturas alvas e cinza de betão, era naquela cidade que se cruzavam o homem, a terra e o oceano. Num lado viam-se as Blue Mountains, no outro o azul de Botany Bay, em baixo o emaranhado de prédios e ruas e estruturas de arquitectura sofisticada.
"Então, Casanova?'1''
A voz vinha de uma das mesas e tinha uma assinatura inconfundível.
"Olá, Filipe. Já aqui estás há muito tempo?"
Cumprimentaram-se com um aperto de mão e Tomás aco-modou-se na cadeira junto a uma grande janela.
"Cheguei há pouco", disse o amigo, passando os dedos pelos cabelos claros e encaracolados. "Não foste seguido?"
Tomás baixou a voz.
"Por acaso, fui."
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Filipe olhou em redor, alerta.
"Quem?"
"Não sei. Mas consegui despistá-lo."
"De certeza?"
"Sim. Não o voltei a ver."
"Mas como é que deram contigo?"
"Não sei."
"Deixaste alguma pista ao apanhar o avião?"
"Julgo que não."
"Julgas ou tens a certeza?"
Tomás bocejou, era o jet lag a atacar.
"Depois do que se passou na Sibéria, já não tenho a certeza de nada. Mas tive o máximo cuidado em baralhar as pistas. Fui para Faro de automóvel, apanhei lá o avião para Londres, daí segui para Frankfurt e só então é que comprei o bilhete para Sydney, menos de duas horas antes de o voo partir."
"Com cartão de crédito?"
"Em dinheiro."
"Que nome deste para o voo e aqui no hotel?"
"Rosendo."
"E eles aceitaram?"
"Sim, é o meu nome do meio. Tomás Rosendo Noronha, está no passaporte.
O Rosendo é da minha mãe."
Filipe suspirou.
"Seja o que Deus quiser." Descontraiu-se na cadeira e bebe-ricou um copo de água fria que tinha levantado da mesa. "Conta-me lá o que aconteceu depois de nos separarmos, no Baikal."
"Eles mataram a Nadia."
"Eu sei. Mas como foi que isso aconteceu?"
"Apanharam-nos no final da manhã junto ao lago. Ainda fugimos para a floresta, mas eles deram connosco. Desfize-ram-lhe a cabeça com um tiro."
Estremeceu. "Foi horrível."
Deixaram-se ficar um longo momento sentados, os olhos a passearem pela 222
cidade que se estendia lá em baixo; à distância tudo parecia irrelevante, sem significado.
"Coitada da Nadia", murmurou Filipe. "A culpa foi minha, eu é que a meti nisto."
Tomás pigarreou.
"Ouve, Filipe. Por que razão marcaste este encontro? Sabes tão bem como eu que isto é perigoso."
O amigo olhou-o surpreendido.
"Não querias encontrar-te comigo?"
O SÉTIMO SELO
"Claro que queria", apressou-se Tomás a dizer. "Isso não impede que eu seja, mesmo que involuntariamente, um perigo para ti. Olha o que aconteceu na Sibéria."
"Tu tomaste precauções, não tomaste?"
"Claro que tomei. Já te contei. Mas só o facto de estarmos juntos é um risco, não te parece?"
"É evidente."
"Então porque marcaste este encontro?"
"Porque precisamos de ti."
"Precisamos?"
"Eu e o James. Precisamos de ti."
"Para quê?"
"Para ver qual a melhor forma de lidar com o que descobrimos."
"Estás a falar na descoberta que põe em causa o negócio do petróleo?"
"Essa mesma."
"Mas essa é uma área que eu desconheço. Não vejo como te possa ser útil."
"Não estás envolvido nisto pela Interpol?"
"Sim."
"Então podes ser útil."
Tomás balançou afirmativamente a cabeça. Era evidente que Filipe se sentia acossado e, mesmo não confiando nas polícias, sabia que era nelas que residia a sua derradeira esperança. E qual poderia ser melhor que a Interpol?
"Ainda não me contaste que descoberta foi essa."
Filipe pôs-se bruscamente de pé e fez-lhe um sinal com a mão, como se o 223
convidasse a segui-lo.
"Anda", disse. "Vou-te mostrar."
XXVIII
A viagem de regresso ao rés-do-chão foi feita em silêncio, com os dois homens atentos às pessoas em redor, procurando surpreender olhares suspeitos ou movimentos denunciadores. Mas tudo parecia tranquilo e normal, os visitantes de Centrepoint tagarelavam com grande excitação, a animação era imensa dentro do elevador ao longo do percurso de descida; o comportamento de toda a gente afigurou-se-lhes de tal modo natural que, no instante em que as portas se abriram e Tomás e Filipe saíram do complexo e mergulharam na multidão, se sentiram ambos de imediato invadidos por uma relativa sensação de segurança.
Mesmo assim, caminharam tensos pela rua, olhando amiúde para trás ou espreitando para os cantos com receio das sombras. O geólogo palmilhava o passeio em passada ligeira, assumindo a liderança com a determinação de quem sabe para onde vai, e conduziu Tomás até Pitt Street. Virou aí em direcção a sul e percorreu a grande artéria no sentido oposto a The Rocks. Era uma rua buliçosa, quase inteiramente entregue ao comércio e aos peões, o formigar laborioso dos transeuntes revelava-se aqui cheio de vida e cor. A multidão era tão densa que nenhum perseguidor invisível os conseguiria localizar.
"Se bem entendi o que me disseste na Sibéria, foste a Viena reconstituir os meus passos", observou Filipe, já suficientemente à vontade para retomar a conversa.
"Sim, fui lá falar com o tipo da OPEP com quem tu te encontraste em 02."
"O Abdul Qarim?"
"Esse mesmo. Ele contou-me que andavas a avaliar o estado das reservas mundiais de petróleo."
"E que mais te contou ele?"
Tomás fez um esforço de memória.
"Bem, falou-me sobre a situação da produção internacional. Disse-me que o petróleo não-OPEP está à beira do pico de produção e que, depois disso, a economia mundial ficará dependente do petróleo da OPEP."
"Ele disse-te quanto tempo vai durar o petróleo da OPEP?"
Novo esforço de memória.
"Se bem me lembro, disse que iria durar ainda muitas décadas. Talvez um século."
Filipe caminhava com os olhos pousados no chão, como se estivesse absorto 224