"Sim, mas isso não impede que sejam falsos."
"Como podes dizer isso?"
"Por dois motivos. Primeiro, porque são os Americanos a afirmar tal coisa.
Como já uma vez te expliquei, os interesses do petróleo dominam o poder político na América e tudo o que uma agência americana diz tem de ser visto à luz dessa realidade. Por exemplo, o US Geological Survey, que agora calcula existir ainda imenso petróleo no planeta, é o mesmo US Geological Survey que, na década de 1990, apresentou uma estimativa pessimista das reservas petrolíferas existentes no Árctico. Sabes o que aconteceu a seguir?"
"Hmm..."
"Os interesses do petróleo mexeram-se e a agência teve de apagar a estimativa pessimista e substituí-la por uma mais optimista." Piscou o olho. "Estás a perceber?"
Tomás abanou a cabeça, incrédulo.
"Não acredito que isso seja assim."
"Podes crer", assegurou o amigo. "Há até uma anedota que corre entre a malta do mundo do petróleo sobre o modo como as agências americanas recrutam o seu pessoal. Queres ouvir?"
"Conta lá."
"O US Geological Survey precisava de contratar um empregado e, um dia, decidiu entrevistar três candidatos: um geólogo, um geofísico e um analista de reservas petrolíferas. Perguntou aos três: quanto são dois e dois? O geólogo respondeu: quatro. O geofísico respondeu: vinte e dois. Quando chegou a vez do analista de reservas petrolíferas, o homem chamou o entrevistador para um quarto ao lado, trancou a porta, fechou as janelas, desligou os telefones, e depois, muito baixinho, segredou: quanto quer você que seja? Foi contratado."
Riram-se os dois.
"Muito bem", disse Tomás, bem disposto. "Já percebi que não se pode confiar nas agências americanas. E qual é a outra razão para desconfiares que os números não são verdadeiros?"
"O segundo motivo pelo qual a estimativa dos 2,5 biliões de barris é falsa prende-se com a própria análise desse número. Repara, o cálculo da existência de 2,5 biliões de barris de petróleo no planeta parte da soma de reservas provadas e de recursos por descobrir, não é? As reservas provadas são, segundo o US Geological Survey, de 1,6 biliões de barris. O problema é que, quando falamos de reservas provadas, estamos a falar de dados fornecidos pelos países produtores, informação 231
que, no caso da OPEP, tem uma fiabilidade muito dúbia, como já te expliquei. Por exemplo, no final da década de 1980, seis dos maiores produtores da OPEP
acrescentaram de repente mais de trezentos mil milhões de barris às suas reservas colectivas. Ora só se aumenta a quantidade de petróleo em reserva em duas situações específicas: quando são feitas novas descobertas ou quando novas metodologias de avaliação de reservas revelam existir num determinado campo mais petróleo do que se pensava. O problema é que, nesse período, nenhum desses seis países da OPEP
anunciou novas descobertas importantes de petróleo, nem as tecnologias de avaliação de reservas sofreram qualquer evolução significativa."
"Então como descobriram eles que as suas reservas eram maiores do que se pensava?"
"Boa pergunta", exclamou Filipe. "Esses países alegaram que estavam apenas a corrigir um erro do passado. Mas a verdade, suspeito eu, é outra. Em 1985, a OPEP determinou que, quanto maiores forem as reservas de um país, mais petróleo esse país poderá exportar. Ou seja, mais lucro terá. Acto contínuo, puseram-se todos a aumentar administrativamente as suas reservas."
Tomás riu-se.
"Mas eles podem fazer isso?"
"Não só podem, como fizeram. Quem é que os controla? Os dados da OPEP
são secretos e inverificáveis. Se eles disserem que têm mil triliões de barris de reserva, quem é que pode afirmar o contrário? Não há inspecções independentes..."
"Mas tu tens mesmo a certeza de que esse aumento foi administrativo?"
"O Casanova, não sejas ingénuo. Repara no caso do Iraque, por exemplo. O
Iraque foi um dos seis países que, de um dia para o outro, aumentaram miraculosamente as reservas petrolíferas. Analisando este caso ao pormenor, verificamos que, desde 1980, os Iraquianos quadruplicaram o valor das suas reservas." Fez uma careta. "Ora como é isso possível se o país passou esse tempo todo em guerra ou sujeito a embargos petrolíferos?"
Tomás considerou a objecção.
"Realmente..."
"Portanto, sobre a fiabilidade dos dados relativos às reservas provadas estamos conversados", concluiu Filipe. "Vejamos agora a ainda mais dúbia situação do petróleo por descobrir. Como já te disse, o petróleo é um produto raro e há apenas duzentos sistemas no mundo que permanecem inexplorados. As estimativas partem do princípio de que quase todos esses sistemas têm petróleo, mas isso não é necessariamente verdade. O facto é que não sabemos o que lá está, uma vez que, como a própria definição indica, esses sistemas permanecem inexplorados." Ergueu o dedo. "Há uma coisa, no entanto, que eu sei de ciência certa. Está cada vez mais 232
difícil encontrar novos campos de petróleo. Os maiores, porque eram mais fáceis de descobrir, já foram localizados. Estamos agora a encontrar apenas os mais pequenos, que escaparam aos anteriores escrutínios. E desde 1961 que as companhias petrolíferas descobrem menos petróleo a cada ano que passa. Desde 1995 que o mundo gasta um mínimo de vinte e quatro mil milhões de barris por ano, mas só estão a ser descobertos nove mil milhões de barris de petróleo novo por ano." Fixou o olhar num ponto indefinido de Pitt Street.
"Na verdade, o petróleo existente no mundo fora da OPEP deverá rondar um bilião de barris."
"Um bilião? Isso dá um pico para quando?"
"Para breve. Nós vamos estar vivos e assistir a tudo isso."
"Mas quando será o pico?"
Filipe suspirou.
"Entre 2010 e 15."
"É essa também a estimativa do Qarim."
"Posso estar errado por dois ou três anos, mas esta é a data de referência para o pico do petróleo não-OPEP."
Uma multidão aglomerava-se a meio de Pitt Street, rodeando dois malabaristas que faziam um arriscado número com garrafas. Ouviam-se aaah e ooob sucessivos, por vezes irrompiam palmas; eram os mirones a reagir às emoções do espectáculo de rua. Mas os dois amigos passaram pelo local como se nada ali acontecesse, sem sequer lançarem um olhar de relance, totalmente embrenhados no problema que os ocupava naquele instante.
"Há uma coisa que não estou a entender", observou Tomás.
"Diz."
"Se a situação é assim tão crítica, como é possível que os mercados ainda não tenham reagido? Quer dizer, basta haver uma tempestade mais forte no golfo do México e, upa, o preço do petróleo trepa logo por aí acima. Os mercados sempre se revelaram ultra-sensíveis às mínimas flutuações no abastecimento, mesmo quando essas flutuações são manifestamente temporárias, como é o caso das quebras provocadas por tempestades. Assim sendo, como é possível que não tenham ainda reagido a uma enormidade destas?" Abanou a cabeça. "Isso não faz sentido."
"Os mercados ainda não entraram em pânico por um motivo muito simples", disse Filipe. "Trata-se da confiança existente em relação às reservas disponíveis no Médio Oriente. Os mercados acreditam que o Médio Oriente possui ainda reservas incríveis de petróleo, quantidades tão elevadas que podem a qualquer altura cobrir uma eventual ruptura na produção de outros países. É senso comum nos mercados que a Arábia Saudita e o Kuwait dispõem de poços que não estão a ser usados e que 233