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Estavam rodando pela estrada marginada por cactos, em direção às distantes luzes de Kingston. Em condições normais, ele teria apreciado toda a beleza do cenário — o cricrilar dos grilos, o sopro do ar cálido e perfumado, o céu recamado de estrelas, o colar de luzes amareladas que refulgia ao longo do porto. Mas, no momento, Bond estava amaldiçoando sua imprevidência, e percebendo claramente aquilo que não deveria ter feito.

O que ele tinha feito fora mandar uma mensagem ao Governador por intermédio do Ministério das Colônias. Tinha pedido que mandassem chamar Quarrel, nas ilhas Cayman, por um tempo indeterminado, com o salário de dez libras por semana. Quarrel tinha estado com ele por ocasião de sua última aventura em Jamaica. Era um habilíssimo trabalhador manual, dotado ainda de todas as qualidades de homem do mar próprias dos habitantes daquele arquipélago, e servia de passaporte para penetrar nas camadas mais baixas da população de cor, que de outra maneira ficariam fechadas para Bond. Todos gostavam dele e ele era um esplêndido companheiro. Bond sabia que Quarrel tinha importância vital, se quisesse encontrar alguma pista — fosse de um crime, fosse apenas de um escândalo. Bond tinha pedido ainda que reservassem um quarto no Hotel Montes Azuis, que lhe pusessem um carro à disposição, e que Quarrel o fosse esperar no aeroporto. Quase todas as providências que ele solicitara tinham sido inoportunas, representavam até mesmo um erro de tática. Antes de mais nada, Bond deveria ter ido de táxi para o hotel e estabelecido, em seguida, contato com Quarrel. Teria visto o carro, depois, e poderia então ter tido a oportunidade de trocá-lo por outro.

Da maneira como estavam as coisas — pensou Bond — era como se ele tivesse anunciado no "Daily Gleaner" a sua visita e a finalidade desta! Suspirou. Os piores erros eram aqueles que se cometiam de início. Eram esses os irreparáveis, os que faziam entrar com o pé esquerdo num caso e davam ao inimigo as vantagens do primeiro tempo do jogo. Mas haveria realmente algum inimigo? Não estaria ele sendo demasiado cauteloso? Impulsivamente, Bond voltou-se para trás. A uma centena de metros de distância avistava-se a luz fraca de duas lanternas de automóvel. A maior parte dos jamaicanos costuma guiar com os faróis acesos. Bond acomodou-se novamente no assento e disse:

— Quarrel, ao chegar ao fim das Paliçadas, no ponto onde a estrada se bifurca, à esquerda para Kingston e à direita para Morant, quero que você entre rapidamente na estrada de Morant, pare imediatamente e apague todas as luzes. Compreendeu? E agora, dispare à toda.

— Está bem, chefe.

A voz de Quarrel denotava satisfação. Pisou até à tábua no acelerador. O pequeno automóvel emitiu um ronco abafado e saiu disparado pela estrada branca.

Estavam agora no fim da reta. O carro derrapou numa curva. Quinhentos metros ainda, e eles estariam :ia interseção. Bond olhou para trás. Não havia sinal do outro carro. Tinham chegado ao poste de sinalização. Quarrel fez uma manobra digna de uma corrida de automóveis e mudou subitamente a direção do carro, numa curva fechada. Freou à beira da estrada e apagou as luzes. Bond voltou-se para trás e esperou. Logo ouviu o rugir de um carro possante, em plena velocidade. Brilharam fortes faróis, procurando por eles. No mesmo instante, o carro passou, devorando a distância, em direção a Kingston. Bond teve tempo de notar que era um grande carro de praça americano e que ninguém ia nele, fora o chofer. Instantes depois, tinha desaparecido.

A poeira assentou devagar. Ficaram imóveis durante uns dez minutos, sem trocar palavra. Depois, Bond pediu a Quarrel que fizesse manobra e seguisse pela estrada de Kingston.

— Creio que aquele carro estava interessado em nós, Quarrel — disse ele. — Ninguém vai trazer um carro de praça vazio do aeroporto até a cidade. É uma corrida cara. Fique alerta. Ele pode descobrir que nós o ludibriamos, e estar à nossa espreita.

— Está bem, chefe — respondeu Quarrel, feliz. Era exatamente este o tipo de vida pelo qual estivera esperando, após ter recebido o recado de Bond.

Entraram na corrente do tráfego de Kingston: ônibus, automóveis, carroças de tração animal, burros carregados de cestos, vindos dos morros, e os carrinhos de mão dos vendedores de fortes bebidas de cores vivas. Em meio à confusão do trânsito, era difícil saberem se estavam sendo seguidos. Voltaram à direita e iniciaram a subida dos morros. Vinham muitos carros atrás deles, e talvez entre esses estivesse o táxi americano. Prosseguiram durante quinze minutos, até Halfway Tree, e entraram em seguida na estrada principal que atravessava a ilha. Avistaram pouco depois o anúncio luminoso, que representava uma alta palmeira verde e, embaixo desta, os dizeres: "Hotel Montes Azuis". Entraram pela alameda margeada por pés de primaveras.

A cem metros de distância, estrada acima, o táxi preto fez sinal, dando passagem aos carros que lhe vinham atrás, e colocou-se de lado; aproveitando-se de uma breve interrupção do tráfego, fez uma curva fechada e desceu o morro, dirigindo-se para Kingston.

O "Hotel Montes Azuis" era uma confortável hospedaria à moda antiga, com todas as comodidades modernas. Bond foi recebido com deferência porque fora recomendado pela King's House. Levaram-no a um belo quarto de esquina, com um alpendre de onde se avistava ao longe a curva do porto. Ele tirou com alívio as roupas londrinas, já úmidas de suor, entrou no compartimento envidraçado do chuveiro e abriu a torneira de água fria. Ficou sob o jato gelado durante cinco minutos, lavando-se dos pés à cabeça, a fim de remover os últimos vestígios da poeira da cidade. Enfiou depois um "short" de algodão sedoso e, sentindo com volúpia a carícia macia do ar tépido, tirou suas roupas da mala e tocou a campainha para chamar o camareiro.

Bond pediu uma dose dupla de gim tônico. Levou a bebida para o alpendre e sentou-se, contemplando a vista espetacular. Pensou no quanto era maravilhoso estar longe da sede, e de Londres, e dos hospitais, e encontrar-se ali, naquele momento, fazendo o que estava fazendo, e sabendo, como lho davam a conhecer todos os seus sentidos, que estava de novo metido num bom caso perigoso.

Permaneceu sentado por algum tempo, deixando que a bebida lhe afrouxasse a tensão nervosa. Pediu outra dose, e tomou-a logo. Eram sete e quinze. Tinha combinado com Quarrel que este o viria buscar às sete e meia. Iam jantar juntos. Bond pedira a Quarrel que sugerisse algum restaurante. Depois de breve hesitação, Quarrel respondera que, sempre que queria divertir-se um pouco em Kingston, ia a um restaurante da zona portuária, chamado "O Barco da Alegria".

— Não é de luxo, chefe — dissera em tom de desculpa —, mas tem boa comida, boa bebida, boa música,' e tenho lá um bom amigo. É o proprietário. Chamam-no de "Polvo", porque certa vez lutou contra um polvo gigantesco.

Bond sorriu sozinho ao lembrar-se da fala saborosa de Quarrel, tão característica das índias Ocidentais. Foi para o quarto e vestiu uma camisa branca de mangas curtas, seu velho tropical azul e uma gravata preta de tricô de seda. Verificou no espelho se não se poderia notar a "Walther", sob a axila, por baixo do paletó. Desceu e saiu, dirigindo-se para o carro que estava à espera.

O automóvel corria veloz através do lusco-fusco rumorejante. Entraram em Kingston e dobraram à esquerda, para o lado do porto. Passaram por elegantes restaurantes e clubes noturnos, onde se ouviam os tons agudos e a cadência sincopada de músicas de calipso. Seguiram por uma rua residencial que ia acabar num centro comercial da classe pobre, ao qual se seguiam filas de casebres. De repente, numa curva, surgiu o brilho dourado de um luminoso, que representava um galão espanhol, encimando um letreiro no qual se lia: "O Barco da Alegria". Deixaram o carro no estacionamento e Bond seguiu Quarrel, passando por um portão e entrando num jardim onde nasciam palmeiras fora do gramado. Na outra extremidade, era a praia, era o mar. Espalhavam-se mesinhas ao pé das palmeiras e via-se, no centro, uma pequena área cimentada, reservada às danças, mas deserta no momento, e ao lado da qual uma pequena orquestra de três músicos, que trajavam camisas vermelhas bordadas com lantejoulas, estava improvisando variações sobre a música de calipso "Leve-a a Jamaica, de onde bem o rum".