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enfim, vai um grande passo, não achas?"

"Casanova, ouve o que te digo. Sem o petróleo saudita não há negócio do petróleo."

"Mas como podes afirmar tal coisa?"

"Por uma razão muito simples. Já vimos que o petróleo não-OPEP está à beira do pico, não é verdade?"

"Sim."

"Cruzando o pico, entra em declínio numa altura de crescente procura mundial e o planeta fica essencialmente dependente do petróleo da OPEP."

"Até aí já eu percebi."

"A pergunta seguinte é esta." Quase soletrou. "Quanto petróleo existe afinal na OPEP?"

Tomás encolheu os ombros, como se não considerasse essa questão particularmente relevante.

"O Qarim disse-me que era o suficiente para durar cem anos."

"O Qarim limitou-se a repetir-te a versão oficial", atalhou Filipe. "O

problema, o grande problema, sabes qual é? É que ninguém sabe. Uma vez que a OPEP trata toda a informação relativa ao petróleo como se fosse segredo de Estado, e dado que não há modo de verificar as suas raras revelações sobre o estado das reservas dos países que integram o cartel, o facto é que ninguém tem a mínima certeza sobre quanto petróleo a OPEP possui exactamente. Percebeste?"

"Sim."

O geólogo afinou a voz.

"Mas há algumas coisas que nós sabemos sobre vários dos grandes produtores da OPEP. Vejamos o caso do Irão, que é só o quarto maior produtor mundial de petróleo. Tu fazes alguma ideia de qual o estado das reservas petrolíferas iranianas?"

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"Não."

"Estão em declínio."

"A sério?"

"O Irão tem quatro campos petrolíferos supergigantes. Aghajari, descoberto em 1936, Gach Saran, detectado em 1937, Marun, de 1963, e Ahwaz, de 1977.

Todos eles já cruzaram o pico e a produção iraniana está a descer ano a ano."

"E dizes tu que o Irão é o quarto maior produtor mundial de petróleo?"

Filipe torceu os lábios.

"Preocupante, não é? E o pior é que há mais países da OPEP na mesma situação. Por exemplo, o único supergigante de Omã, o campo de Yibal, cruzou o pico em 1997. A Nigéria também já passou o pico e, factor muito preocupante, o Kuwait reduziu a taxa de produção do complexo de Burgan, o segundo maior campo petrolífero do mundo, alegadamente para recuperar a pressão dos poços. A companhia petrolífera kuwaitiana anunciou, no final de 2005, que Burgan estava exausto. E, para além do Kuwait, o pico já foi igualmente cruzado no Iraque, na Síria e no Iémen."

Tomás endireitou-se no sofá.

"Desculpa, não estou a perceber", disse, hesitante. "Estás a insinuar que a OPEP também entrou em declínio?"

"Não", rectificou. "Estou a afirmar que a maior parte dos grandes produtores da OPEP entrou em declínio." Ergueu o indicador. "Mas há um produtor, um só, em quem todo o mundo confia para resolver os problemas do abastecimento petrolífero global."

"A Arábia Saudita?"

"Nem mais", sorriu o geólogo. "O Reino da Arábia Saudita. E este o principal produtor mundial de petróleo, a rede de segurança montada por baixo do circo energético, a almofada que apara a queda de produção em todo o planeta." Arqueou as sobrancelhas. "Estás a perceber agora por que razão eu disse há pouco que a Arábia Saudita é muito mais do que o principal produtor do mundo?"

"Sim."

"Sem Arábia Saudita não haveria energia suficiente para satisfazer as necessidades globais. A economia mundial entraria em profunda recessão e o caos espalhar-se-ia por toda a parte. Já viste o que era o petróleo tornar-se tão caro que, em vez de custar oitenta dólares por barril, custasse setecentos dólares?"

"Era complicado."

"Complicado?" Filipe riu-se. "Era o fim, meu caro." Abriu os braços. "O

fim." Inclinou-se na direcção do amigo. "Tu sabes o que significa o barril a 238

setecentos dólares?"

"Significa chatice."

"Ah, disso podes estar certo", concordou. "O barril a setecentos dólares quer dizer que, em vez de gastares setenta euros para encher o depósito do teu carro, por exemplo, gastarias setecentos." Deixou o número ressoar na mente de Tomás.

"Setecentos euros para encher um simples depósito."

O historiador assobiou, impressionado com a perspectiva.

"Lá íamos todos andar de bicicleta, hem?"

"Pois íamos. E tu fazes alguma ideia do impacto que isso teria na economia mundial?"

"Entrávamos em recessão."

Filipe voltou a rir-se.

"Recessão é uma palavra ridícula para descrever o que aconteceria nessas circunstâncias. Repara que, das últimas sete recessões económicas mundiais, seis estão directamente relacionadas com reduções temporárias de abastecimento de petróleo." Repetiu as duas palavras-chave. "Reduções temporárias." Fez uma pausa.

"Agora imagina o que aconteceria se a ruptura não fosse temporária, mas permanente. Ou seja, uma ruptura que não fosse conjuntural, mas estrutural, sem perspectiva de resolução."

"A recessão seria profunda."

O geólogo cravou os olhos no amigo.

"Casanova, uma situação dessas poderia acarretar o fim da civilização, o que pensas tu? O fim da civilização."

"Não estarás a exagerar um bocadinho?"

"Achas que sim?" Fez um gesto em redor, exibindo o ambiente tranquilo e requintado do bar. "Olha para tudo isto e imagina o que aconteceria se houvesse uma súbita ruptura do abastecimento energético. Numa situação dessas, todas as coisas a que nos habituámos, estes luxos que já damos como garantidos, evaporar-se-iam de um momento para o outro." Começou a enumerar os problemas com os dedos, cruzando-os sucessivamente. "Não podíamos deslocar-nos para o trabalho, o transporte de bens de um lado para o outro parava, as fábricas deixavam de receber matérias-primas, a produção ficava suspensa e a distribuição também, a economia paralisava, as empresas iam à falência em cascata, as pessoas ficavam sem meios de subsistência, parava o transporte de alimentos para os mercados, haveria quebra da ordem pública, tumultos, pilhagens, os países tornavam-se ingovernáveis, a fome espalhava-se por toda a parte e mergulhávamos no caos."

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Tomás considerou o cenário.

"Seria muito complicado."

"Seria o fim da civilização, Casanova.'" Arregalou os olhos, dando ênfase à ideia. "O fim da civilização."

Fez-se um silêncio sombrio na mesa. A conversa tornara-se assustadora e o historiador, olhando para o bar deserto, não pôde deixar de pensar que tudo na vida é, de facto, frágil e que a história está repleta de civilizações que em certo momento pareceram eternas, inquebráveis, e que afinal se desmoronaram de um instante para o outro.

"Bem, mas essa perspectiva não é verdadeiramente possível, não é verdade?", comentou Tomás. "Afinal as reservas da Arábia Saudita são a nossa válvula de segurança."

"É o que diz a Arábia Saudita."

"E há alguma razão para duvidar disso?"

O geólogo torceu a boca.

"O Casanova, vou dizer-te a mesma coisa mais uma vez. Como é que nós sabemos que a Arábia Saudita tem assim tanto petróleo se os dados relativos à sua produção são segredo de Estado e as raras informações que os Sauditas divulgam permanecem inverificáveis?"

"Mas há alguma razão para lançar dúvidas sobre a veracidade dessas raras informações?"