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Recostou-se na cadeira e apanhou o cachimbo. Começou a enchê-lo com ar pensativo. Não levantou os olhos quando sua secretária entrou com uma pilha de papéis, nem tomou conhecimento da meia-dúzia de "urgentes" marcados a lápis vermelho no alto do arquivo de sinais. Se tivessem importância vital, teria sido chamado durante a noite.

Uma luz amarela piscou no aparelho de intercomunicações. M apanhou o fone preto dentre uma carreira de quatro aparelhos.

— É o senhor, Sir James? Tem cinco minutos disponíveis?

— Seis, para o senhor. — Na outra extremidade da linha, o famoso neurologista riu-se. — O senhor deseja que eu dê um atestado de insanidade mental a algum ministro de Sua Majestade a Rainha?

— Hoje, não. — M franziu as sobrancelhas, irritado. A velha Marinha sempre respeitara os membros do Governo. — É a respeito daquele meu homem de quem o senhor tratou. Não vamos dizer o nome. Esta linha é pública. Ouvi dizer que o senhor lhe deu alta ontem. Ele está apto a reassumir?

Houve uma pausa. A voz que respondia era agora profissional, judiciosa.

— Fisicamente, está forte como um touro. A perna sarou completamente. Não creio que haja seqüela. Sim, ele está perfeitamente bem.

Houve nova pausa.

— Só uma coisa, M. Ele ainda está sob forte tensão nervosa. O senhor exige muito desses seus homens, sabe? Poderia dar-lhe uma tarefa suave para começar? Pelo que o senhor me contou, ele tem passado por uns pedaços difíceis nestes últimos anos.

M respondeu um tanto asperamente:

— É para isso que ele é pago. Logo saberemos se ele não está em condições de trabalhar. Não seria o primeiro a ficar imprestável. Pelo que o senhor me diz, ele está em perfeita forma. Não é como se tivesse sido verdadeiramente escangalhado, como alguns dos clientes que lhe enviei — homens que passaram realmente pelo torniquete.

— Bem, naturalmente, se for esse o seu ponto de vista. Mas a dor é coisa estranha. Não se pode medir a diferença entre a dor de mulher no parto e a de um homem com eólicas renais. E, graças a Deus, o corpo parece esquecer mais ou menos depressa. Mas esse seu homem sofreu dor verdadeira, M. Não vá pensar que pelo fato de não ter havido fraturas...

— Tem razão, tem razão. — Bond cometera um erro e sofrerá por causa dele. Fosse como fosse, M não gostava de ouvir advertências, mesmo vindas de um dos mais célebres médicos do mundo, sobre como deveria tratar seus agentes. Um tom de crítica soara na voz de Sir James Molony. M perguntou abruptamente:

— Já ouviu falar de um homem chamado Steincroln — Dr. Peter Steincroln?

— Não, quem é?

— Um médico americano. Escreveu um livro que meu pessoal de Washington mandou para a nossa biblioteca. Esse homem fala de quanto sofrimento o corpo humano pode tolerar. Dá uma lista dos pedaços do corpo, dos quais um homem comum pode prescindir. Aliás, copiei esse trecho para referências futuras. Gostaria de ouvir a lista? — M remexeu no bolso do paletó e pôs algumas cartas e uns pedaços de papel na escrivaninha, à sua frente. Separou um dos papéis com a mão esquerda, abrindo-o. Não ficou desconcertado com o silêncio da outra ponta da linha.

— Alô, Sir James! Bem, aqui está: vesícula biliar, baço, amídalas, apêndice, um rim, um pulmão, dois de seus quatro ou cinco litros de sangue, dois quintos de fígado, a maior parte do estômago, um metro ou um metro e meio de seus dez metros de intestinos e metade do cérebro.

M fez uma pausa. Como o silêncio se prolongasse, perguntou:

— Algum comentário, Sir James?

Ouviu-se um grunhido relutante na outra extremidade da linha telefônica.

— Gostaria de saber porque ele não acrescentou à lista um braço e uma perna, ou todos os membros. Não estou percebendo bem o que o senhor está querendo provar.

M deu uma risada seca.

— Não estou querendo provar nada, Sir James. Apenas achei interessante esta lista. Tudo o que estou querendo dizer é que o nosso homem parece ter escapado com poucos estragos, em comparação com esse rol de torturas. Mas, — prosseguiu M, abrandando um pouco —, na verdade estava pensando em dar-lhe um trabalho mais folgado. Aconteceu qualquer coisa em Jamaica. — M olhou para as vidraças por onde escorria água. — Será mais uma cura de repouso do que um verdadeiro trabalho. Dois dos nossos agentes, um homem e uma moça, fugiram juntos. Pelo menos, é o que parece. Nosso amigo poderia passar um tempo como agente de inquérito — e numa terra ensolarada. Que acha?

— Ótimo. Eu mesmo não recusaria o emprego, num dia como hoje. — Mas Sir James Molony estava resolvido a fazer-se compreender claramente e insistiu com brandura. — Não pense que esteja querendo interferir. Sei que o senhor tem que tratar essa gente como se fossem feitos de borracha, mas penso que não há-de querer que rebentem no momento mais inoportuno. Esse que passou por minhas mãos é rijo. Poderia afirmar que ele lhe prestará ainda muitos serviços. Mas o senhor sabe o que Moran disse sobre a coragem, em seu livro.

— Não me lembro.

— Diz ele que a coragem é um capital que se reduz com os gastos. Estou de acordo. O que quero que o senhor compreenda é que esse rapaz parece ter-se desgastado muito, já desde antes da guerra. Não quero dizer que não tenha mais reserva — ainda não. Mas há um limite.

— Exatamente. — M decidiu que o assunto estava esgotado. Hoje em dia, encontrava-se moleza por toda parte. — Por isso é que quero mandá-lo para fora. Umas férias em Jamaica. Não se preocupe, Sir James, vamos ter cuidado com ele. A propósito, o senhor conseguiu descobrir que droga era aquela que a mulher russa injetou nele?

— Recebi a resposta ontem. — Sir James Molony estava também satisfeito por ter mudado de assunto. Aquele velho era mesmo duro de roer. Haveria alguma possibilidade de suas palavras terem penetrado através daquilo que ele designava — de si para consigo — por "o crânio duro de M?" — As investigações nos tomaram três meses. Foi um rapaz esperto da Escola de Medicina Tropical quem acertou. A droga era o veneno fugu. Os japoneses usam-no para se envenenarem. Provém dos órgãos sexuais de um peixe, o tetrodonte dos mares no Japão. Pode-se sempre contar com os russos para usarem alguma coisa de que ninguém nunca ouviu falar. Poderiam perfeitamente ter empregado o curare. Tem praticamente o mesmo efeito — a paralisia do sistema nervoso central. O nome científico do fugu é tetrodotoxina. É uma coisa terrível e muito rápida. Basta uma injeção, como recebeu o seu subordinado, e dentro de poucos segundos os músculos motores e órgãos respiratórios estarão paralisados. No começo, o sujeito enxerga tudo em dobro e, logo depois, não consegue mais ficar com os olhos abertos. Em seguida, não pode mais deglutir. Sua cabeça cai e ele é incapaz de mantê-la erguida. Acaba morrendo de paralisia respiratória.

— Nosso homem teve sorte de escapar.

—, Foi um milagre. Foi graças àquele francês que estava com ele. Estendeu o rapaz no chão e aplicou-lhe a respiração artificial, como se fosse algum afogado. Conseguiu manter os pulmões em funcionamento até a chegada do médico. Este, felizmente, tinha trabalhado na América do Sul. Diagnosticou presença de curare e aplicou o tratamento correspondente. Mas foi como tirar uma sorte grande: as probabilidades eram de uma em um milhão que se acertasse com o tratamento. Por falar nisso, que foi feito daquela russa?

M respondeu secamente:

— Oh! Ela morreu. Bem, muito obrigado, Sir James. E não se preocupe com o seu paciente. Vou dar um jeito para que ele tenha um serviço leve. Até a vista.

M desligou. Seu rosto estava frio e inexpressivo. Puxou para perto o arquivo das transmissões radiofônicas. Revolveu-o rapidamente. Garatujou comentários em alguns dos registros de transmissões. Ocasionalmente, pedia uma rápida comunicação telefônica para uma das seções. Depois de ter acabado, colocou a pilha de papéis na bandeja dos "documentos a arquivar" e pegou o cachimbo e o pote de fumo, feito com a base de um obus de catorze polegadas. Nada mais havia à sua frente, a não ser uma pasta amarela assinalada com a estrela vermelha dos documentos secretíssimos. No centro da capa estava escrito em letra de forma maiúscula: POSTO DAS CARAÍBAS" e logo abaixo, em itálico: Strangways e Trueblood.