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Lentamente o corpo foi voltando à superfície, e ficou, com a cabeça para baixo, a balançar-se suavemente nas pequeninas ondas causadas pelo seu próprio mergulho. A água que penetrou nos pulmões de certa forma contribuiu para enviar uma última mensagem ao cérebro. As pernas e braços agitaram-se desajeitadamente. Agora tinha conseguido voltar a cabeça para cima, com a água escorrendo da boca. Tornou a afundar, mas dessa vez, instintivamente, as pernas começaram a mover-se procurando manter o corpo à superfície da água. Por fim, a cabeça, horrivelmente sacudida pela tosse, conseguiu vir para fora da água e assim manter-se. Os braços e as pernas começaram a agitar-se dèbilmente, com os movimentos natatórios de um cão, e através da cortina vermelha e negra, os olhos injetados de sangue viram a linha da vida e disseram ao dolente cérebro que visasse àquele objetivo.

A arena de execução era uma estreita e profunda enseada, na base de um elevado penhasco. A corda de salvamento em direção à qual Bond lutava, embaraçado pelo chuço metido em sua calça, era representada por uma forte tela de arame, que se estendia por dois lados do penhasco, protegendo aquela enseada do mar aberto. Aquela rede, formada de quadrados, estava suspensa a um grosso cabo situado a dois metros acima da superfície da água. Para baixo, a tela desaparecia nas profundezas, cheia de incrustações de algas.

Bond conseguiu chegar ao arame, e a ele agarrou-se como que crucificado. Durante quinze minutos deixou-se ficar na mesma posição, com o corpo de quando em quando sacudido por vômitos, até que se sentiu bastante forte para virar a cabeça e verificar onde estava. Ofuscadamente, os seus olhos tomaram a altura do penhasco, sobre sua cabeça. O lugar estava obscurecido por uma sombra cinzenta, projetada pela montanha, mas ao largo, no mar, havia uma iridiscência de pérola provocada pela aurora, o que significava que para o resto do mundo o dia estava amanhecendo. Mas onde Bond se encontrava era escuro e triste.

Lerdamente, a mente de Bond começou a se interrogar sobre aquela tela de arame. Qual seria a sua finalidade, fechando aquela escura enseada e separando-a do mar? Seria para manter alguma coisa do lado de fora ou para mantê-la do lado de dentro? Bond olhou vagamente para baixo, procurando penetrar as profundezas do mar, à sua volta. As malhas de arame perdiam-se no nada, sob os seus pés. Havia pequeninos peixes à volta de suas pernas, abaixo da cintura. Que estariam eles fazendo? Pareciam estar-se alimentando, avançando contra seu corpo e depois recuando com fiapos negros na boca. Fiapos de que? De algodão de seus farrapos? Bond sacudiu a cabeça para clarear as idéias. Tornou a olhar para baixo. Não, aqueles peixes estavam-se alimentando com seu sangue.

Bond estremeceu. Sim, o sangue estava escorrendo de seu corpo, dos ombros, dos joelhos, dos pés, e misturando-se à água. Agora, pela primeira vez sentiu a dor causada pela água salgada em suas feridas e queimaduras. A dor tornou-se mais viva e estimulou a sua mente. Se esses pequeninos peixes estavam gostando de seu sangue, o que dizer dos tubarões? Seria essa a finalidade daquela tela de arame, isto é, evitar que os peixes devoradores de seres humanos pudessem escapar para o mar? Então por que eles ainda não se tinham lançado sobre ele? Para o diabo! A primeira coisa a fazer era subir pelo arame e ganhar o outro lado. Interpor aquela tela entre ele e o que quer que vivesse naquele escuro aquário.

Dèbilmente, pé após pé, lá se foi Bond subindo pela tela, até chegar ao cume e passar para o outro lado, onde poderia descansar sem preocupações. Colocou o espesso cabo sob a axila, e olhou para baixo, contemplando os peixes que ainda se nutriam com o sangue que continuava gotejando de seus pés.

Agora já não havia muito em Bond; pouquíssimas reservas teria ele. O último mergulho no tubo, o choque da queda, na água, e a quase morte, causada por afogamento, tinham-no esmagado como a uma esponja. Estava prestes a entregar-se, prestes a soltar um pequeno suspiro e depois escorregar para os doces braços da água. Como seria bom abandonar-se, finalmente, e descansar — sentir que o mar suavemente o levava para o seu leito.

Foi a explosiva fuga dos peixes que estavam sorvendo o seu sangue, sob os seus pés, que despertou Bond de seu sonho de morte. Alguma coisa tinha-se movido muito abaixo da superfície. Havia uma trêmula claridade muito distante, mas que avançava lentamente para a superfície, aproximando-se pelo lado interno da tela.

O corpo de Bond se enrijeceu. Ante a iminência do perigo, a vida voltou-lhe num ímpeto, expulsando a letargia e comunicando-lhe renovada vontade de sobreviver.

Bond abriu os dedos aos quais, há muito, o seu cérebro ordenara que não perdessem a faca. Fechou os dedos e agarrou o cabo daquela lâmina. Abaixou-se em seguida e tocou no gancho do chuço que ainda se mantinha no interior da calça. Sacudiu vivamente a cabeça e ficou com os olhos alertas. E agora?

Sob os seus pés a água estremeceu. Alguma coisa estava-se debatendo, no fundo, alguma coisa enorme. Algo grande, de cor cinza luminescente, tornou-se visível, detendo-se muito abaixo da superfície, na escuridão. Alguma coisa se projetou daquela massa, em direção à superfície, algo como se fosse um chicote da grossura do braço de Bond. A extremidade daquela tira inchava-se numa terminação oval e achatada, com marcas semelhantes a botões distribuídos a espaços regulares. Aquele tentáculo rodopiou na água, no lugar em que os peixes tinham estado, e logo se encolheu. Agora só se via a grande sombra cinzenta lá embaixo da superfície. Que estaria fazendo o animal? Estaria...? Estaria provando o seu sangue?

Como que em resposta àquela pergunta, dois olhos, tão grandes quanto bolas de futebol, foram avançando para cima até se porem no campo de visão de Bond. Aqueles enormes olhos pararam vinte pés abaixo da superfície e olharam tranqüilamente para cima, fixando-se no rosto de Bond.

A pele de Bond ficou arrepiada nas costas. Sua boca deixou escapar um palavrão! Então, aquela era a Ultima surpresa do Dr. No, o fim da corrida!

Bond ficou de olhos abertos, meio hipnotizado, olhando para baixo. Então aquele era o polvo gigante, o monstro mítico que podia arrastar navios para as profundezas do mar, o monstro de cinqüenta pés de comprimento que podia dar combate às baleias e que pesava uma tonelada ou mais. O que mais sabia ele a respeito daqueles animais? Que tinham dois longos tentáculos para laçar e outros dez para agarrar; que tinham um enorme bico rombudo por baixo de olhos que eram os únicos olhos, entre os peixes, a trabalharem segundo o principio da câmara fotográfica, como os do homem: que seu cérebro era eficiente; que o monstro podia fugir para trás a uma velocidade de trinta nós, por um sistema de jato-propulsão. Sabia ainda que os arpões podiam afundar-se em sua manta de gelatina sem causar nenhum mal ao monstro, e que... mas os grandes olhos esbugalhados, que ofereciam um alvo negro e branco, estavam-se elevando em sua direção. A superfície da água estremecia. Agora Bond podia ver uma floresta de tentáculos que saíam da cara do animal. Ondulavam diante dos olhos do monstro como uma ninhada de grossas serpentes. Bond podia ver-lhe as ventosas sob os tentáculos. Atrás da cabeça, a grande aba da manta de gelatina abria-se e fechava-se suavemente, e, por trás dela, o brilho do corpo perdia-se nas profundezas. Por Deus, a coisa era tão grande quanto uma locomotiva!

Muito devagar e discretamente Bond foi enfiando os pés e depois os braços através dos quadrados da tela de arame, protegendo-se e ancorando-se tão sòlidamente que os tentáculos teriam que arrancá-lo dali aos pedaços ou então arrastar com ele todo aquele arcabouço de metal. Olhou para a direita e para a esquerda. Para qualquer lado, teria que vencer vinte metros, antes de chegar à terra. Mas, qualquer movimento, ainda que pudesse empreende-lo, séria fatal. Devia ficar absolutamente imóvel, rezando para que o monstro perdesse o interesse e se afastasse. Se ele não perdesse o interesse... Suavemente os dedos de Bond apertaram a pequenina faca.