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O Governador resmungou e olhou de soslaio, sobre a mesa, para Bond. Este não parecia estar prestando muita atenção, mas nunca se podia estar muito seguro com esses sujeitos do Serviço Secreto. Sujeitos perigosos para a gente os ter à volta, a bisbilhotarem e espionarem tudo. E o seu maldito chefe tinha um tremendo prestígio junto ao chefe do governo, em Londres. Não valeria a pena indispor-se com ele. Naturalmente que havia algo de justificável no envio do “Narvik”, mas certos fatos chegariam ao conhecimento público. Toda a imprensa do mundo cairia sobre sua cabeça. Mas, subitamente, o governador viu as manchetes: “O Governador empreende rápida ação... O homem forte da Ilha intervém... A Marinha já chegou!” Afinal de contas, talvez fosse melhor agir daquela maneira. Até mesmo ir em pessoa ver o embarque das tropas. Sim, por Deus, era isso que devia ser feito. O repórter Gargill, do “Gleaner”, viria almoçar. Faria então uma ou duas insinuações ao rapaz e se certificaria de que a história fosse devidamente coberta. Sim, era isso. Essa era a maneira de fazer a jogada.

O governador levantou as mãos e deixou-as cair pesadamente, sobre a mesa, num gesto de submissão. Por fim, dirigiu um sorriso forçado de aquiescência aos presentes:

— Então, estou em minoria, senhores. — Em seguida, sua, voz tornou-se condescendente, como a de um velho tio que dissesse aos seus sobrinhos que desta vez... “eu aceito o veredicto dos senhores. Sr. Secretário para a Colônia, queira ter a gentileza de visitar o comandante do “H.M.S. Narvik” para explicar-lhe a situação. Em caráter estritamente confidencial, naturalmente. Brigadeiro, deixo as providências militares em suas mãos. Sr. Chefe de Polícia, o senhor saberá o que fazer”. O Governador levantou-se, inclinando a cabeça num gesto de realeza na direção de Bond:

— Resta apenas manifestar a minha apreciação ao comandante — eehh — Bond, por sua participação no caso. Não deixarei de mencionar a sua cooperação, comandante, ao Secretário de Estado.

Do lado de fora. o sol reverberava na aléia semicircular de cascalho. Dentro do “Hillman Minx” estava um verdadeiro banho turco. As mãos queimadas de Bond encolheram-se quando ele agarrou o volante.

Pleydell-Smith debruçou-se à janela do carro, e disse:

— Você já ouviu a expressão jamaicana “rarse”?

— Não.

— “Rarse”, homem, é uma expressão vulgar que quer dizer “vá às favas”. Se assim me posso expressar, você poderia, muito apropriadamente, ter empregado essa expressão ainda há pouco. Todavia — Pleydell-Smith fez um largo gesto com a mão, como se pedisse desculpas por seu chefe e o pusesse de lado — há mais alguma coisa que eu possa fazer por você? Acha realmente que deveria voltar a Beau Desert? Lá no hospital eles foram bem explícitos, no sentido de que você deve ficar lá durante uma semana.

— Muito obrigado — disse Bond laconicamente — mas preciso voltar. Quero ver se a pequena está bem. Você quer dizer lá no hospital que estarei de volta amanhã? Mandou aquele despacho para o meu chefe?

— Com urgência.

— Bem, então — Bond acionou o motor de arranque — acho que você já fez muito. Não deixe de procurar o pessoal do Instituto de Jamaica, a respeito da jovem. Ela sabe realmente uma porção de coisas sobre história natural. Mas não coisas aprendidas em livros. Se eles pudessem arranjar-lhe um emprego apropriado... Gostaria de vê-la colocada. Eu mesmo vou levá-la a Nova Iorque e acompanhá-la em sua operação. Ela poderia começar uns quinze dias depois da operação. Incidentalmente, — Bond parecia embaraçado, — ela é realmente uma garota admirável. Quando ela voltar... se você e sua esposa... Você sabe. Apenas para ter alguém olhando-a um pouco.

Pleydell-Smith sorriu. Pensou ter apanhado bem o quadro que o amigo lhe sugeria. Respondeu:

— Não se preocupe. Eu verei isso. Batty é formidável para essa espécie de encargo. Gostará de ter a garota sob sua asa. Só isso? Tornarei a vê-lo no fim da semana, de qualquer forma, não é? Aquele hospital é um inferno com este calor. Você poderia ficar uma noite ou duas conosco antes de voltar para a Inglaterra — quero dizer Nova Iorque. Terei muito prazer em receber você — ehh — ambos.

— Obrigado. E obrigado por tudo o mais.

Bond pôs o carro em marcha e lá se foi pela avenida ensolarada. Corria cèleremente, atirando para longe os cascalhos, nas curvas. Queria ver-se longe. Queria ver-se livre de King’s House, e do tênis, e de reis e rainha. Até mesmo do bondoso Pleydell-Smith queria ver-se livre. Bond gostava do homem, mas tudo quanto queria era voltar por Junction Road a Beau Desert, afastando-se do mundo ameno. Passou pela sentinela e entrou na estrada principal. Pisou o acelerador até a tábua.

A viagem noturna, sob as estrelas, tinha sido sem incidentes. Ninguém os tinha perseguido. A jovem tinha dirigido a maior parte da travessia. Bond não discutira com ela, deixando-se ficar no fundo do bote, numa espécie de colapso, como um morto. Acordara uma ou duas vezes e ouvira o marulhar das ondas de encontro ao casco do barco, admirando o tranqüilo perfil da jovem, sob as estrelas. Depois, o embalo das pulsações marinhas o tinha adormecido e lançado nos pesadelos que o perseguiam desde Crab Key. Não se preocupou com eles, nem mesmo pensou que depois daquilo viria a se impressionar com um pesadelo. Com efeito, depois do que lhe acontecera na noite anterior seria preciso algo de verdadeiramente forte para tornar a assustá-lo.

A batida de uma pedra contra o casco acordara-o. Estavam atravessando os recifes e penetrando em Porto Morgan. A lua em quarto crescente estava alta no céu e para dentro dos recifes o mar era um espelho prateado. A jovem conduzira a canoa com a vela desfraldada. Atravessaram a baía em direção à pequena orla da areia e a proa sob a cabeça de Bond raspou-a docemente. Honey tivera que ajudá-lo a deixar a canoa e atravessar o relvado em direção à casa. Ele se agarrara a ela, amaldiçoando-a ternamente, enquanto ela ia arrancando-lhe as roupas e levando-o para baixo do chuveiro. Ela nada dissera quando vira o seu castigado corpo sob as luzes. Abrira completamente o chuveiro e passara-lhe sabonete em todo o corpo, como se ele fosse um cavalo. Depois, tirara-o do chuveiro, enxugando-o suavemente com toalhas que eram aplicadas a seu corpo, sob leve pressão, e que logo se tingiam de sangue. Ele a vira apanhar uma garrafa de antisséptico. Depois, urrara de dor e se agarrara desesperadamente à banheira. Antes de começar a aplicar-lhe aquele líquido ela o tinha beijado nos lábios. Em seguida, dissera-lhe: — Agüente firme, querido. E chore. Vai doer um bocado. — enquanto ela lhe aplicava aquele maldito líquido, as lágrimas corriam-lhe pelo rosto, sem que ele experimentasse nenhum sentimento de vergonha.

Em seguida viera o magnífico desjejum, enquanto a aurora ia raiando sobre a baía, logo seguido da horrível corrida para Kingston, em busca da mesa operatória, na enfermaria de pronto-socorro. Pleydell-Smith fora chamado, mas não se fizeram perguntas. Mertiolato fora posto nas feridas e ungüento de ácido tânico nas queimaduras. O eficiente médico negro escrevera afanosamente no livro de registro... o quê? Provavelmente apenas “queimaduras e contusões generalizadas”. Depois, com promessas de que se recolheria a uma enfermaria particular, no dia seguinte, Bond fora com Pleydell-Smith a King’s House e participara da primeira reunião que terminara com uma conferência ampliada. Bond enviara uma curta mensagem cifrada para M, através do Secretariado das Colônias, e terminara friamente com as seguintes palavras: “Lamento dever solicitar novamente licença para tratamento de saúde ponto segue o relatório dos cirurgiões ponto queira ter a gentileza de informar ao armeiro que o “Smith & Wesson” é ineficaz contra um lança-chamas ponto.”

Agora, enquanto ia dirigindo o carro, serpeando por aqueles SS intermináveis, em direção à Costa Norte, lamentava o gracejo. M não gostaria daquilo. Era um gracejo barato e desperdiçava grupos de cifras. Upa!, quase! Bond desviara rapidamente para evitar um célere ônibus vermelho que trazia em sua tabuleta de destino as palavras “Brownskin Gal”. Quisera apenas mostrar a M que aquilo não fora apenas férias ao sol. Mais tarde pediria desculpas, quando enviasse o seu relatório escrito.