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Aquele deslizamento não foi difícil, e até mesmo uma brisa fresca, proveniente do sistema de ventilação, afagava o rosto de Bond. O ar não trazia nenhum cheiro de mar, sendo o seu odor o mesmo que caracteriza o ar de uma instalação de condicionamento de temperatura. O Dr. No devia ter lançado mão de um dos tubos do sistema para as suas experiências. Mas que armadilhas teria introduzido naquele tubo, a fim de pôr à prova as suas vítimas? Deviam ser engenhosas e dolorosíssimas — imaginadas para reduzir a resistência de suas vítimas. No final dos obstáculos, com certeza, a vítima seria surpreendida com o golpe de misericórdia — se é que lograsse chegar ao fim. Com efeito, haveria ali algo que não admitisse escapatória, pois nessa corrida não haveria prêmios, mas apenas padecimentos. A não ser, naturalmente, que o Dr. No tivesse subestimado a vontade de sobrevivência de seu desafeto. Essa, pensou Bond, era a sua única esperança — tentar vencer todos os obstáculos que se lhe deparassem, rompendo pelo menos até a última estacada.

Havia uma pálida luminosidade à sua frente. Bond foi-se arrastando cautelosamente, com todos os seus sentidos atuando como antenas. Aquela luminosidade foi-se tornando mais clara. Era o reflexo da luz que incidia sobre um dos lados da extremidade do tubo. Continuou avançando até que sua cabeça tocou naquela extremidade. Aí, Bond se torceu sobre as costas e olhou para cima. Sobre sua cabeça estava uma chaminé de cerca de cinqüenta metros de altura, em cujo topo havia uma claridade estável. Era como se alguém olhasse através de um comprido cano de canhão. Bond enfiou a cabeça por aquela chaminé e pôs-se de pé. Então, esperava-se que ele galgasse aquele tubo liso, sem qualquer apoio para os pés! Seria possível? Bond expandiu os ombros. Sim, eles lhe proporcionariam uma boa adesão às paredes laterais. Seus pés também o ajudariam na empreitada, embora escorregassem terrivelmente, a não ser nas orlas em que se soldavam os tubos. Bond deu de ombros e tirou os sapatos. Não adiantava monologar. Teria apenas que tentar.

Seis polegadas de cada vez, e o corpo de Bond começou a deslizar pela chaminé acima. A operação consistia em expandir os ombros para se fixar à chaminé, depois levantar os pés, unir os joelhos fortemente, e forçar os pés para fora, em direções opostas, contra o metal, e rapidamente contrair e expandir os ombros novamente, ao mesmo tempo que os pés escorregavam para baixo, deixando, entretanto, como saldo uma pequena progressão de algumas polegadas. E continuar repetindo, repetindo e repetindo a operação, até que os seus olhos fossem banhados pela luz que vira no topo da chaminé. De quando em quando pararia na saliência da solda dos tubos, a fim de descansar um pouco, recuperar o fôlego e medir o próximo avanço. E não havia que olhar para cima; apenas concentrar-se nas polegadas de metal que deveriam ser vencidas, uma a uma. Nada de preocupações com a luminosidade que pareceria nunca aumentar ou se aproximar. Também não deveria preocupar-se com a possibilidade de afrouxar a pressão dos ombros contra as paredes metálicas, indo esmagar os tornozelos no fundo da chaminé. E nenhuma preocupação com cãibras, com o inchaço dos ombros ou com as esfoladuras dos pés. Apenas ataque às polegadas prateadas, conquistando-as uma a uma.

Mas logo os pés começaram a suar e escorregar de modo desesperador. Por duas vezes Bond perdeu um metro, em virtude do escorregamento de seus ombros, que ficaram terrivelmente escalavrados com o atrito, antes de poder conseguir a freagem. Em certa altura teve mesmo que se deter durante algum tempo para esperar que o suor secasse com a corrente de ar que descia pela chaminé. Essa pausa durou dez minutos, durante os quais ele se viu apagadamente refletido na superfície metálica, com o rosto dividido ao meio pela faca que segurava entre os dentes. Ainda assim recusou-se a olhar para cima, a fim de ver quantos metros teria que vencer. Aquela derradeira seção poderia ser muito longa. Cuidadosamente Bond esfregou cada pé num cano de calça e recomeçou a batalha.

Agora, parte de sua mente sonhava, enquanto a outra se empenhava na luta. Nem mesmo estava consciente de que a luminosidade se ia acentuando lentamente e que a brisa se tornava mais forte. Via-se apenas como uma lagarta ferida, arrastando-se por um cano de descarga em direção a um ralo de banheira. O que veria quando atravessasse o ralo? Uma jovem nua se enxugando? Um homem fazendo a barba? A luz do sol filtrando-se para dentro de um banheiro Vazio?

A cabeça de Bond bateu de encontro a alguma coisa. O ralo estava obstruindo o orifício! O choque do desapontamento fez que escorregasse uma polegada, antes que seus ombros pudessem retê-lo firmemente. Então compreendeu que tinha chegado ao topo da chaminé! Agora notava a luz forte e o vento impetuoso. Ansiosamente, ele se alçou novamente até que a cabeça tocou em algo. O vento soprava contra sua orelha esquerda. Cautelosamente, voltou a cabeça para essa direção. Era outro tubo lateral. Acima de sua cabeça a luz se escoava através de uma espessa vigia. Tudo o que tinha a fazer era contornar aquela derivação, agarrando-se à orla do novo tubo, e, de qualquer maneira, encontrar forças para se introduzir naquele túnel lateral. Então poderia descansar um pouco, deitado.

Com redobrada cautela, nascida do pânico de que algo agora podia acontecer, de que poderia cometer um erro e ser precipitado no fundo da chaminé, Bond empreendeu a manobra, com suas últimas reservas de forças, e introduzindo-se na nova caverna caiu estirado com o rosto para baixo.

Mais tarde — quanto tempo mais tarde? — os olhos de Bond se abriram e seu corpo estremeceu. O frio o tinha despertado da total inconsciência em que o seu corpo o teria lançado. Penosamente, virou-se de costas, com pés e ombros doendo terrivelmente, e procurou reunir todas as forças mentais e físicas. Não tinha a mínima idéia da hora ou do lugar em que estaria no interior da montanha. Levantou a cabeça e olhou para trás, em direção à vigia, sobre o tubo vertical, do qual escapara. A luz era amarelada e o vidro parecia muito grosso. Lembrou-se da vigia existente na sala Q. Aquela vigia era absolutamente inquebrável, e esta também o seria, pensou ele.

Subitamente, por trás daquele vidro, distinguiu movimento. Enquanto observava, um par de olhos se materializaram, por trás de lâmpadas elétricas. Aqueles olhos pararam e fitaram-no, com o farolete parecendo um nariz entre aqueles dois olhos. Fixaram-no negligentemente e depois desapareceram. Os lábios de Bond explodiram numa imprecação. Então o seu progresso estava sendo observado para ser levado ao conhecimento do Dr. No.

Bond disse em voz alta: “Para o diabo com todos eles!”,, e voltou-se colérico sobre o ventre. Levantou a cabeça e olhou para a frente. O túnel desaparecia na escuridão. Para a frente! Não adianta nada perder tempo aqui. Apanhou a faca, colocou-a entre os dentes e foi abrindo caminho.

Em breve já não havia mais nenhuma luminosidade. Bond detinha-se de quando em quando para acender o isqueiro mas nada encontrava a não ser trevas. O ar começou a se tornar mais cálido, dentro do túnel, e, depois de uns cinqüenta metros talvez, decididamente quente. Havia mesmo cheiro de calor no ar, de calor metálico. Bond começou a suar.. Dentro de alguns minutos seu corpo estava completamente encharcado e ele tinha que parar para limpar os olhos. Deu uma volta à direita, no tubo, e, na nova seção, sentiu o metal bastante quente contra a sua pele. O cheiro de calor metálico era agora bem acentuado. Assim que enfiou a cabeça no novo túnel, tirou o isqueiro do bolso, acendeu-o e rapidamente recuou. Amargamente, considerou a nova dificuldade, medindo-a e amaldiçoando-a. A chama de seu isqueiro tinha iluminado uma seção de tubos de zinco descolorido. A nova dificuldade seria o calor!