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As bebidas chegaram e os três homens puseram-se a falar de corridas.

Na verdade, aquele era o momento mais importante do dia de Strangways — a hora de seu contato radiofônico regulamentar com o poderoso transmissor situado no teto do edifício, em Regents Park, onde fica a sede do Serviço Secreto. Todos os dias, às seis e meia, a menos que ele desse sinal, na véspera, de que não estaria no ar, o que poderia ocorrer quando tivesse que executar alguma tarefa numa das ilhas de seu território, ou quando estivesse seriamente doente — Strangways transmitia o seu relatório diário e recebia ordens que porventura lhe dessem. Se deixasse de ir para o ar exatamente às seis e trinta, haveria uma segunda chamada para ele, a chamada "azul", às sete horas e, finalmente, a chamada "vermelha", às sete e trinta. Depois disso, se o seu transmissor continuasse silencioso, era caso de "Emergência", e a Terceira Secção, a autoridade controladora de Londres, pôr-se-ia urgentemente em campo para saber o que lhe acontecera.

Mesmo uma chamada "azul" sempre representa algo de desfavorável para um agente, a menos que as suas "razões por escrito" sejam irrespondíveis. Os horários das chamadas da estação de Londres são rigorosíssimos, sem qualquer margem de tolerância para atrasos, razão pela qual a mínima perturbação desses horários, em virtude de uma chamada extra, constitui um terrível incômodo. Strangways jamais sofrerá a ignomínia de uma chamada "azul", quanto mais a de uma "vermelha", e tinha a certeza de que jamais haveria de sofrê-la. Todas as tardes, exatamente às seis e quinze, deixava ele o Clube da Rainha, entrava em seu carro, e, por dez minutos lá ia ele galgando as faldas das Montanhas Azuis, até chegar à sua elegante casa, com maravilhosa vista para o porto de Kingston. Às seis e vinte e cinco atravessava um vestíbulo que o conduzia a um escritório situado nos fundos da casa. Abria a porta desse escritório e tornava a fechá-la. A Srta. Trubeblood, que passava como sua secretária, mas que, na verdade, vinha logo abaixo dele, hierarquicamente, e pertencera aos quadros do Serviço Feminino da Marinha Real, como oficial, já devia estar sentada diante dos mostradores disfarçados dentro de um falso arquivo. Com os fones nos ouvidos já estaria ela fazendo o primeiro contato, captando o seu sinal de chamada, o WXN, em 14 megaciclos. Descansando em seus elegantes joelhos, poder-se-ia ver ainda um bloco de estenógrafa. Strangways se acomodava na outra cadeira, ao seu lado, colocando nos ouvidos o outro par de fones, para, exatamente às seis e vinte e oito, tomar o controle em suas mãos e aguardar o súbito ruído oco, vindo do éter, que significaria que WWW, em Londres, logo confirmaria a chamada.

Era aquela uma rotina de ferro. Aliás, Strangways era um homem de férrea rotina. Infelizmente, porém, padrões inflexíveis de conduta podem ser fatais, se chegam ao conhecimento do inimigo.

Strangways, um homem alto e magro, com uma venda preta no olho direito e o tipo de perfil aquilino que se pode associar com a ponte de um destróier, atravessou rapidamente o vestíbulo de entrada do Clube da Rainha e bruscamente abriu passagem pelas portas protegidas com mosquiteiros de tela metálica, para descer pelos três degraus da escada e ganhar a rua.

Naquele momento, não havia muita coisa ocupando a sua mente — talvez apenas uma sensação de prazer sensual que lhe vinha do fresco ar da noite, e a lembrança da habilidade que lhe permitira a posse daquelas três cartas de espadas. Havia naturalmente aquele caso, de que se ocupava na ocasião, um negócio curioso e complicado, que M empurrara sem cerimônia para cima dele, pelo rádio, duas semanas antes. Mas a coisa estava indo bem. Um feliz acaso, que o levara à comunidade chinesa, estava dando bons resultados. Alguns aspectos estranhos tinham vindo à luz, mas se a coisa desse certo — ia pensando Strangways, ao atravessar o caminho de cascalho e ao pisar na Estrada de Richmond — ele poderia ver-se a braços com algo de verdadeiramente excitante.

Strangways encolheu os ombros. Naturalmente que o fantástico nunca se concretizava no campo de suas atividades. Haveria certamente alguma solução prosaica que fora dificultada por imaginações excitadas e pela histeria habitual dos chineses.

Automaticamente, uma outra parte do cérebro de Strangways se apercebeu da presença dos três cegos, que avançavam lentamente em sua direção, pela calçada. Estavam a cerca de vinte metros de distância, e Strangways calculou que os cegos passariam por ele um ou dois segundos antes que alcançasse o carro. Por um sentimento de vergonha, diante de sua própria saúde, e de gratidão por ela, Strangways meteu a mão no bolso à procura de uma moeda. Tirou-a do bolso. Agora caminhava ao lado dos mendigos. Estranho, eram todos negros chineses! Estranho mesmo! A mão de Strangways avançou para a frente e a moeda tiniu no fundo da caneca.

— Deus o abençoe, patrão! — disse o chefe dos cegos. — Deus o abençoe! — repetiram os outros em coro.

A chave do carro estava na mão de Strangways. Fez-se um momento de silêncio, ao cessarem as batidas das bengalas brancas. Mas já era tarde.

Assim que Strangways ultrapassou o último homem, todos os três deram meia volta. Os últimos dois tinham-se distanciado um passo, para os lados, a fim de terem um campo aberto de tiro. Três revólveres, deselegantes dentro de seus silenciadores em forma de salsichas, saltaram de coldres escondidos sob trapos. Com disciplinada precisão os três homens visaram diferentes pontos, ao longo da espinha de Strangways — um entre as omoplatas, outro na curva lombar e um outro na região pelviana.

Os três ruídos secos quase se fundiram num. O corpo de Strangways caiu para a frente. Depois, ficou completamente imóvel em meio à pequena nuvem de poeira que se levantou da calçada.

Eram seis horas e dezessete minutos. Com um rangido de pneus, um coche funerário escuro, com plumas negras balançando nos quatro cantos de sua cobertura, entrou pela Estrada de Richmond e se aproximou do grupo que estava na calçada. Os três homens apenas tiveram tempo de recolher o corpo de Strangways, quando o coche parou pouco adiante deles. As portas duplas da parte traseira foram abertas, da mesma forma que o caixão simples que estava em seu interior. Os três homens lançaram o corpo de qualquer maneira, pela porta, para dentro do caixão. Em seguida pularam para o veículo, baixaram a tampa do caixão e fecharam as portas do coche. Os negros sentaram-se em três dos quatro primeiros lugares nos cantos do caixão, e calmamente descansaram os bastões ao lado. Amplos paletós de alpaca negra estavam pendurados nas costas daqueles assentos. Os três personagens puseram aqueles paletós sobre os andrajos, tiraram os casquetes de "baseball" e, abaixando-se, apanharam, no chão do coche, cartolas negras e puseram-nas na cabeça.

O chofer, que também era um chinês negro, olhou nervosamente por sobre os ombros.

— Vamos, homem! Vamos! — disse o assassino mais corpulento. Olhou para o mostrador luminoso de seu relógio de pulso. Eram seis horas e vinte minutos. Apenas três minutos para fazer o serviço. Morte a tempo.

O coche fez um a solene volta em U e moveu-se em velocidade moderada na direção da junção, que dobrou a uma velocidade de quarenta e oito quilômetros por hora, rumando maciamente pela estrada pavimentada em direção às colinas, com as plumas dolentes a indicarem a natureza fúnebre de sua carga, com três homens velando o morto, respeitosos e empertigados em seus assentos, com as mãos cruzadas sobre o coração.

* *

— WXN chamando WWW... WXN chamando WWW... WXN... WXN... WXN...

O dedo médio da mão direita de Mary Trueblood feria, suave e elegantemente, a chave. Levantou seu pulso esquerdo. Eram seis e vinte e oito. Ele estava um minuto atrasado. Mary Trueblood sorriu pensando no pequeno "Sunbeam" aberto e rodando a toda velocidade pela estrada, em sua direção, naquele momento. Logo, num segundo, ela iria ouvir aqueles passos rápidos, depois a chave na fechadura, e, finalmente, ele estaria sentado ao seu lado. Haveria também o sorriso de desculpas, ao apanhar ele os seus audiofones. "Desculpe-me, Mary, o diabo do carro não queria dar a partida." Ou então: "Já era de esperar que aqueles idiotas da polícia a essa altura já conhecessem o número do meu carro. Fizeram-me parar em Haefway Tree." Mary Trueblood tirou o segundo par de audiofones do gancho e colocou-os sobre a cadeira dele, a fim de lhe poupar meio segundo.