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— Bem, essa é a história, tal como nós a transmitimos a Strangways no dia 20 de janeiro. Ele acusou recebimento, mas, depois disso, não nos comunicou mais nada. — O Chefe do Pessoal recostou-se na cadeira. — Parece que existe um pássaro chamado espátula rosada. Há na pasta um fotografia dele, em cores. Parece uma espécie de cegonha cor-de-rosa, com um bico achatado, muito feio, do qual ele se serve para escavar a lama, em busca de alimento. Há alguns anos, essas aves estavam desaparecendo. Pouco antes da guerra, existiam apenas algumas centenas delas em todo o mundo, concentradas principalmente na Flórida e regiões vizinhas. Foi quando alguém notificou a existência de uma colônia numa ilha chamada Crab Key, entre Cuba e Jamaica. É território britânico — uma dependência de Jamaica. Costumava-se tirar guano desta ilha, mas o preço do guano baixou muito e não compensava mais as despesas da extração. Quando as aves foram descobertas nessa ilha, havia cerca de cinqüenta anos que estava ela inabitada. A Sociedade Audubon mandou representantes até lá, e acabou arrendando um pedaço da ilha, que serviria de santuário para aquelas aves. Elas se multiplicaram e, segundo as mais recentes estimativas, havia cerca de cinco mil nessa ilha. Foi por ocasião da entrada dos Estados Unidos na guerra. O preço do guano tornou a subir e um sujeito esperto teve a idéia de comprar a ilha e recomeçar a extração de guano. Entrou em negociações com o governo de Jamaica e comprou a ilha por dez mil libras esterlinas, com a condição de não interferir com o arrendamento do santuário. Isso foi em 1943. Pois bem, esse sujeito mandou vir grande número de trabalhadores braçais a salários de fome e logo auferiu lucros, e continuou ganhando dinheiro com a exploração, até bem pouco tempo. De repente, o preço do guano baixou vertiginosamente, e pensa-se que ele deve ter muita dificuldade em cobrir as despesas.

— Quem é este homem?

— É um chinês, ou antes, um mestiço de raça chinesa e alemã. Tem um nome maluco. Doutor No — Doutor Julius No.

— Como "não" em inglês?

— Exatamente.

— Que se sabe a respeito dele?

— Nada, a não ser que é muito reservado. Não foi mais visto, desde que concluiu o negócio com o governo jamaicano. E não há comunicações com a ilha. É dele, e ele a mantém isolada. Diz que não quer que ninguém venha perturbar as aves que produzem o seu guano, o que parece razoável. Pois bem, essa era a situação até poucos dias antes do Natal, quando um dos guardas da Sociedade Audubon, um homem das ilhas Barbados, aparentemente sério e merecedor de confiança, chegou de canoa à costa setentrional de Jamaica. Estava passando muito mal. Coberto de queimaduras terríveis, em conseqüência das quais morreu poucos dias depois. Antes de morrer, narrou uma história sem pé nem cabeça, sobre o incêndio do acampamento onde morava, por um dragão que lançava chamas pela boca. Esse dragão teria morto o outro guarda e queimado o acampamento, entrando aos roncos pelo santuário das aves, vomitando fogo sobre elas e pondo-as em fuga. Não se sabe que fim levaram os pássaros. Esse homem, apesar de suas graves queimaduras, conseguiu escapar até o litoral e roubar um barco, e fez a travessia durante a noite. O pobre diabo estava com o espírito visivelmente perturbado. Ficou tudo por isso mesmo, salvo que mandaram um relatório para a Sociedade Audubon. E seus membros não gostaram da história. Mandaram dois de seus maiorais, num aparelho Beechcraft, de Miami, a fim de investigarem o caso. Há uma pista de pouso na ilha. Aquele chinês comprou um aparelho anfíbio Grumman, para o seu abastecimento...

M interrompeu acerbamente:

— Toda essa gente parece ter dinheiro de sobra para jogar fora, com suas aves.

Bond e o Chefe do Pessoal trocaram sorrisos. Sabiam dos baldados esforços que M fizera durante anos para convencer o Ministério da Fazenda a lhe dar um teco-teco destinado ao posto das Caraíbas.

— Mas o Beechcraft espatifou-se ao aterrar — prosseguiu o Chefe do Pessoal — morrendo os dois representantes da Sociedade Audubon. Ora, isso enfureceu o pessoal das aves. Conseguiram que uma corveta do Esquadrão de Treinamento norte-americano das Caraíbas fosse fazer uma visita ao Doutor No. Veja só como é poderosa a Sociedade Audubon! Parece que tem um grande grupo de deputados às suas ordens, em Washington. O comandante da corveta relatou que foram recebidos com a máxima cortesia pelo Doutor No, porém foram mantidos afastados do local de exploração do guano. O comandante foi conduzido à pista de aterragem e examinou os destroços do Beechcraft. Estava reduzido a frangalhos, mas nada aparecia que pudesse suscitar suspeitas; tentara provavelmente uma aterragem demasiado rápida. Os corpos dos dois passageiros e do piloto tinham sido reverentemente embalsamados e encerrados em belos caixões, que foram entregues aos americanos em cerimônia solene. O comandante ficou muito bem impressionado com a cortesia do Doutor No. Pediu para visitar o acampamento dos guardas da Sociedade Audubon; levaram-no até lá e mostraram-lhe o que restava. A teoria do Doutor No era que os dois homens tinham enlouquecido em conseqüência do calor e do isolamento, ou que pelo menos um deles tinha enlouquecido e tinha posto fogo ao acampamento, queimando também o companheiro. Essa explicação pareceu plausível ao comandante, depois de ter visto as terras aparentemente esquecidas da Providência onde aqueles indivíduos tinham vivido durante dez anos ou mais. Nada mais havia para ver, e ele foi polidamente acompanhado até o navio e partiu. — O Chefe do Pessoal abriu as mãos. — E é só, salvo que o comandante relatou ter avistado apenas um punhado daquelas espátulas rosadas. Quando a Sociedade Audubon recebeu esse relatório, parece que seus membros ficaram principalmente enfurecidos com o desaparecimento das aves, e desde então eles nos têm amofinado, a fim de que procedêssemos a um inquérito completo sobre o caso. Naturalmente, ninguém, no Ministério das Colônias, nem tampouco no governo de Jamaica, tomou o menor interesse. Por isso, a maçada toda acabou por ser jogada para cima de nós. — O Chefe do Pessoal deu de' ombros com resignação. — E assim foi que aquela pilha de bobagens — ele apontou para a pasta — ou pelo menos o essencial de seu conteúdo despencou na cabeça de Strangways.

M deitou a Bond um olhar de enfado.

—Está vendo o que eu queria dizer, 007? É exatamente um desses casos sem fundamento que aquelas sociedades de velhas estão sempre levantando. Começa-se com a proteção de uma coisa qualquer — igrejas, casas históricas, quadros antigos, aves — e acaba-se sempre com encrencas. O pior da história é que essa espécie de gente fica seriamente preocupada com seus bichos, ou seja lá o que for. Envolvem políticos no caso, e parece que dispõem sempre de montes de dinheiro. Só Deus sabe donde lhes vêm os recursos. Outras velhas desocupadas os fornecem, com certeza. E chega-se a um ponto em que alguém tem que tomar providências para sossegá-las, como nesse caso. Dessa vez a coisa veio parar conosco, porque o local se encontra em território britânico. Mas é também propriedade particular. Ninguém está disposto a se intrometer oficialmente. Então, o que esperam que eu faça? Que eu mande um submarino até a ilha? Para fazer o quê? Para descobrir que fim levou uma ninhada de cegonhas vermelhas? — M fungou com mais força. — Seja como for, o senhor queria saber qual o caso com que Strangways se ocupava nos últimos tempos, e é esse. — M inclinou-se combativamente para a frente. — Tem mais perguntas a fazer? Tenho um dia muito atarefado à frente.

Bond não conseguiu disfarçar um sorriso. Não pôde controlar-se. Eram tão magníficas as raras explosões de cólera de M! E nada o enfurecia mais do que qualquer coisa que lhe fizesse desperdiçar o tempo, as energias e os parcos recursos do Serviço Secreto. Bond ergueu-se.

— Pode dar-me essa pasta? — pediu ele. — Parece-me bastante estranho que quatro pessoas tenham morrido, de certo modo, por causa dessas aves. Talvez mais duas: Strangways e a moça Trueblood. Concordo com que possa parecer ridículo, mas não tenho pista alguma à qual me aferrar. I